Por
João Florindo Batista Segundo
O presente trabalho é uma resenha, a apresentar a
visão que os pesquisadores Émile Durkheim e Max Weber tinham do fenômeno
religioso. Para tanto, foram empregadas as obras As formas elementares da vida religiosa: o sistema totêmico na
Austrália (Introdução e capítulo 1), de Durkheim e A ética protestante e o “espírito” do capitalismo (capítulo 2, O “espírito” do capitalismo), de Weber.
De início, frisemos que
a Sociologia da Religião é capital às Ciências das Religiões na busca da compreensão
de instituições tradicionais e de movimentos religiosos. Neste sentido, é
importante relembrar a distinção básica das divisões sociais para estes autores
clássicos da sociologia: enquanto Émile Durkheim compreende a sociedade como um
todo organizado com base em suas funções, Weber a entendeu como um todo
complexo de várias ações sociais diferentes. Deste modo, enquanto o primeiro
advogava pelo funcionalismo (método que visa entender as funções de cada
indivíduo na sociedade a fim de compreendê-la como um todo), o segundo tinha
por parâmetro os tipos ideais (buscava estabelecer um parâmetro para saber como
as ações dos indivíduos se ordenam).
Em Durkheim, todas as
religiões são verdadeiras, uma vez que são reais; ou seja, são fenômenos reais
criados pelo homem e que exercem influência na vida social, sendo esta a base
do caráter sagrado das várias representações sobre o mundo e sobre as crenças,
representações investidas de um caráter sagrado. Logo, as sociedades não se formam
apenas em torno de questões de ordem material/econômica, mas também em torno de
ideias e modelos morais. Tomada como fato social, a religião possui grande
força de coesão social e é um sistema gerador de símbolos que organiza a
sociedade.
E ao tempo em que a
coletividade cria a religião, pertinente assegurar que a religião recrie a
coletividade, por permitir a renovação na fé nos ideais compartilhados em cada grupo
social, em determinada época. É do fato da religião ser não apenas um fenômeno
ligado a uma teologia específica, mas um vínculo que garante a existência
social, que emerge os momentos de efervescência criadora, baseado em novas
ideias, que promovem transformações sociais.
Assim, em Durkheim a religião
possui sempre a relevância de oferecer sentido e contribuir para a formação do
espírito humano, por lhe atender desejos e necessidades, pelo que não é uma
mera ilusão, vez que explica o que há de regular e constante na sociedade.
A religião é formada
por um sistema de mitos, dogmas, ritos, cerimônias, no qual as crenças
religiosas são ideias sagradas e os ritos são práticas sagradas, onde o sagrado
é aquilo pertencente ao domínio do extraordinário, ainda que em Durkheim o
elemento sobrenatural não seja uma característica central para o entendimento
do fenômenos religioso.
Centrado na questão
moral, Durkheim caracteriza o fenômeno religioso em duas categorias
fundamentais: as crenças (estados de
opinião) e os ritos (modos de ação determinados), de modo que todas as coisas
existentes encontram-se em dois gêneros opostos, a saber, o profano e o
sagrado, em constante distinção e competição, que termina por originar a
vivência religiosa.
Já Weber, no capítulo 2
d’A Ética protestante... não analisa
diretamente o fenômeno religioso, mas, sim, a evolução do capitalismo. Todavia,
sua busca por uma definição do que seria o “espírito” do capitalismo perpassa,
inevitavelmente, a influência do fenômeno religioso na sociedade, in casu, no que toca às relações mercantis.
Mas não por isso o fenômeno religioso perde destaque na teoria weberiana; pelo
contrário, entende ele que a religião fomentou o processo de racionalização da sociedade
ocidental, em especial após o surgimento do protestantismo.
Já de início, ele deixa
claro que o capitalismo existiu na China, na Índia, na Babilônia, na
Antiguidade europeia e no Medievo, mas não com o mesmo ethos então verificado entre os americanos e a Europa ocidental.
