sábado, 27 de abril de 2013

MARTINISMO - COMO LER O TRATADO DA REINTEGRAÇÃO DOS SERES






Carta de Jean-Baptiste Willermoz a Jean de Turkeim, em resposta às dúvidas deste sobre o “Tratado da Reintegração dos Seres”, de Martinez de Pasqually:

“Lyon, 24 de março de 1822,

“O Tratado da Reintegração dos Seres é um obstáculo para a multidão de leitores superficiais e frívolos que se multiplicam por toda parte há algum tempo, sobretudo na Alemanha, onde se costuma mais do que em outros países julgar as coisas mais graves pela superfície. O autor havia destinado sua obra apenas aos Reais ou àqueles que se mostravam mais próximos de se o tornarem. Sua morte e a daqueles que dispunham das cópias mudou o destino da obra. Elas caíram em mãos estranhas e produziram muitos efeitos lastimáveis; uma delas chegou até você. Deus assim o quis ou permitiu. Saiba aproveitá-la.

“Não comece a leitura se você não puder segui-la diariamente e assuma o dever rigoroso de lê-lo diária e ininterruptamente; caso isso não dependa de você, aguarde mais dez anos, se necessário, para começá-lo. Após haver feito uma primeira leitura integral, comece imediatamente uma segunda, mesmo sem se aprofundar muito nas dificuldades ou obscuridades que não houver captado. Após essa segunda leitura, faça também uma terceira e perceberá então que avançou bastante o seu trabalho e que aquilo que você adquiriu por si mesmo permanecerá mais solidamente gravado do que se o houvesse recebido por explicações verbais, que sempre se apagam parcialmente.É preciso ainda, antes de tudo, questionar-se e investigar com quais intenções você se abandona a esse desejo e ao trabalho penoso que se seguirá.

“Você logo reconhecerá em si um motivo duplo: no primeiro – o mais natural de todos – o de adquirir e aumentar a sua própria instrução. Entretanto, não se insinuará um pouco dessa curiosidade inquieta do espírito humano, que quer tudo conhecer, tudo comparar e tudo julgar de sua própria luz e que, dessa forma, envenena todo fruto de suas buscas? No segundo, o de poder se tornar mais útil para os seus semelhantes, que é o mais louvável de todos aparentemente, uma vez que penetra no exercício da caridade cristã tão recomendada a todos. Contudo, caso tenha considerado aplicá-la a esta ou aquela pessoa, sociedade ou localidade, tenha cautela, pois muitas vezes o amor próprio se insinua insidiosamente por trás de motivos tão louváveis, altera sua pureza e corrompe todos os frutos. Reconheci como sendo o mais certo se concentrar sem escolha pessoal na multidão de homens preparados pela Providência, que os colocará assim preparados com relação a você quando o tempo deles chegar. É na multidão assim disposta que se encontrará em sua plenitude e sem perigo o exercício dessa caridade cristã tão recomendada.

“Imponha a si mesmo, antes de começar sua primeira leitura, um plano regular, determinado para cada dia e bem meditado, prevendo os obstáculos acidentais ou cotidianos que poderão aparecer; uma regra fixa, mas livre enquanto durar, da qual você não se permitirá escapar, de modo que cada dia tenha seu tempo consagrado a essa leitura até o fim do Tratado. Entregue-se então a ela com todo o seu coração e com toda a atenção de que sua mente for capaz, afastando cada distração.

“Faço aqui distinção entre a mente e o coração porque são duas potências ou faculdades intelectuais que não devem ser confundidas. A mente vê, concebe, raciocina, compõe, discute e julga tudo o que lhe é submetido. O coração sente, adota ou rejeita e não discute. É por essa razão que eu jamais deixei de pensar que o homem primitivo puro – que não precisava do sexo reprodutivo de sua natureza, uma vez que nem ele nem todos os seus ainda não estavam condenados à incorporação material, que consiste hoje o seu suplício e castigo – possuía duas faculdades intelectuais inerentes ao seu ser, as quais eram verdadeiramente os dois sexos figurativos reunidos em sua pessoa – mencionados no Gênese – cujas expressões foram tão completamente materializadas pelos tradutores e intérpretes nos capítulos seguintes, de tal sorte que é quase impossível conhecer neles qualquer verdade fundamental. Pela inteligência cuja sede está necessariamente na cabeça, ele poderia – como ainda pode – conhecer e adorar seu Criador; e pela sensibilidade que existe nele – o órgão do amor –, cuja sede principal está no coração, ele poderia amá-Lo e servi-Lo, o que completaria o culto de adoração, de amor e de gratidão que ele lhe deveria em espírito e verdade.”

PROFANANDO ORDENS INICIÁTICAS AUTÊNTICAS


Publicando rituais na internet

Tradição ou curtição?


Por Pseudo-Sedir

“Uma coisa ainda mais espantosa é que na nossa época, alguns crêem que podem expor doutrinas tradicionais tomando como modelo a instrução profana, sem fazer o mínimo caso da natureza dessas doutrinas e das diferenças essenciais entre elas e tudo àquilo que hoje se designa por ‘ ciências’ e ‘filosofia’, e do verdadeiro abismo que as separa (...)”

