sexta-feira, 24 de junho de 2022

FICHAMENTO E CRÍTICA DO LIVRO “MITO E SIGNIFICADO”, DE CLAUDE LÉVI-STRAUSS

 


Por João Florindo Batista Segundo

 

I O ENCONTRO DO MITO E DA CIÊNCIA

 

“O fosso, a separação real, entre a ciência e aquilo que poderíamos denominar pensamento mitológico, para encontrar um nome, embora não seja exatamente isso, ocorreu nos séculos XVII e XVIII. [...] pensou-se então que a ciência só podia existir se voltasse costas ao mundo dos sentidos, [...] Este movimento foi provavelmente necessário, pois [...] o pensamento científico encontrou condições para se auto-constituir.” (p. 10-11)

 

“[...] a ciência contemporânea está no caminho para superar este fosso e que os dados dos sentidos estão sendo cada vez mais reintegrados na explicação científica como uma coisa que tem um significado, que tem uma verdade e que pode ser explicada.” (p. 11)

 

“O estruturalismo [...] tem sido considerado como algo completamente novo e revolucionário para a altura; ora, isto, segundo penso, é duplamente falso. Em primeiro lugar, até no campo das humanidades o estruturalismo não tem nada de novo; pode-se seguir perfeitamente esta linha de pensamento desde a Renascença até ao século XIX e ao nosso tempo.” (p. 13)

 

“A Ciência apenas tem dois modos de proceder: ou é reducionista ou é estruturalista.” (p. 13)

 

“As histórias de caráter mitológico são, ou parecem ser, arbitrárias, sem significado, absurdas, mas apesar de tudo dir-se-ia que reaparecem um pouco por toda a parte. [...] não se esperaria encontrar a mesma criação num lugar completamente diferente.” (p. 15)

 

“[...] se olharmos para todas as realizações da Humanidade, seguindo os registros disponíveis em todo o mundo, verificaremos que o denominador comum é sempre a introdução de alguma espécie de ordem.” (p. 16)

 

“Estamos agora num momento em que podemos, quiçá, testemunhar a superação ou a inversão deste divórcio [entre o pensamento científico e a lógica do concreto] [...].” (p. 16)

 

“A ciência nunca nos dará todas as respostas.” (p. 17)

 

II PENSAMENTO “PRIMITIVO” E MENTE “CIVILIZADA”

        

“A maneira de pensar dos povos a que normalmente, e erradamente, chamamos “primitivos” [...] – tem sido interpretada de dois modos diferentes, ambos errados na minha opinião. O primeiro considera que tal pensamento é de qualidade mais grosseira do que o nosso, e na Antropologia contemporânea o exemplo que nos vem imediatamente à ideia é Malinowski. [...], a designação de funcionalismo.” (p. 17-18)

 

“O outro modo de encarar o pensamento “primitivo” [...] afirma que é um tipo de pensamento fundamentalmente diferente do nosso. Esta abordagem à questão concretiza-se na obra de Lévy-Bruhl, [...] Enquanto a concepção de Malinowski é utilitária, a de Lévy-Bruhl é uma concepção emocional ou afectiva.”  (p. 18-19)

          

“Esta é a originalidade do pensamento mitológico – desempenhar o papel do pensamento conceptual [...].” (p. 24)

 

“[...] a ciência se encontra não só preparada para explicar a sua própria validade como também o que, em certa medida, é válido no pensamento mitológico.” (p. 25)

 

 

III LÁBIOS RACHADOS E GÊMEOS: A ANÁLISE DE UM MITO

 

“Verificamos deste modo que em toda esta mitologia há de fato uma relação entre gêmeos, por nascimento com os pés para a frente ou posições que, metaforicamente falando, são idênticas, por outro.”  (p. 31)

 

“Gemeidade e nascimento com os pés para a frente são sinais de um parto perigoso ou de um parto heroico, porque a criança tomará a iniciativa e tornar-se-á uma espécie de herói, um herói assassino em certos casos; [...].” (p. 32)

 

“Penso que isto explica a razão por que em várias tribos se matam os gêmeos, bem como as crianças que nascem com os pés para a frente.” (p. 32)

 

IV QUANDO O MITO SE TORNA HISTÓRIA

 

“Podem significar duas coisas diferentes [histórias recolhidas]. [...], por exemplo, que a ordem coerente, como uma espécie de saga, é a condição primitiva, e, sempre que se encontrem mitos em elementos desconexos, há-de tratar-se do resultado de um processo de deterioração e desorganização; [...]. Pode-se também apresentar a hipótese de que o estado desconexo é o arcaico, e que os mitos foram reunidos e postos em ordem por alguns nativos sabedores e filósofos, [...].” (p. 34)

          

“A Mitologia é estática: encontramos os mesmos elementos mitológicos combinados de infinitas maneiras, mas num sistema fechado, contrapondo-se à História, que, evidentemente, é um sistema aberto.” (p. 39)

