Por João Florindo Batista Segundo
Discorreremos a seguir sobre a empolgante obra “A chama de uma
vela”, do professor, filósofo e poeta francês Gaston Bachelard (1884-1962).
Ao longo de sua vida, ele escreveu livros sobre a terra, a água e o
ar; já no final de seus dias, se dedicou ao elemento fogo, com as obras “Fragmentos
de uma poética do fogo” (que
infelizmente ficou inconcluso) e “A chama de uma vela”, onde descreve lembranças
de sua própria vida e as relações entre a memória e a imaginação poética. É
perceptível em Bachelard que o fogo e a vida se confundem, como uma metáfora
para o combustível que anima nossos corpos.
Bachelard certamente acessou o mais íntimo do seu ser e de seu
entorno para nos trazer a propositura de uma filosofia infinita diante da
singeleza da chama de uma vela e de um pedaço em branco de papel.
Pertinente recapitular que nossas lembranças são compostas pela memória
(registro consciente do passado) e pela imaginação (registro
inconsciente do passado). E o que o autor vem demonstrar é que mesmo acessando
as lembranças por vezes é difícil escrever (como é inquietante o silêncio de
uma página em branco!), se conhecer e falar sobre si mesmo (se descrever). A
chama da vela remete a imagens de nossa vida que Bachelard denomina “gravuras”,
ou seja, memórias internas.
E o livro nos faz pensar que a chama de uma vela é sempre
solitária, ao contrário da lâmpada elétrica, bem como, que na ausência é que percebemos
como a proximidade é maior, como as pessoas que nos são caras nos fazem falta.
Na verdade, “a chama é um mundo para um homem só”, que nos leva ao antagonismo luz/escuridão
da solitária memória, seja a nossa ou a do autor.
Bachelard se caracteriza pelo seu lirismo, por traçar uma pedagogia
do sonho acordado e por demonstrar que a solidão é útil para que possamos nos
trabalhar e estarmos aptos a trabalhar o mundo: nossas relações pessoais e
profissionais, a escola, a sociedade etc. E a bem da verdade, no círculo dos
escritores e pesquisadores por vezes a solidão é assaz necessária: só
perscrutando seu interior é que o indivíduo encontrará as respostas aos seus
anseios e aos da coletividade.
“A chama de uma vela” demonstra também que o desejo de querer
explicar tudo o que existe nos remonta à ciência, à epistemologia pedagógica e
ao fato de que a construção da pedagogia se dá pela composição de fragmentos
específicos das ciências que estudam a sociedade. E tal qual o livro de
Bachelard se constrói pela análise de suas ações individuais, a pedagogia é
composta pela relação imagética das inúmeras memórias coletivas e da tentativa
de sintetizá-las a partir da sociologia, filosofia, história, antropologia e
tantos outros ramos do saber.
Para Bachelard, quem escreve também desenha, daí porque se dizer
que nossas lembranças são imagens e o que delas escrevemos são gravuras, as
quais demonstram que somos simultaneamente muito diferentes e iguais uns dos
outros, na medida em que ocorrem representações gráficas (letras) particulares
com a mesma finalidade de comunicar. Assim, é necessário romper o silêncio para
não gerar deletérios conflitos interiores.
Bachelard também pontua a necessidade de regravar o gravador, ou
seja, ressignificar o mundo através da mudança pessoal (poesia pura!). Descontruir-se
e re-construir-se face à tensão da folha em branco é a finalidade deste livro,
que nos demonstra a importância da solidão enquanto criadora do novo e fio
condutor de nossa conexão com o futuro via revisitação do passado.
REFERÊNCIA:
BACHELARD, Gaston. A chama de uma vela. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 1989.
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