“O ódio ao secreto, no fundo, não é mais do que as formas de ódio a tudo o que passa o ‘nível médio’, e também a tudo que se afasta da uniformidade que se quer impor á todos (...)” 

Renée Guenon, O Reino da Quantidade, e os sinais dos tempos. 

“Os Sacerdotes [da antiguidade] somente divulgavam seus Mistérios aos iniciados cuja virtude e sabedoria excepcional fossem reveladas pelo exame e pela prova” 

Saint Yves d´Alveydre: Mission dês Juifs, pág 290

Os tempos modernos são caracterizados pela vitória da democracia burguesa, pela liberdade política e de expressão e o reconhecimento dos direitos civis das minorias. Paralelamente tivemos um avanço tecnológico inédito em nossa História, com descobertas e invenções fantásticas capazes de mudar a forma de relacionamento entre as pessoas, e destas com o meio ambiente. Neste contexto, a relação e a divulgação do conhecimento cientifico e Iniciático, antes privilégio de uma minoria, tornou-se, quase, uma propriedade de todos, independente de seus conhecimentos e qualidades pessoais para a abordagem destes saberes.

Aparentemente, estamos vivendo uma era de ouro, onde todos têm acesso a, praticamente, todo conhecimento legado pelos nossos antepassados. Mas, a história do mundo e da Humanidade ocorre em ciclos e em ordem descendente, conforme o protótipo universal da queda e esfacelamento do Adão Kadmo. Desta forma a humanidade surgiu na Idade de Ouro (Krita-Yuga ), e foi descendendo para a Idade de Prata (Tretâ-Yuga), Bronze (Dvâpara-Yuga) e Ferro, o já famoso Kali-Yuga.

Estas idades são sucessivas, e ad eterna, cada ciclo (Mahavantara) dura milhões de dias terrestres. O finalzinho de um ciclo se confunde com o início dos demais. A História oficial acadêmica só abarca parte do Kali-Yuga, iniciado com os episódios da “Torre de Babel”, descrita no Antigo Testamento, e as demais idades somente através dos relatos dos livros Sagrados e da mitologia.

Segundo todos cálculos hindus, estamos entrando na etapa final do kali-Yuga, cujo momento derradeiro deve se iniciar por volta de 2030/40.

Desta forma, o maior engodo do mundo moderno é a idéia do progresso contínuo e inexorável, e se realmente tivemos um avanço material/tecnológico espetacular, espiritualmente e Tradicionalmente a humanidade esta regredindo. Este fato é facilmente constatado na decadência religiosa, moral, política, econômica e cultural, dos tempos atuais. As Ordens Iniciáticas, como as religiões, são feitas por homens e também sofrem esta ação involutiva e gradativamente perdem sua força e eficiência espiritual. Eis a causa de tantas Ordens e Iniciações atuais não terem mais a capacidade de transformar e elevar a tônica vibratória de seus membros.

Neste momento final, a Divindade lança um ultimo apelo para que caminhemos para a Regeneração, desta forma, muita coisa que era oculta e inacessível vem à tona como isca para que os últimos seres em condições de entendê-la, e usá-la, se Reconciliem nos momentos finais da consumação dos tempos (não final dos tempos). Por isso há facilidade hoje no acesso ao conhecimento, e mesmo Ordens sempre restritas tornam-se visíveis para todos.

Desta forma, é de interesse da Providência esta maior abertura das Ordens neste momento, pois é seu plano a Regeneração e Reintegração de todos. Mas, infelizmente ao lado da luz sempre há as trevas e, desta forma, este apelo final está sendo seriamente prejudicado pela proliferação de ensinamentos errados e distorcidos sobre a Iniciação, de caráter pseudo-iniciáticos, ou mesmo, contra-iniciáticos. Para agravar a situação, a rede esta infestada de Rituais e práticas, das mais diversas ordens e Fraternidades, numa verdadeira Babel moderna, onde ninguém mais se entende e encontra o Caminho autentico.

A divulgação de Rituais de Ordens ativas na Internet é uma praga que se alastra, contaminando a todos, inclusive os puros em condições de receber a Iniciação Real. É um grande equívoco o que muitos andam cometendo em nome de uma democratização da Iniciação que nunca existiu em lugar ou tempo algum de nossa História. A Iniciação sempre foi monárquica, hierárquica e destinada a poucos.

Estas publicações só servem para aumenta a confusão e o karma de quem divulga estes Rituais, pois ao divulgarmos simulacros de Iniciações, estas Almas que acreditaram nestes textos, poderão perder a última chance de Regeneração neste Ciclo, e serão jogadas para outros planos e mundos onde deverão se esforça muito para retornarem à luz e ao Caminho.

Quando se publica Rituais, ou mesmo parte, de Iniciação Martinista, e outras, há um enorme e duplo desserviço:

Com relação aos profanos:

* Tira o ineditismo, prejudicando a questão psicológica do ritual;

* Concede ao profano uma falsa impressão que já sabe de tudo e muitos podem desistir por achar o ritual muito simples, muito complexo, ou difícil, etc, etc.

* Coloca o profano em sérios perigos, pois ao invocar forças e Egrégoras, sem a devida autorização e legitimidade, forças das Trevas podem responder a este apelo no lugar dos Seres desejados, jogando seu praticante em um precipício de conseqüências psicológicas e espirituais incalculáveis. 

