domingo, 12 de junho de 2022

PHENOMENOLOGY OF RELIGION, DE DOUGLAS ALLEN

 



Por João Florindo Batista Segundo

 

No texto Phenomenology of Religion, Douglas Allen (Professor de Filosofia na Universidade do Maine) nos informa que a fenomenologia da religião tenta descobrir estruturas e significados universais ou gerais, daí porque estudiosos da religião frequentemente a descrevem como uma das principais disciplinas e abordagens da religião no século XX, ainda que poucos leitores tenham conhecimento do que isso significa, razão do texto.

A fenomenologia da religião envolve certos tipos de reflexão crítica e análise e emergiu como uma das disciplinas e abordagens modernas mais influentes da religião, às vezes identificada como pertencente ao campo moderno geral de Religionswissenschaft (estudo científico ou acadêmico da religião.

A primeira figura importante nessa disciplina foi F. Max Müller (1823–1900), que pretendia que Religionswissenschaft fosse uma ciência descritiva e objetiva, livre dos estudos normativos teológicos e filosóficos da religião.

Ao refletir sobre a ampla gama de expressões de experiências religiosas, os fenomenólogos da religião afirmam que há características gerais comuns, estruturas e padrões revelados apenas em experiências religiosas. Logo, ela analisa os limites e o poder da linguagem na revelação da experiência religiosa para assim distinguir fenômenos religiosos de fenômenos não-religiosos e analisar o religioso como um tipo específico de experiência, desvinculada de abordagens estreitas, excessivamente amplas, etnocêntricas e normativas.

Allen diferencia quatro grupos de estudiosos que usam o termo fenomenologia da religião:

1)   aqueles para quem o termo significa nada mais que uma investigação dos fenômenos ou objetos observáveis, fatos e eventos de religião;

2)   o do estudioso holandês P. D. Chantepie de la Saussaye a estudiosos contemporâneos como os historiadores escandinavos das religiões Geo Widengren e Åke Hultkrantz, para os quais significa o estudo comparativo e a classificação de diferentes tipos de fenômenos religiosos;

3)   disciplina ou método específico dentro do Religionswissenschaft ou estudos religiosos (W. Brede Kristensen, Gérardus van der Leeuw, Joachim Wach, C. Jouco Bleeker, Mircea Eliade e Jacques Waardenburg); lugar das contribuições mais significativas da fenomenologia da religião; e

4)   o dos estudiosos cuja fenomenologia da religião é influenciada pela fenomenologia filosófica: identificação explícita de grande parte de seu trabalho com a fenomenologia filosófica (Max Scheler e Paul Ricoeur); emprego do método fenomenológico (Rudolf Otto, van der Leeuw e Eliade); e abordagens teológicas que utilizam a fenomenologia da religião como um estágio na formulação da teologia (Friedrich Schleiermacher, Paul Tillich e Jean-Luc Marion).

De todos os usos da fenomenologia pelos filósofos antes do movimento fenomenológico do século XX, o termo é mais frequentemente identificado com Hegel, autor de Fenomenologia do Espírito, para quem os fenômenos são estágios reais do conhecimento e a fenomenologia é a ciência pela qual a mente se torna consciente do desenvolvimento do Espírito e passa a conhecer sua essência.

A fenomenologia tem cinco características, a saber:

1)   Natureza descritiva: procura descrever com precisão a totalidade das manifestações fenomenais na experiência humana, com sua diversidade, complexidade e riqueza.

2)   antirreducionismo: preocupa-se em libertar as pessoas de preconceitos acríticos, permitindo-lhes ampliar e aprofundar a experiência imediata;

3)   Bracketing (suporte): a epoche fenomenológica deve envolver algum método de autocrítica e testes intersubjetivos que permitam a compreensão de estruturas e significados;

4)   Intencionalidade: estar atentos às estruturas intencionais dos dados da experiência, às estruturas intencionais da consciência e seus significados pretendidos; e

5)   Visão eidética: visualizar as “essências universais”, que expressam o “whatness” de coisas, as características necessárias e invariantes dos fenômenos que nos permitem reconhecê-los como pertencendo a um certo tipo.

Allen, filósofo, se dedicará no texto aos fenomenólogos filosóficos, cujo vocabulário da fenomenologia filosófica e sua metodologia influenciaram grandemente a fenomenologia da religião, destacando os seguintes:

Max Scheler (1874-1928) concentrou-se numa descrição fenomenológica e na análise do modo humano único de experiência e sentimento; alcança-se a compreensão fenomenológica por se evitar impor os próprios juízos de valor sobre as experiências dos crentes e assumir que os crentes estão completamente certos.

Rudolf Otto (1869-1937): desenvolveu abordagem experiencial, descrição fenomenológica da estrutura universal e essencial da experiência religiosa e um antirreducionismo que respeita a qualidade “numinosa” (santidade) de toda a experiência religiosa.

Gerardus van der Leeuw: para ele, o fenomenólogo deve respeitar a intencionalidade específica dos fenômenos religiosos e simplesmente descrever o fenômeno como “o que aparece em vista.

C. Jouco Bleeker (1898–1983) distinguiu três tipos de fenomenologia da religião: a fenomenologia descritiva (que se restringe à sistematização dos fenômenos religiosos), a fenomenologia tipológica (que formula os diferentes tipos de religião) e o sentido específico da fenomenologia (que investiga as estruturas essenciais e os significados).

