segunda-feira, 20 de junho de 2022

VIVA SÃO JOÃO!

 



A FOGUÊRA DE SÃO JOÃO

 

Por Patativa do Assaré

 

Meu São João, meu São Joãozinho!
Quanto amô, quanto carinho,
Quanto afiado e padrinho
Nesta terra brasilêra
Não tem a gente arranjado,
No quilaro abençoado,
Tão belo e tão respeitado,
Da sua foguêra.
 
Meu querido e nobre santo,
Que a gente qué e ama tanto,
Sua foguêra é o encanto
Da gente do meu sertão.
Não pode sê carculada
A porva que vai queimada
Nessas noite festejada
Da foguêra de São João.
 
Quantos véio bacamarte
Virge, que nunca fez arte,
Não tão guardado de parte,
Com amô e devoção,
Mode o povo sertanejo
Com eles fazê trovejo,
No mais alegre festejo
Da foguêra de São João!
 
Pois quarqué arma ferina,
Bacamarte ou lazarina,
Já criminosa, assarsina,
Como é a do caçadô,
Não tem a capacidade
De atirá com liberdade
Na santa quilaridade
Desta foguêra de amô.
 
Meu São João! Meu bom São João!
Santo do meu coração,
Repare e preste tenção
Quanto é lindo o seu festejo.
Repare lá do infinito
Como isto tudo é bonito,
Sempre digo e tenho dito
Que o senhor é sertanejo!
 
O homem pode ruim
E mardade sem fim,
Vivê da intriga e moitim,
Socado na perdição,
Mas a farta mais grossêra,
Mais e feia e mais agorêra,
É de quem não faz foguêra
Na noite de São João.
 
No mundo tem tanta gente
Véia, já quage demente,
Que não sente o que nós sente
E desfruita por aqui,
Gente sem gosto e sem sorte,
Que já vai perto da morte,
Sem vê um São João do Norte,
Nas terras deste Brasí.
 
Quem veve lá na cidade
Não conhece de verdade
A maió felicidade,
Três cabôco empareiado,
Com seus bacamarte armado
Dá três tiro encarriado:
— Pei! Pei! Pei! Viva São João!
 
E o foguete e o buscapé,
E o traque faz rapapé,
Arvoroçando as muié,
Quando elas vai madrinha,
E a contente criançada,
Na mais doce gargaiada,
Vai puxando uma toada,
Brincando de cirandinha.
 
Nesta noite alegre e rica
O prazê se mutiprica,
Na latada de oiticida
Tudo dança com despacho.
O véio Jirome Guéde,
Que sacrifiço não mede,
Toca o que o povo lhe pede
Numa armonca de oito baxo.
 
Meu São João! Meu bom São João!
Chuvinha, tiro e balão
Nós lhe manda do sertão,
Do nosso grande país,
Damo viva a toda hora
Quando o bacamarte estora,
Dos santo lá da Gulora
O senhô é o mais feliz!
 
A cinza santa e sagrada
De sua foguêra amada,
Com fé no peito guardada
Quem tira um pôquinho dela
Despois que se apaga a brasa
E bota em roda da casa,
Na vida nunca se atrasa,
Se defende das mazela.
 
É tão grande, é tão imensa
A minha fé e minha crença,
Que se Deus me licença,
Quando eu morrê, vou levá
Grosso fêcho de madêra
De angico e de catinguêra,
Pra fazê uma foguêra
Lá no céu, quando eu chegá.

  

REFERÊNCIA:

ASSARÉ, Patativa. Cante lá que eu canto cá: Filosofia de um trovador nordestino. 8. ed. Petrópolis: Vozes; Crato: Fundação Pe. Ibiapina e Instituto Cultural do Cariri, 1992.


Nenhum comentário:

Postar um comentário