Com relação ao divulgador:

* Há uma quebra do juramento iniciático, que cedo ou tarde cobrará sua conta.

* Fecha para si as portas da Iniciação Real. 

* Revelar um profundo desrespeito à Iniciação, às Ordens e aos nossos Mestres. 
* No Invisível, o divulgador é o responsável por todos aqueles que utilizarem os rituais e práticas publicados. Todos os problemas psíquicos e espirituais advindo pelo uso destes rituais ou práticas, por estes incautos, serão de responsabilidade kármica do divulgador, independente do Ritual já ter sido publicado anteriormente.

Os Rituais das Ordens não são para todos, apenas para os preparados por uma Iniciação válida e sob a proteção de uma Egrégora operativa.

Auto-iniciação, no geral, é um engodo, o que existe, e com restrições, é a Iniciação a distância, feita em concordância de horário com o Iniciador, com preparação adequada e calculo de lua e condições astrológicas corretas, e mesmo assim somente por Iniciadores que conseguem exteriorizar eficazmente sua consciência e duplo. 

Poucos Mestres publicaram rituais (principalmente completo), o quando o fizeram foi sob situação específica. Veja, por exemplo, o caso dos rituais Martinistas de Teder, publicado em uma época que não havia internet e na conjuntura da Primeira Grande Guerra, com o claro objetivo de resguardar a Obra.

Não somos Mestres para saber quando podemos, de fato, publicar um Ritual reservado. Observem que nos sites das Ordens e Iniciadores sérios, não há prática ou ritual! Não há democracia ou socialismo na Iniciação! 

Quem publica Ritual e práticas, prejudica, e muito, os futuros Martinistas! O Amor à Obra é pensar no próximo e não praticar uma pseudo-caridade levando estes materiais para todos indistintamente, isto se chama orgulho, vaidade, prepotência e interesse comercial e nunca Serviço espiritual!!

Somos, sempre, responsáveis por tudo que fazemos e dizemos na Iniciação.

Por fim, deixo algumas questões para quem pratica estes Rituais sem as devidas Iniciações ou autorizações:

Será que alguém acredita, de verdade, que evoluirá e transmutará seu Ser com a prática esparsa, sem método e acompanhamento de Rituais (e demais práticas) que não entende e não está habilitado para realizá-lo ou oficializá-lo? 

Será que alguém acredita, realmente, que usar diferentes Rituais, de diferentes Ordens, segundo sua própria vontade dará um resultado satisfatório em sua jornada espiritual?

Todo Ritual exige preparação. Esta preparação vai muito alem do simples jejum ou abstenções de carne ou álcool. Exige também preparações iniciáticas e teóricas que requerem tempo e amadurecimento do praticante, e somente possível quando inseridos em uma metodologia adequada, contínua e pertinente ao tempo pessoal e personalidade do aspirante, ou seja, somente um Iniciador atuante pode detectar, com relativa segurança, a hora certa para cada etapa prática da jornada do iniciando. 

Que sua Rosa possa, através do Sacrifício, Disciplina e Ética, preponderar sobre sua Cruz!!!

JEAN-BAPTISTE WILLERMOZ (1730-1824)





Willermoz foi um poderoso fazendeiro nas cercanias da cidade natal de Lyon, onde se dedicava à educação primária, como também com religião e caridade. Fora iniciado na Maçonaria em 1750 e, a partir de 1763, tornou-se “guardião dos Selos e Arquivos” da Grande Loja de Mestres Regulares de Lyon. Ele colecionava, estudava e comparava cada ritual maçônico que lhe caía nas mãos, não só da França, mas também da Alemanha (em 1772, escreveria ao Barão Karl von Hund para obter informações sobre o trabalho neotemplário do barão).

Colocando o irmão Jacques como presidente, Willermoz estabeleceu um pequeno capítulo da Grande Loja de Lyon para descobrir o verdadeiro significado da Maçonaria. Foi chamado o Capítulo dos Cavaleiros da Águia Negra, um título fortemente indicativo de seu senso de importância da Maçonaria, tanto pelas ordens cavalheirescas quanto pelo simbolismo alquímico.

Willermoz descobriu o que procurava quando era membro da Ordem dos Cavaleiros Maçons e Sacerdotes Eleitos do Universo, de Pasqually. Penetrando no significado das doutrinas de Pasqually, Willermoz descobriu a “paz interior da alma”; ele permaneceu fiel ao homem que, para ele, era incomparável.

