Por
João Florindo Batista Segundo
I O ENCONTRO DO MITO E DA CIÊNCIA
“O
fosso, a separação real, entre a ciência e aquilo que poderíamos denominar
pensamento mitológico, para encontrar um nome, embora não seja exatamente isso,
ocorreu nos séculos XVII e XVIII. [...] pensou-se então que a ciência só podia
existir se voltasse costas ao mundo dos sentidos, [...] Este movimento foi
provavelmente necessário, pois [...] o pensamento científico encontrou condições
para se auto-constituir.” (p. 10-11)
“[...]
a ciência contemporânea está no caminho para superar este fosso e que os dados
dos sentidos estão sendo cada vez mais reintegrados na explicação científica
como uma coisa que tem um significado, que tem uma verdade e que pode ser
explicada.” (p. 11)
“O
estruturalismo [...] tem sido considerado como algo completamente novo e revolucionário
para a altura; ora, isto, segundo penso, é duplamente falso. Em primeiro lugar,
até no campo das humanidades o estruturalismo não tem nada de novo; pode-se
seguir perfeitamente esta linha de pensamento desde a Renascença até ao século
XIX e ao nosso tempo.” (p. 13)
“A
Ciência apenas tem dois modos de proceder: ou é reducionista ou é
estruturalista.” (p. 13)
“As
histórias de caráter mitológico são, ou parecem ser, arbitrárias, sem
significado, absurdas, mas apesar de tudo dir-se-ia que reaparecem um pouco por
toda a parte. [...] não se esperaria encontrar a mesma criação num lugar
completamente diferente.” (p. 15)
“[...]
se olharmos para todas as realizações da Humanidade, seguindo os registros
disponíveis em todo o mundo, verificaremos que o denominador comum é sempre a
introdução de alguma espécie de ordem.” (p. 16)
“Estamos
agora num momento em que podemos, quiçá, testemunhar a superação ou a inversão
deste divórcio [entre o pensamento científico e a lógica do concreto] [...].” (p.
16)
“A
ciência nunca nos dará todas as respostas.” (p. 17)
II PENSAMENTO “PRIMITIVO” E MENTE “CIVILIZADA”
“A
maneira de pensar dos povos a que normalmente, e erradamente, chamamos “primitivos”
[...] – tem sido interpretada de dois modos diferentes, ambos errados na minha
opinião. O primeiro considera que tal pensamento é de qualidade mais grosseira
do que o nosso, e na Antropologia contemporânea o exemplo que nos vem
imediatamente à ideia é Malinowski. [...], a designação de funcionalismo.” (p.
17-18)
“O
outro modo de encarar o pensamento “primitivo” [...] afirma que é um tipo de
pensamento fundamentalmente diferente do nosso. Esta abordagem à questão
concretiza-se na obra de Lévy-Bruhl, [...] Enquanto a concepção de Malinowski é
utilitária, a de Lévy-Bruhl é uma concepção emocional ou afectiva.” (p. 18-19)
“Esta
é a originalidade do pensamento mitológico – desempenhar o papel do pensamento
conceptual [...].” (p. 24)
“[...]
a ciência se encontra não só preparada para explicar a sua própria validade
como também o que, em certa medida, é válido no pensamento mitológico.” (p. 25)
III LÁBIOS RACHADOS E GÊMEOS: A ANÁLISE
DE UM MITO
“Verificamos
deste modo que em toda esta mitologia há de fato uma relação entre gêmeos, por nascimento
com os pés para a frente ou posições que, metaforicamente falando, são
idênticas, por outro.” (p. 31)
“Gemeidade
e nascimento com os pés para a frente são sinais de um parto perigoso ou de um
parto heroico, porque a criança tomará a iniciativa e tornar-se-á uma espécie
de herói, um herói assassino em certos casos; [...].” (p. 32)
“Penso
que isto explica a razão por que em várias tribos se matam os gêmeos, bem como
as crianças que nascem com os pés para a frente.” (p. 32)
IV QUANDO O MITO SE TORNA HISTÓRIA
“Podem
significar duas coisas diferentes [histórias recolhidas]. [...], por exemplo,
que a ordem coerente, como uma espécie de saga, é a condição primitiva, e,
sempre que se encontrem mitos em elementos desconexos, há-de tratar-se do
resultado de um processo de deterioração e desorganização; [...]. Pode-se
também apresentar a hipótese de que o estado desconexo é o arcaico, e que os
mitos foram reunidos e postos em ordem por alguns nativos sabedores e
filósofos, [...].” (p. 34)
“A
Mitologia é estática: encontramos os mesmos elementos mitológicos combinados de
infinitas maneiras, mas num sistema fechado, contrapondo-se à História, que,
evidentemente, é um sistema aberto.” (p. 39)
“Não
ando longe de pensar que, nas nossas sociedades, a História substitui a
Mitologia e desempenha a mesma função [...].” (p. 41)
V MITO E MÚSICA
“[...],
tal como sucede numa partitura musical; é impossível compreender um mito como
uma sequência contínua.” (p. 42)
“Na
verdade, foi só quando o pensamento mitológico, [...] passou para segundo plano
no pensamento ocidental da Renascença e do século XVIII, [...] que
testemunhamos o aparecimento dos grandes estilos musicais, característicos do
século XVII e, principalmente, dos séculos XVIII e XIX.” (p. 43)
“A
música que assumiu a função tradicional da mitologia não é um determinado tipo
de música, mas a música tal como surgiu na civilização ocidental [...].” (p.