 

“Não ando longe de pensar que, nas nossas sociedades, a História substitui a Mitologia e desempenha a mesma função [...].” (p. 41)

 

V MITO E MÚSICA

 

“[...], tal como sucede numa partitura musical; é impossível compreender um mito como uma sequência contínua.” (p. 42)

 

“Na verdade, foi só quando o pensamento mitológico, [...] passou para segundo plano no pensamento ocidental da Renascença e do século XVIII, [...] que testemunhamos o aparecimento dos grandes estilos musicais, característicos do século XVII e, principalmente, dos séculos XVIII e XIX.” (p. 43)

 

“A música que assumiu a função tradicional da mitologia não é um determinado tipo de música, mas a música tal como surgiu na civilização ocidental [...].” (p. 43)

 

“Um dos temas mais importantes das tetralogia é o que em francês se chama “le théme de la renunciation à l’amour” - a renúncia ao amor. [...] este tema aparece pela primeira vez na composição O Ouro do Reno [...]” (p. 44)

 

“[...] o segundo momento [...] em que o tema reaparece é nas Valquírías, [...].” (p. 44)

 

“O terceiro momento em que o tema aparece é também nas Valquírias [...].” (p. 44)

 

         “[...] a única maneira de entender estas reaparições misteriosas do tema é juntar os três acontecimentos, ainda que pareçam muito diferentes, empilhá-los uns por cima dos outros, a ver se poderão ser tratados como um único e o mesmo acontecimento.” (p. 45)

 

“Há, pois, uma espécie de reconstrução contínua que se desenvolve na mente do ouvinte da música ou de uma história mitológica.” (p. 46)

 

“Se tentarmos entender a relação entre linguagem, mito e música, só o podemos fazer utilizando a linguagem como ponto de partida, podendo-se depois demonstrar que a música, por um lado, e a mitologia, por outro, têm origem na linguagem, mas que ambas as formas se desenvolveram separadamente e em diferentes direções: a música destaca os aspectos do som já presentes na linguagem, enquanto a mitologia sublinha o aspecto do sentido, o aspecto do significado, que também está profundamente presente na linguagem.” (p. 49)

 

“O tipo de paralelismo que tentei esboçar [...] só se aplica, tanto quanto sei, à música ocidental tal como se desenvolveu nos últimos séculos. [...] Estamos testemunhando o desaparecimento do próprio romance.” (p. 50)

 

COMENTÁRIO CRÍTICO

 

Em “Mito e Significado” (lançado em 1978), Claude Lévi-Strauss explica um pouco de sua noção de ciência e sua relação com a análise estrutural e antropológica do mito. Fruto de uma vida dedicada a interpretar os mitos, em sua desmistificação da ideia do “primitivo”, o professor se esforça para mostrar certas correspondências entre as sociedades ágrafas e os métodos científicos do ocidente contemporâneo. De logo, ele deixa claro que o campo do pensamento científico encontra-se perfeitamente constituído (a exemplo das Ciências Naturais), ao passo que as Ciências Sociais e Humanas ainda estão no âmbito do devir.

Para o autor, a fim de se alcançar a posse de um conhecimento seguro, com validade universal no campo das ciências humanas, é mister considerar que não há outra solução que não o modelo cartesiano de ciência, ainda que tenha plena convicção de que novas perguntas sempre surgirão.

Par Strauss, não podemos pensar que as sociedades “primitivas” eram atrasadas, pois através de mitos, elas desenvolvem ordens simbólicas de significado frequentemente sofisticado e que são compartilhadas comunitariamente. São exemplos, os mitos pan-americanos discutidos no segundo e terceiro capítulos, que possuem maneiras de pensar diferentes das que o ocidental tem consciência, porque nossas culturas e circunstâncias sociais não exigiram o desenvolvimento desse nível de mentalidade.

Segundo o autor, os mitos desempenharam um papel hoje ocupado pela história, mas como um sistema fechado (um mesmo tema tratado de maneiras diferentes, mas com um fim comum), criado de modo a registrar o passado da cultura humana e assim dar supedâneo à busca de um sentido para a existência, pois em todas as civilizações é um traço marcante a busca de um sentido de ordem.

E no tocante à relação com a música, o antropólogo afirma que esta substituiu o mito e que a “música serial” vem substituindo até mesmo o romance, o que demonstra certo desencantamento com os caminhos homogenizadores da cultura (através da pop art e mass media) para os anos e séculos vindouros, apesar dos crescentes avanços tecnológicos e científicos da humanidade.

 

REFERÊNCIA:

LEVI-STRAUSS, Claude. Mito e significado. Coletivo Sabotagem. s/d.

 

Disciplina: Pesquisa Etnográfica e Ciências das Religiões

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