Por sua parte, Pasqually indicou Willermoz para “Inspetor-Geral do Oriente de Lyon e Grão-Mestre do Grande Templo da França”. É de se supor que Willermoz apreciasse grandes títulos, pois ele próprio adornou-se com vários deles. Tendo alcançado o topo da ordem de Pasqually - o grau de Réau Croix -, Willermoz, como vimos, buscou fundar a própria na esperança de sintetizar todos os sistemas e ritos maçônicos conhecidos como um veículo aprimorado para a doutrina da “Reintegração” de Pasqually. Entretanto, a correspondência com Von Hund só forneceu a Willermoz a opinião inicial de que a Estrita Observância nada mais era que “apenas um sistema infundado e improvado”; faltava-lhe a qualidade eterna que Willermoz encontrou em abundância no universo de Pasqually. Willermoz considerava que a obra alemã mostrava “uma profunda ignorância das coisas essenciais”. Isso não podia ser dito dos Eleitos Cohens, pelo contrário, cuja doutrina demonstrava “uma Maçonaria além da Maçonaria”. O Rito Escocês Retificado, projetado para ser um vencedor maçônico, foi devidamente lançado no Convento das Gálias, em Lyon, entre novembro e dezembro de 1778, um pouco antes de o exército britânico dominar a rebelião americana no sul e capturar Savana, capital da Geórgia.

O universalismo revolucionário estava no ar. Do outro lado do Atlântico, onde a frota francesa encalhou após não conseguir atacar os britânicos em Nova York, a revolução do Homem cheirava não a incenso, mas a pólvora.

As ideias de Willermoz sobre os direitos do homem podiam ser encontradas no quarto círculo de seu Rito Escocês Retificado. Após passar pelos três círculos preparatórios, um quarto círculo interior aguardava o futuro maçom. Por trás do véu do mistério reside - surpresa! - nada menos que um conclave de adeptos da Ordem dos Eleitos Cohens do Universo. Lá, o cavaleiro maçom encontraria o conhecimento exclusivo àquela ordem: Cabala, teurgia e alquimia. Ele podia aprender a mudar o mundo.

De fato, o saber era uma importante função da ordem. A doutrina da Reintegração de Pasqually era nada menos que “a ciência do homem” no coração da Maçonaria e, portanto, no coração de toda aspiração espiritual humana.

O homem era feito à imagem e semelhança de Deus. Após a Queda, o homem reteve a imagem, mas não a semelhança. O objetivo da iniciação era a imitação. O intelecto humano era uma dádiva de Deus e era dever do homem cultivá-la. Willermoz criou programas pedagógicos destinados a transmitir um conhecimento que se acreditava ser nada mais que o fiel legado de uma doutrina muito antiga.

Como já vimos, essa “ciência de reintegração” originou-se, nas palavras de Willermoz, de uma extraordinária “Ordem Superior e Sagrada”. O que mais um maçom podia desejar: a antiga gnose do Homem. Como os cavaleiros templários ou a obra de Christian Rosenkreuz, o próprio Rito Retificado era apenas uma manifestação temporária da atividade da ordem divina. Contudo, como tal, o Rito Escocês Retificado estava fadado a ser.

Após uma jornada variada através do tempo terrestre, o rito ainda está bem vivo. Sem ele, não existiria O Código Da Vinci nem o jogo elaborado que é o “Priorado do Sião”.


FONTE:

1 - CHURTON, Tobias. A história da Rosacruz: os invisíveis. São Paulo: Madras, 2009, pp. 362-366.

2 - COSTA, Wagner Veneziani. Blog O Editor. Disponível em <http://oeditor.osupremo.com.br/index.php/maconaria/111-o-18-grau-maconico, acesso em 07 abr. 2013.

LOUIS-CLAUDE DE SAINT-MARTIN (1743-1803)





O nome que tem o maior vínculo, desde o século XVIII, ao esquema trans-histórico de redenção, “reparação” ou reintegração não é o de Pasqually, mas de seu aluno, Louis-Claude de Saint-Martin. Quem reverencia os ensinamentos de Saint-Martin e segue as linhas por ele estabelecidas é chamado “martinista”, o que não quer dizer que o próprio aprovaria tudo que os martinistas dizem e fazem. As ideias - mesmo as transcendentes - desenvolvem-se, claro.

O pseudônimo de Saint-Martin combinava com seu ensinamento fundamental. Ele era conhecido como o “Filósofo Desconhecido”, o que pode significar muitas coisas. Um filósofo desconhecido tem muito a ver com uma fraternidade invisível.

Entre agosto e outubro de 1768, Saint-Martin uniu-se à Ordem dos Eleitos Cohens, a ordem de Pasqually e trabalhou como secretário desta, de 1768 a 1771. Ele aprendeu com o iluminismo de Pasqually sobre a existência e o noivado teúrgico com os poderes angélicos (supostamente) superiores. Por meio da magia cerimonial, Saint-Martin seguiu o caminho do adepto de Pasqually à iluminação na tentativa de recobrar as puras faculdades de Adão, antes da Queda. Esse era o único objetivo da teosofia maçônica - não é de admirar que os adeptos têm tendência a desdenhar meros maçons de ofício!

Desfrutando da hospitalidade de Willermoz, em Lyon, Saint-Martin escreveu sua obra mais famosa e mais difundida, Des érreurs et de la vérité, ou les hommes rappelés au Principe universel de la Science (1775) ["Dos Erros e da Verdade, ou Homens chamados ao princípio universal da Ciência"], na qual as ideias de Pasqually foram transformadas em um sistema martinista.

O livro contém uma crítica abrangente do conceito de razão defendido pela iluminação secular. A verdadeira iluminação não vem dos sentidos ou das considerações do cérebro. A iluminação - como a religião - é uma dádiva sobrenatural. A religião é um meio de transmitir sabedoria a quem percebê-la. A Verdadeira Causa de tudo não é um princípio filosófico adequado à razão humana, mas um Ser ativo e inteligente que está sendo ele próprio. A Verdadeira Causa é capaz de algo inimaginável e incalculável para a razão desamparada.