43)
“Um
dos temas mais importantes das tetralogia é o que em francês se chama “le théme
de la renunciation à l’amour” - a renúncia ao amor. [...] este tema aparece
pela primeira vez na composição O Ouro do
Reno [...]” (p. 44)
“[...]
o segundo momento [...] em que o tema reaparece é nas Valquírías, [...].” (p. 44)
“O
terceiro momento em que o tema aparece é também nas Valquírias [...].” (p. 44)
“[...] a única maneira de entender
estas reaparições misteriosas do tema é juntar os três acontecimentos, ainda
que pareçam muito diferentes, empilhá-los uns por cima dos outros, a ver se
poderão ser tratados como um único e o mesmo acontecimento.” (p. 45)
“Há,
pois, uma espécie de reconstrução contínua que se desenvolve na mente do
ouvinte da música ou de uma história mitológica.” (p. 46)
“Se
tentarmos entender a relação entre linguagem, mito e música, só o podemos fazer
utilizando a linguagem como ponto de partida, podendo-se depois demonstrar que
a música, por um lado, e a mitologia, por outro, têm origem na linguagem, mas
que ambas as formas se desenvolveram separadamente e em diferentes direções: a
música destaca os aspectos do som já presentes na linguagem, enquanto a
mitologia sublinha o aspecto do sentido, o aspecto do significado, que também
está profundamente presente na linguagem.” (p. 49)
“O
tipo de paralelismo que tentei esboçar [...] só se aplica, tanto quanto sei, à
música ocidental tal como se desenvolveu nos últimos séculos. [...] Estamos
testemunhando o desaparecimento do próprio romance.” (p. 50)
COMENTÁRIO CRÍTICO
Em
“Mito e Significado” (lançado em 1978), Claude Lévi-Strauss explica um pouco de
sua noção de ciência e sua relação com a análise estrutural e antropológica do
mito. Fruto de uma vida dedicada a interpretar os mitos, em sua desmistificação
da ideia do “primitivo”, o professor se esforça para mostrar certas
correspondências entre as sociedades ágrafas e os métodos científicos do
ocidente contemporâneo. De logo, ele deixa claro que o campo do pensamento
científico encontra-se perfeitamente constituído (a exemplo das Ciências Naturais),
ao passo que as Ciências Sociais e Humanas ainda estão no âmbito do devir.
Para
o autor, a fim de se alcançar a posse de um conhecimento seguro, com validade
universal no campo das ciências humanas, é mister considerar que não há outra
solução que não o modelo cartesiano de ciência, ainda que tenha plena convicção
de que novas perguntas sempre surgirão.
Par
Strauss, não podemos pensar que as sociedades “primitivas” eram atrasadas, pois
através de mitos, elas desenvolvem ordens simbólicas de significado
frequentemente sofisticado e que são compartilhadas comunitariamente. São
exemplos, os mitos pan-americanos discutidos no segundo e terceiro capítulos,
que possuem maneiras de pensar diferentes das que o ocidental tem consciência,
porque nossas culturas e circunstâncias sociais não exigiram o desenvolvimento
desse nível de mentalidade.
Segundo
o autor, os mitos desempenharam um papel hoje ocupado pela história, mas como
um sistema fechado (um mesmo tema tratado de maneiras diferentes, mas com um
fim comum), criado de modo a registrar o passado da cultura humana e assim dar
supedâneo à busca de um sentido para a existência, pois em todas as
civilizações é um traço marcante a busca de um sentido de ordem.
E
no tocante à relação com a música, o antropólogo afirma que esta substituiu o
mito e que a “música serial” vem substituindo até mesmo o romance, o que demonstra
certo desencantamento com os caminhos homogenizadores da cultura (através da pop art e mass media) para os anos e séculos vindouros, apesar dos crescentes
avanços tecnológicos e científicos da humanidade.
REFERÊNCIA:
LEVI-STRAUSS, Claude. Mito e significado. Coletivo Sabotagem. s/d.
Disciplina: Pesquisa Etnográfica e Ciências das Religiões
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