Por João Florindo Batista Segundo
O presente trabalho se debruçará sobre o capítulo IX do livro “A
vida do Símbolo”, de José María Mardones, cujo título é “As ações simbólicas”.
Após discorrer sobre os ritos e atos de culto enquanto locais de
vivência dos símbolos na religião, neste ponto o autor descreve o lugar dos
ritos, cultos e sacramentos nessa vivência religiosa, sem penetrar nos meandros
das vicissitudes histórico-sociais.
Percebe-se logo de início que é inconcebível e caótico se a
sociedade não tivesse ritos, se fosse desprovida de momentos que marcam
passagens. O rito demarca o tempo, ordena a vida social e integra os mistérios
da efêmera existência humana.
A brincadeira é descrita como antecedente do rito, pois através
dela, se suspende o dia-a-dia e se insere ordem na incerteza do cosmo.
Compara-se a brincadeira humana com a brincadeira dos deuses e ressalta-se
ritos onde a dança é parte relevante, ao passo que a brincadeira é a primeira
forma do ser humano se socializar e se educar para a vida. Culto e brincadeira
têm algumas características em comum:
a) a descontinuidade com o tempo e o espaço cotidianos;
b) a emoção alterada;
c) a imediatez em relação à realidade; e
d) a ação dramática.
Com os ritos periódicos descortina-se a legitimação do tempo social
e pessoal: a comemoração de eventos naturais e fatos históricos sobrepujam a
finitude de uma vida humana e marcam o transcurso do calendário. Localizar-se
no tempo é dar sentido à vida. Com o rito acontecendo periodicamente, tem-se a
segurança de que o “eterno retorno” está a garantir a perpetuação do homem
frente à erosão da história. No mundo cristão, por exemplo, o calendário
litúrgico indica a posição central que Cristo assumiu nessa cosmogonia em
particular. Porém, ressalta o autor, que o ritmo cristão foi despojado em razão
das diversas atividades humanas, de modo que o tempo ocidental atualmente é marcado pelo ritmo de trabalho e
de descanso (férias), dos campeonatos esportivos e pela cultura jovem de
badalação no fim de semana, situações em geral totalmente alheias ao ritual
cristão.
Os chamados ritos de passagem ou não periódicos (por se darem uma
única vez na vida do indivíduo) são o de nascimento, passagem à vida adulta,
casamento, morte. Preparam o indivíduo rumo à estabilidade nestas passagens, no
que é acompanhado pela comunidade. A. van Gnepp descreve 3 tipos básicos:
a) ritos de separação (fúnebre e matrimonial),
b) marginais ou liminares (ingresso na vida adulta) e
c) ritos de agregação (matrimonial).
Para manter o equilíbrio social também há os ritos orgiásticos, a
exemplo do atual carnaval, permissível até aos mais despossuídos e permite
diminuir a pressão social.
O autor reitera a perda do vigor simbólico dos sacramentos cristãos
e sintetiza sua análise na afirmação de que o catolicismo hegemônico construiu
um formalismo sacramental o qual fossilizou o sacramento e causou a carência da
alimentação simbólica da sociedade e de alguns grupos, os quais partiram em
busca de outros rituais. Além do excesso de verbalização na missa o autor alega
que o sacramento tornou-se invisível na sociedade consumista de hoje, o que
resulta na ausência de referência ao símbolo e ao mistério. Embora a luta do
bem contra o mal esteja tão presente em filmes, livres, desenhos, jogos
eletrônicos etc, tem-se aí pura profanidade, por falta de link com o sagrado.
Quanto à má compreensão simbólica dos sacramentos é preciso
restaurar-lhe o sentido natural, pois só assim haverá eficácia e ação
salvífica, pela recriação do ritual e perpetuação de seu significado.
Logo, há necessidade de recuperar o símbolo. Mas onde buscar
inspiração e aprendizagem para tal tarefa? O autor cita a criatividade da liturgia
profana (dando o exemplo de todo o ritual que precede a abertura dos jogos
olímpicos frente aos insípidos rituais de algumas denominações), o ritual da
subcultura juvenil de fim de semana e o culto do corpo e à natureza. Ressalta
ainda a revitalização da religiosidade popular que tem um imaginário coletivo
que valoriza locais sagrados sob ótica diferente da do clero. Propõe a
transformação da missa das crianças em missa solene, pela revalorização de cada
gesto e palavra, tanto do celebrante quanto do público e propõe também a
iniciação ao mistério pelo fortalecimento da oração.
REFERÊNCIA:
MARDONES, José
Maria. A vida do símbolo: a dimensão
simbólica da religião. Tradução de Euclides Martins Balancin. SP: Paulinas,
2006.
Disciplina: Pedagogia Simbólica.
É significativo que neste tempo pandêmico, o próprio calendário cristão venha sofrendo drásticas inversões, tal como a que ocorreu neste ano de 2022. Logo após a Páscoa vieram os festejos do carnaval, manifestando o quanto o próprio simbolismo dos rituais estão perdendo sua força em nossa sociedade.
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