A própria Queda pode ser superada. As faculdades dispersas e fragmentadas do homem são como um espelho quebrado pelo impacto da Queda. Eles não conseguem refletir a verdadeira luz com perfeição até que sejam reunificados pela regeneração. Essa retificação da dignidade do homem é possibilidata pela virtude do ato sacrificial do Réparateur. Cristo, a Palavra, é o “Reparador”, quem conserta a fenda que separa o homem e seu estado primitivo de “Homem-Deus”. A natureza física, que também sofreu a queda, não é imune à obra do Reparador. O mundo físico também será regenerado, quando o Universo atingir novamente a condição edênica (esse pensamento está em sintonia com as promessas da Fama e da Confessio).

A tarefa de Saint-Martin e de seu sistema (que era em si uma revelação que transcendia a razão) era guiar a humanidade para as capacidades e consciência sobrenaturais que eram, na verdade, suas por direito, mas com relação às quais a geração de Saint-Martin nada entendera, imaginando que os “direitos do homem” se aplicassem apenas às questões de administração representativa.

Saint-Martin estava atento a algumas das ideias científicas e (como seriam posteriormente classificadas) quase científicas de sua era. Entre essas ideias estava a importante descoberta do Mesmerismo (de Franz Anton Mesmer, 1734-1815) e suas ideias de “magnetismo animal”.

Saint-Martin contatou o marquês de Puységur e a Societé de l’Harmonie ["Sociedade da Harmonia"], que explorava o mesmerismo esotérico. Essa sociedade fundou Lojas de mesmeristas, que davam alívio ao sofrimento de muitos com a aplicação de métodos inéditos de melhora sensual, embora a explicação científica para os fenômenos fosse tão fraca que levou à ampla condenação acadêmica dos mesmeristas como charlatães.

Mesmerismo foi o precursor da hipnose e da psicanálise, que ainda amargam uma relação difícil com o mundo do estrito método experimental. Basicamente, a explicação de Saint-Martin para os fenômenos do mesmerismo era a de que devemos nos renovar reentrando em nossa verdadeira natureza. As teorias do “alienista” Carl Jung, desde a década de 1920, têm renovado o interesse na relação entre teurgia, alquimia e simbologia gnóstica com a saúde mental. Agora é comum ouvir palavras como “projeção”, animus, anima, “inconsciente coletivo” e o papel dos “arquétipos” na vida do que Jung considerava a natureza “autorreguladora” da psique.

Jung - um neognóstico a seu modo - indicou quatro aspectos idealmente harmoniosos da psique: pensamento, intuição, emoção e sensação. Não se deve permitir que a faculdade da razão sozinha fique em isolamento e exerça domínio sobre tudo o que examina. O que Pasqually chamou “reconciliação” talvez não esteja muito longe do conceito de “individuação” de Jung, a descoberta do eu reintegrado na harmonia dinâmica do todo. Nesse contexto, é possível observar a postura antirracional de Saint-Martin e seus associados como esforços pioneiros no desenvolvimento contínuo de uma psicologia madura, um trabalho que, talvez, mal iniciou-se, e cujos pioneiros, como de costume, foram os “charlatães”.

Em 4 de julho de 1790, Saint-Martin pediu a Willermoz que retirasse seu nome dos registros maçônicos. Saint-Martin descobrira Jacob Böehme!

A obra de Böehme apresentou a Saint-Martin uma visão teosófica de regeneração humana que permanece sem necessidade de estruturação maçônica nem de postura teúrgica. Saint-Martin concluiu que era a divina Sofia que nos possibilita renascer para a vida verdadeira. Os espíritos que apareciam aos Eleitos Cohens eram, em comparação, impuros. A obra de Saint-Martin Ecce Homo (1792) mostrava quão completamente ele tinha abraçado Böehme; a iniciação de Cristo (conforme mostrada na coleção de Böehme, O Caminho para Cristo, 1624) era o único caminho.

Saint-Martin desenvolveu a ideia do Homem-Deus, o cooperador e ministro da vontade divina, encarregado da missão de salvação. Embora Saint-Martin começasse defendendo um governo de homens escolhidos por Deus para guiar a humanidade, seu amigo Niklaus Anton Kirchberger abriu-lhe a mente às ideias de Madame Guyon, Von Eckartshausen, Heinrich Jung-Stilling, Jane Lead, John Pordage, Thomas Bromley, Johann Georg Gichtel, Caspar Schwenckfeld e Valentin Weigel.

Em consequência dessa nova perspectiva mental, Saint-Martin foi um grande incentivador do desenvolvimento e da expansão geográfica do Iluminismo. Na Rússia, o Iluminismo floresceria sob o reinado da imperatriz Catarina II. O Iluminismo também exerceria influência no movimento do Romantismo nos campos da poesia, filosofia da imaginação, epistemologia e filosofia da história. No século XIX, Balzac estaria entre os muitos escritores que sofreriam a influência da inspiração coletiva do iluminismo.