Sob a égide da Igreja
Católica, estabeleceu-se o dogma Deo
Placere vix potest (“Ele mal pode
agradar a Deus”), logo incorporado ao direito canônico, imputando ao
comerciante a pecha de dificilmente agradar a Deus e de que a usura (cobrança
de juros sobre um empréstimo improdutivo) deveria ser evitado. Ainda que a
riqueza produzisse conforto material, aqueles que a detinham eram ensinados que
esta era um entrave à verdadeira vida cristã, de modo que muitos deles faziam
vultosas doações à Igreja, como forma de reconciliarem-se com Deus, ou ainda,
por vezes, toda a fortuna de um rico finado era transmitida às instituições de
caridade da Igreja, na tentativa de se obter o perdão por sua usura em vida. Em
suma, o capitalismo era tolerado pela religião católica, mas representava um
grande perigo para a salvação das almas, sendo o ascetismo louvado como o mais
perfeito modo de vida.
A esse “tradicionalismo”
se oporá a evolução do racionalismo, se concretizando sobretudo após a Reforma
Protestante. Daí em diante, vicejou a ideia de que não bastava ao homem apenas
trabalhar para a satisfação imediata de suas necessidades básicas, mas que sua
missão era adquirir mais e mais dinheiro, de maneira que o acúmulo de capital é
o caminho para a realização pessoal e a felicidade.
Se no passado um homem
era útil à sociedade por sua dedicação à espiritualidade e resistência às
vicissitudes da vida, agora o ganho constante e cada vez maior de dinheiro é
expressão de virtude e de uma vocação. O lucro torna-se um propósito de vida e
a influência de um homem bem sucedido na sociedade se mede pelo “progresso”
material que ele proporciona à sua cidade, inclusive pelos postos de trabalho
que seus empreendimentos disponibiliza.
Weber também demonstra
que as contingências originadas por esse novo modo das relações mercantis força
a empresa “tradicional” a se adequar ao “espírito” capitalista, ou desaparecer
nas brumas da pobreza, numa descrição que nos recorda a teoria da seleção
natural das espécies, trazida a lume por Darwin e cerne de debate bem atual à
época em que A ética protestante...
foi escrito.
O texto também
demonstra como foi entre os protestantes (em especial os calvinistas) que esse
“espírito” começou a moldar as sociedades, inclusive, com resistências iniciais
daqueles acostumados com o modo de produção “tradicional”, o que permite
entrever que mesmo na transição para uma sociedade voltada para o consumo e na
qual religiosidade/espiritualidade ficam em segundo plano, buscou-se (em
verdade, criou-se) na religião justificativas para um novo modo
de vida. Ou seja, apesar do processo de racionalização ocorrido no ocidente
haver resultado na perda pela religião de seu caráter preponderante em relação
às outras esferas de valores sociais, ainda assim ela continuou com uma
relativa capacidade de influenciá-las.
O surgimento da ética religiosa
protestante, tese fundamental de Weber, seria essencial para a afirmação do
capitalismo enquanto sistema econômico e de valores, promovendo assim uma nova
maneira de estar no mundo e de vivenciar a religião, na qual a ética
profissional preconiza o labor e o progresso como sinal de ser “escolhido por
Deus”, situação em franca correspondência com o princípio de acumulação capitalista.
Com tal viés, este espectro da religião cristã constituiu-se em uma ação
racional para a consecução da crença religiosa, relegando seu valor meramente contemplativo
de outrora.
Nos capítulos iniciais
de As formas elementares da vida
religiosa, dada sua ênfase sobre a origem das “religiões primitivas” encontram-se
os fundamentos sobre os quais pode o cientista das religiões trabalhar o
advento da ética religiosa protestante, que é o cerne da discussão ao longo de A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. Enquanto Durkheim vai às raízes do
fenômeno religioso em geral, Weber discorre brilhantemente sobre um fenômeno
religioso em particular, sendo ambas as visões úteis à compreensão da potência
que a religião exerce sobre as sociedades ao longo da história e da influência
que detém ainda hoje, apesar da laicidade (e em alguns casos, do laicismo).
REFERÊNCIAS:
DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa:
o sistema totêmico na Austrália. Paulo Neves (trad.). São Paulo: Martins
Fontes, 2000. p. I-XXVII; 5-32.
WEBER, Max. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. p. 41-69.
Disciplina: Pesquisa
Etnográfica e Ciências das Religiões
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