Por João Florindo
Batista Segundo
O segundo
capítulo do livro “História & Religião”, do historiador Sérgio da Mata,
denomina-se “A religião como objeto: da história eclesiástica à história das
religiões” e é o mais extenso da obra. Neste, numa perspectiva cronológica, o
autor trata dos desenvolvimentos da religião como objeto de trabalho do
historiador. Segue pela Idade Média, desde Eusébio de Cesaréia (260-340) e sua História eclesiástica até Gregório de
Tours (538-594) e Isidoro de Sevilha (560-636), demonstrando o esvaziamento do
estudo do fenômeno religioso em favor de obras de caráter confessional cristão:
sob os auspícios da Igreja, a história e a história da salvação estão
sobrepostas.
A partir do
século XV, o movimento humanista – ao redescobrir a tradição clássica em
oposição à fuga do mundo pregada pelo cristianismo – veio de encontro às
pretensões providencialistas da história eclesiástica, porém as guerras
religiosas da época teriam obstaculizado o desenvolvimento desta nova visão da
história, de modo que a pesquisa ficou submetida aos interesses das respectivas
reformas, protestante e católica.
Já no século
XVII, a filologia se sobreleva nos estudos humanistas, de matemática e da natureza.
Tanto entre os católicos quanto entre os protestantes ocorrem tentativas de uma
história crítica da religião, numa tênue fronteira com a crítica filológica e sempre
sob o pesado silêncio compulsório de ambas as confissões toda vez que os
projetos transcendiam os dogmas da fé. Os destaques do período foram Gottfried
Leibniz (1646-1716) e Jean Mabillon (1632-1707; com sua Acta sanctorum – vida dos santos), os quais defendiam que o método
crítico na historiografia viria beneficiar o cristianismo, ao passo que também
acreditavam ser apenas aparente a contradição entre a fé e a razão. Observe-se
ainda que tentou controlar o imaginário, ao expropriar os que não eram
porta-vozes legítimos da Igreja Católica.
Para da Mata, o
século XVIII se caracterizou pela reflexão histórica no seio da Igreja Católica,
ao passo que no âmbito acadêmico da Alemanha avança o estudo crítico da
história das religiões, na medida em que a história eclesiástica e a história
universal (“profana”) se separam, graças a Johann Lorenz Mosheim (1693-1755). Para
ele, a história da Igreja é que deveria explorar a vida da comunidade eclesial.
Outro destaque foi Gottfried Arnold (1666-1714), com sua História Imparcial da Igreja e das Heresias, o qual defendia a tese
da decadência eclesial remontando à época dos apóstolos. Também despontaram Wilhelm
Dilthey (1833-1911), Burckhardt, Johann Gottfried von Herder (1744-1803) e
Ranke, os quais foram pastores e/ou estudantes de teologia.
Segundo o autor,
é com o advento da historicização e do pluralismo moderno que nas décadas
finais do século XIX nasce a história das religiões. Por esta época, dava-se o
confronto entre o materialismo, o ateísmo e o cientificismo versus o obscurantismo
da Igreja Católica e o conservadorismo das igrejas protestantes, ao passo que crescia
a liberdade religiosa nas sociedades europeias. Adolf Von Harnack (1851-1930) apresenta
a sua autonomia dos fenômenos religiosos, enquanto Max Muller (1823-1900) estabelece
a distinção entre história eclesiástica e história das religiões, com o método
comparativo sendo empregado para garantir o caráter científico desta última,
devidamente articulada ao enfoque histórico. Muller se destacou por sua
monumental obra “Sacred books of the East”
(51 volumes) e por alegar que a história das religiões se antecipa à
historiografia acadêmica e às ciências sociais.
A primeira
cátedra surgiu na Holanda, em 1876; na França, dá-se seu estabelecimento em
1880. Influenciaram o estabelecimento das ciências das religiões:
a) a incorporação
à universidade alemã da pesquisa teológica, a exemplo do método
histórico-teológico de David Friedrich Strauss (1808-1874) – com A vida de Jesus –, que influenciaria as
pesquisas dos historiadores Jacob Christoph Burckhardt (1818-1897) e Leopold
von Ranke (1795-1886); e
b) a separação em
definitivo entre história e teologia. Para Petrus Tiele (1830-1902), a ciência
da religião é ciência da realidade.
No que tange à
historiografia contemporânea, da Mata destaca a pesquisa de Émile Durkheim
(1858-1917), por permitir a abertura para pesquisas sobre a dimensão da
religião na sociedade e também sobre magia, sacrifício, dádiva, totemismo, etc.
Também é citada a
sociologia religiosa de Max Weber (1864-1920), a qual definiu a diferença entre
religião e sociedade: para ele, a religião tanto pode condicionar o indivíduo a
ajustamentos de interesse às leis da sociedade quanto pode levar a
comportamentos que modifiquem tais leis.
Da Mata, ainda
que de maneira sucinta, avalia também o impacto da sociologia religiosa nas
historiografias francesa e alemã e a coincidência deste fenômeno com a crise do
historicismo na academia. Demonstra ainda que entre 1910 e 1930, a história das
religiões teve forte impulso por conta da escola sociológica francesa (sob
influência de Durkheim) e do debate das obras filosóficas de Edmund Husserl (1859-1938)
e Dilthey. Também são destacados Mircea Eliade (1907-1986) e Georges Dúmezil
(1898-1986), por suas experiências de promoção da articulação entre as
perspectivas comparativa e histórica.
Para o autor, o
praticante da ciência da religião não pode ter intenção apologética em seu
estudo, além disso, diante do por ele apresentado, pode-se ainda construir a
seguinte síntese do estado atual do estudo da história da das religiões:
1 – o fenômeno
religioso passa a ser contemplado em todas as suas formas, inclusive não
institucional;
2 – analisa-se o
fenômeno religioso sem pretensão de centralidade do cristianismo; e
3 – os
pressupostos teológicos tornaram-se estranhos à história das religiões.
REFERÊNCIA:
MATA, Sérgio da.
História & Religião. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010.
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