Saint-Martin, ademais, podia ser entendido em termos de uma evolução social progressiva da humanidade, avançando rumo a uma era do Espírito Santo ou “Paracleto”.

O interessante sobre seu pensamento era que, embora fosse claramente gnóstico, visando ao retorno do Homem ao divino Pleroma, não parecia negar o mundo no sentido ascético ou gnóstico radical. O progresso na Terra era considerado um subproduto da evolução espiritual - em termos alquímicos: o parergon do ergon ["trabalho"]. O objetivo supremo era totalmente ultramundano, mas também transformador do mundo. Nesse processo, os acontecimentos mundiais tinham significado real.

Para Saint-Martin, a Revolução Francesa, por exemplo, era algo que poderia ser decodificado como um hieróglifo terrestre de valor espiritual. Os eventos da revolução personificavam a indagação do homem pela ordem correta conforme o impulso interior de reconciliação e reintegração com a vontade de Deus, enquanto sua violência servia como um sinal da punição pela indiferença passada à Causa Verdadeira. Desse modo, a revolução histórica representava um prenúncio de uma liberação bem maior da humanidade ainda por vir: uma lição profunda e dolorosa, um sacrifício.

Entretanto, o mais importante para o indivíduo era buscar a luz pela qual uma amnésia cósmica podia ser superada. Isso era possível prestando-se atenção ao fragmento residual da Imagem divina que ainda existe no homem. Essa luz residual marcará os primeiros passos rumo à reorientação de nossa vontade com a vontade divina, restaurando, assim, à plenitude, a imagem e semelhança divinas originais. Um novo tipo de ser humano surgiria desse processo que é ao mesmo tempo supra-histórico - como a assembleia dos aperfeiçoados - e histórico, em que a reconciliação se dá dentro dos processos da vida na Terra.

Saint-Martin elogia os hommes de désir ["homens de desejo"], que desejam arrancar a vida divina de sua servidão à condição de pecador. Eles imitam Cristo encarnando, assim, a consciência da Palavra e da Sabedoria divinas; eles expiam o mundo por meio de seu sofrimento sacrificial.

Desse modo, Saint-Martin defende a unidade da mensagem espiritual de libertação e reconciliação através do tempo de uma maneira que, embora possa ser considerada complementar à ideia da comunidade trans-histórica do Rito Escocês Retificado, é discutivelmente superior a este como concepção, uma vez que sua universalidade manifesta um desinteresse maduro na para-história maçônica ou radical maçônica. Talvez Saint-Martin, por meio do envolvimento com influência de Böehme, tenha mudado da posição de curiosus para a de Christianus de Andreae.

Há um eco do Christian Cosmoxenus no “homem de desejo” ideal de Saint-Martin (cujas flechas por acaso estavam sendo lançadas aos ouvidos surdos de Londres pelo artista William Blake). Separado do reino material - a vida vegetal - pela autoimolação (a substituição da individualidade ou egocentrismo pela superior Pedra de Cristo), os “homens de desejo” colocam em prática um ministério espiritual, regenerando outros por meio de seu autossacrifício - dispor de todos os bens perante o Reparador.

Saint-Martin convocou os homens de desejo para participar de boa vontade na Grande Obra da Reintegração. Assim que se atendesse o chamado, a Humanidade seria brindada com os divinos mistérios que o chamado Iluminismo racionalista rejeitou no ato.

Para mim, essa mensagem é coerente com a promessa da Fama, ainda que articulada em uma nova era com as próprias prioridades e preconceitos: ” (…) para que o homem possa finalmente compreender sua própria Nobreza e Valor, e por que é chamado de Microcosmo, e até onde se estende seu conhecimento da natureza.” (Fama Fraternitatis)

Saint-Martin também previu a reintegração da Natureza Eterna, uma mensagem particularmente pertinente às preocupações dessa época, 200 anos depois. Sua obra De l’esprit des choses ["Do Espírito das Coisas"] foi de grande interesse à Naturphilosophie alemã ["Filosofia da Natureza"], cujo espírito viveu mais uma vez na imaginação de alguns alemães “verdes” durante o final da década de 1970 e de 1980. (Falo por experiência própria).

Conforme Saint-Martin, “a imaginação é a parte espiritual da humanidade que possui a visão de todas as coisas. [...] Por meio da imaginação, compreendemos a unidade espiritual do Universo”. Dificilmente William Blake podia ter se expressado melhor! Por outro lado, Saint-Martin e o artista e visionário inglês compartilhavam fontes comuns: Böehme e Paracelso.

Saint-Martin também estava ciente de algumas das armadilhas de uma aderência tão próxima ao determinismo exibido por algumas formas de astrologia. O sábio governa seus astros, não o contrário. A vontade do homem de seguir a vontade de Deus pode ser obstruída por interpretações literais de símbolos astrológicos. Saint-Martin deu o nome de “magismo astral” ao poder de reverter o curso da jornada do homem, considerando-o uma distorção dos raios da luz refletida que codifica a vontade divina. Com certeza, deve ter encontrado essa doutrina em Astrologia Teologizada, de Weigel, e também Análise do horóscopo de Christian Cosmoxenus, de Andreae.

Saint-Martin, ao manter as preocupações da Fama e da Confessio, também estava preocupado com a teoria da linguagem, ciente de que um grande abismo separa a humanidade da língua adâmica original, que outrora conteve a essência de uma coisa, de forma que dizer a “palavra” era chamar a própria coisa de dentro. Sem a linguagem adâmica, a comunicação da verdade divina sempre sofreria de um alto grau de deterioração.

Limitações de linguagem costumam sugerir limitações de doutrina. Por exemplo, se dissermos “reino dos céus”, queremos dizer a tradução literal da bíblia grega, que sugeriria um reino do céu diurno e o espaço exterior governado por um imperador? É óbvio para Saint-Martin que as palavras representam uma comparação e metáfora de uma realidade espiritual, decodificada apenas em parte por meio de nossa decaída linguagem. Era possível inferir, na imaginação, a realidade espiritual ao nos concentrarmos na infinitude do que os olhos nos mostram. Os olhos não revelam toda a verdade. Há outra linguagem, uma linguagem simbólica, raramente compreendida, e o dom do poeta de unificar sua visão pelas palavras não é apreciado universalmente.

Cristo é o Verbo e, portanto, reconciliar-se com Ele é, ao mesmo tempo, obter uma nova língua, uma nova linguagem. Essa nova língua foi prometida como dádiva da vindoura era de ouro na Confessio Fraternitatis, prefigurado na história bíblica de Pentecostes, quando os discípulos de Jesus de repente receberam dons linguísticos tão extraordinários que os espectadores confundiram esse espetáculo com o de embriaguez. De fato, tiveram um gostinho do novo reino.

Esse relato nos Atos dos Apóstolos, de acordo com o sistema de Saint-Martin, pode ser considerada um pedaço da história avaliado pelos sinais divinos que codifica. Quanto mais o homem de desejo reintegrar-se no Pleroma (Completude de Deus), mais os sinais divinos com os quais ele está capacitado a decodificar, maior sua compreensão da linguagem original da criação. Quando ele pode completamente abraçar sua Sofia, ele é dotado com a plenitude do Verbo. Na visão de Saint-Martin, eventos históricos são simbólicos de, não instrumentos para, a reintegração da humanidade. Quando o serviço estiver feito, não haverá pergaminho para enrolar; o fim estará em seu princípio.

Sente-se que Saint-Martin não somente descobriu o continente de Jacob Böehme, mas também apreciou a longa estadia na ilha de Christianopolis!


FONTE:

1 - CHURTON, Tobias. A história da Rosacruz: os invisíveis. São Paulo: Madras, 2009, pp. 362-366.

2 - COSTA, Wagner Veneziani. Blog O Editor. Disponível em <http://oeditor.osupremo.com.br/index.php/maconaria/111-o-18-grau-maconico, acesso em 07 abr. 2013.

sábado, 20 de abril de 2013

ANÁLISE COMPARATIVA DO PRIMEIRO CAPÍTULO DE “FÉDON” COM O FILME “MATRIX”

A morte de Sócrates (Jacques-Louis David, 1787)



Por Arthur Diego de Sousa Oliveira e João Florindo Batista Segundo


O presente tem como finalidade discorrer sobre as ideias dos filósofos Platão (428/427 a.C – 348/347 a.C.) e Sócrates (469 a.C. - 399 a.C.) tendo como base o primeiro capítulo do livro Fédon, escrito pelo primeiro, fazendo um paralelo com os conceitos filosóficos encontrados no filme “Matrix” (EUA e Austrália, 1999), escrito e dirigido pelos irmãos Wachowski.

O livro é apresentado em forma de diálogo, sendo narrado por Fédon, a fim de descrever para Equécrates as últimas horas de vida de Sócrates na prisão e do que se falou nessa ocasião.

Antes de tudo é necessário entendermos os motivos que levaram este grande filósofo ao julgamento e consequentemente a tal condenação. Sócrates foi condenado à morte sob alegação de impiedade e corrupção da juventude; isto se deu a partir de duas denúncias: a primeira por Aristófanes, declarando que Sócrates instigava os jovens a desprezar a tradição política da cidade e também que ele desfavorecia a tradição religiosa; a segunda, feita por Meleto, afirmava que Sócrates cometia delitos, não considerando os deuses da tradição e querendo introduzir novos, criados por ele próprio.

Quanto ao filme “Matrix”, o personagem Thomas A. Anderson, que no mundo virtual utiliza o codinome Neo (interpretado por Keanu Reeves) começa a duvidar da realidade, ou seja, passa a ter pensamentos contrários ao código imposto na “realidade Matrix” e comunica suas opiniões através da internet, pelo que começa a ser perseguido por agentes (cujo aspecto é semelhante aos do FBI).

Sócrates deixou bem claro que seu objetivo não era corromper a juventude, mas levá-la à prática da virtude e à procura dos mais altos valores morais, nem tampouco era propriamente inimigo da tradição, mas tratava de adequá-la às exigências de uma maior racionalidade. Já Neo queria apenas conhecer a realidade das coisas.

O diálogo de Fédon e Equécrates se fundamenta a partir da curiosidade do segundo sobre a morte de seu mestre. A tranquilidade com que Sócrates encara sua sentença de morte – hora pelo fato de acreditar em um ser perfeito (dentro do conceito do mundo das ideias), hora por se resignar perante a decisão da sociedade – é perturbadora, tanto que chama a atenção de todos os seus discípulos. Ele sente-se feliz por sua morte, alegando que isso servirá de libertação para sua alma. Sócrates faz paralelo entre prazer e dor, afirmando que ambas são inseparáveis, sendo que se o homem chegar ao prazer, posteriormente também irá provar da dor. Ele relaciona o prazer à sua morte e a dor às correntes que o prendia.

No prólogo, encontraremos Sócrates afirmando a Cebes que a motivação que ele teve de escrever músicas estava relacionada aos seus sonhos, uma vez que estes o induziam à dedicação, fazendo com que ele mudasse sua concepção de que não existia música mais excelente do que a filosofia. O personagem Neo de “Matrix”, também induzido por seus sonhos, começa a buscar a verdade do ser e passa a duvidar do que conhece, mudando também suas concepções.

No primeiro capítulo da obra, Sócrates apresenta suas ideias sobre a vida e morte e como o filósofo deve encarar tudo isso. Logo no início, os discípulos começam a questioná-lo sobre a indagação que ele fez da lei, onde afirma que o suicídio não é lícito. Se Sócrates aparenta ter esta posição, por que ele sendo um filósofo, amante da sabedoria, escolhe morrer? Não seria uma grande falha? Ou será que ele estava desiludido com a filosofia?  Esses questionamentos geram perturbação e nos deixam ainda mais reflexivos.

Sócrates não estava desenganado com a filosofia e ele justifica sua posição. Para iniciamos, ele faz a seguinte meditação: não se pode querer a morte mesmo que tenha motivos, por que os homens estão numa espécie de cárcere, submissos aos deuses, eles são quem decidem sobre a vida e a morte, pois os homens são suas propriedades. A partir disso gera uma discussão. Se o suicídio é proibido, por que o filósofo deve querer a morte? Sócrates diz que agiria mal se não se indignasse com a morte, caso não tivesse plena razão; pois ele acredita que ao passar por ela, o mesmo irá para a companhia de deuses sábios e bons e para junto de homens que morreram e que são melhores do que os daqui.

Essa ideia teve grande influência na construção do pensamento cristão (desenvolvido nos próximos séculos), pois a crença é de que os homens convictos de sua fé, ao passo que morrem, vão para a companhia de Deus e dos homens justos (Paraíso). O pensamento socrático era de que existia alguma coisa além da morte e que a julgar que o homem que dedicou sua vida à filosofia, deveria ter entusiasmo no período da morte e expectativa de adquirir além da morte uma felicidade única. Ou seja, o homem só conseguiria chegar à verdade, à pureza e à felicidade por meio da morte. Ela é passagem para o mundo perfeito. Nisto ele limita o trabalho do filósofo a se ocupar em maior tempo possível em meditar sobre a separação da alma do contato com o corpo.

Outra ideia apresentada é de que o corpo é visto como um obstáculo que impede a alma de atingir a sabedoria. Os filósofos não se entregam aos prazeres do corpo, centraliza a alma em si própria, habilitando-a para permanecer isolada e liberta da influência do corpo; o corpo impede o alcance à sabedoria; deve-se manter uma rigidez que o faça dispensar tudo o que for possível; os seus interesses nada têm a ver com o corpo; concentra a sua atenção no aperfeiçoamento da alma; só se atinge a verdade pelo raciocínio, não há verdade no conhecimento dos sentidos. Sócrates chama o corpo de mau companheiro.

Se Neo tivesse se entregado completamente à sua realidade, ele nunca teria forças para buscar a verdade das coisas. Talvez fosse mais um acomodado com os prazeres superficiais que a “Matrix” proporcionava e nunca teria chegado ao conhecimento verdadeiro. O corpo nos torna impotente para discernir a verdade. Se desejarmos ter o conhecimento puro de uma coisa, devemos nos separar dele e isso só acontece por meio da morte. Neo de fato teve que “morrer” no mundo virtual para chegar ao mundo real.

O filósofo que deseja chegar à verdade e à sabedoria deve querer a morte; se caso isso não acontecesse, ele cometeria uma grande contradição, pois ele volta toda a sua consideração na desarmonia com o corpo e tem o desejo de estar com a própria alma, e somente com a morte isso se torna possível. A morte não só é o caminho para a verdade, mas também para alcançar outras virtudes: prudência, justiça, fortaleza e temperança. Igualmente, é à beira da morte que Anderson descobre que é Neo e consegue entender o mundo à sua volta e como utilizar a sua vontade para superar as dificuldades que encontra diante de si: no caso, enfrentar os agentes, dos quais os demais personagens sempre fugiam.

Enfim, para Sócrates, a morte seria a única forma de o homem chegar ao conhecimento absoluto das coisas. Só através dela que a sua alma se libertaria do cárcere do corpo que o privaria da perfeição pelo fato de ser corrupto e passaria a contemplar a verdadeira sabedoria. E quanto a “Matrix”, observa-se que os autores beberam de muitas fontes, inclusive da filosófica, com ênfase em Platão, o que fica mais claro no diálogo de Neo com o Arquiteto no segundo episódio da trilogia.