Mircea Eliade (1907-1986): afirmava que a religião “se refere à experiência do sagrado” e que o fenomenólogo trabalha com documentos históricos que expressam hierofisias ou manifestações do sagrado, e tenta decifrar a situação existencial e o significado religioso expresso através dos dados.

Ninian Smart (1927–2001): acreditava que insights profundos podem ser apresentados em linguagem simples, compreensível e categorias fenomenológicas comuns; reconhecia que a religião expressa muitas dimensões da experiência humana.

Para além dos autores, observamos ainda o seguinte quanto à fenomenologia da religião:

Abordagem comparativa e sistemática: obtenção de insights sobre estruturas e significados essenciais somente após comparar um grande número de documentos que expressam uma grande diversidade de fenômenos religiosos.

Abordagem empírica: inicia pela coleta de documentos religiosos e depois descreve exatamente o que os dados empíricos revelam (Bleeker, Eliade).

Abordagem histórica: necessidade do fenomenólogo estar ciente dos contextos históricos, culturais e socioeconômicos específicos dentro dos quais os fenômenos religiosos aparecem.

Abordagem descritiva: por vezes, os fenomenólogos da religião distinguem a coleta e a descrição dos dados religiosos, que são objetivos e científicos, da interpretação do significado, que é pelo menos parcialmente subjetiva e normativa.

Antirreducionismo: crítica às reduções de dados religiosos para adequar-se a perspectivas não-religiosas, como as da sociologia, psicologia ou economia, o que, segundo os fenomenólogos, destrói a especificidade irredutível dos fenômenos religiosos.

Autonomia: ainda que a fenomenologia da religião seja autônoma, ela não é autossuficiente, vez que depende da pesquisa histórica e dos dados fornecidos pela filologia, etnologia, psicologia, sociologia e outras abordagens, pelo que, deve sempre integrar as contribuições de outras abordagens.

Intencionalidade: garante que as estruturas da experiência religiosa, bem como as interpretações e entendimentos, permaneçam em aberto, o que permite possibilidades inesgotáveis ​​de revalorização de expressões simbólicas.

Epoché, empatia e compreensão compreensiva: suspensão de todos os preconceitos pessoais quanto ao que é real e insistir na irredutibilidade dos fenômenos religiosos, não pensar se “o” sagrado ou sagrado é realmente uma experiência da realidade última.

Perspicácia em estruturas e significados essenciais: aqui, termos como “visão eidética” são usados ​​apenas em um sentido figurativo, vez que a fenomenologia da religião não deve interferir em questões filosóficas de metodologia difíceis.

Resulta do exame das principais características da fenomenologia da religião muitas questões controversas, a saber:

 Reivindicações descritivas versus normativas: necessidade de formulação de um método fenomenológico e um quadro de interpretação que permita a descrição de estruturas e significados essenciais com algum senso de objetividade.

Entendimento versus alegações de explicação: necessidade de encontrar maneiras de permitir que outras vozes sejam ouvidas, de modo a evitar explicações reducionistas que ignoram, silenciam e interpretam erroneamente os fenômenos religiosos de outros.

Alegações antirreducionistas: dever de mostrar que seu antirreducionismo religioso não é metodologicamente confuso, mas, sim, um método rigoroso com procedimentos de verificação, cuja perspectiva particular é essencial para esclarecer tais estruturas e significados religiosos.

Reivindicações empíricas e históricas: controvérsias surgem das críticas de que a fenomenologia da religião é altamente normativa e subjetiva porque faz pressupostos não-empíricos, não-históricos, a priori, teológicos e outros normativos.

Questões de verificação: deriva do fato de que a “intuição” fenomenológica não liberta a pessoa da responsabilidade de determinar qual interpretação de um dado fenômeno é mais adequada, pelo que o fenomenólogo da religião pode argumentar que os critérios do passado para a verificação são inadequados e resultam em um falso senso de objetividade.

Resposta a questões controversas: necessidade de refletir mais criticamente sobre questões de metodologia, de modo que a fenomenologia da religião possa formular um método mais rigoroso.

O autor afirma ainda que a imagem da fenomenologia da religião atualmente é muito mista e confusa quanto ao seu status e às perspectivas futuras do campo. Ao tempo em que foi bem-sucedida, vide a adoção por estudiosos que não se consideram fenomenólogos, por outro lado não possui fenomenólogos da religião contemporâneos que gozem do status e da influência que outrora desfrutaram um van der Leeuw ou um Eliade.

Na contemporaneidade, ainda há quem alegue que a fenomenologia da religião é não-científica, altamente subjetiva e sem rigor acadêmico. Quanto à fenomenologia filosófica da religião, apesar das brilhantes contribuições de Levinas, Ricoeur, Michel Henry e especialmente Jean-Luc Marion, não está claro se terão uma influência significativa na fenomenologia da religião dentro dos estudos religiosos.

Allen interrelaciona a fenomenologia filosófica e a fenomenologia da religião pelas seguintes características:

a)   ambas necessitam tomar consciência de suas pressuposições, suspender seus juízos de valor e descrever e interpretar com precisão o significado dos fenômenos como fenômenos;

b)   enfatizam a necessidade de se tornar atento ao que é dado na experiência;

c)   são continuamente criticadas por reivindicar a descoberta de estruturas e significados essenciais, atemporais, desvinculados de contextos específicos nos quais os fenômenos religiosos foram expressos.

Por fim, Allen se despede afirmando que mister se faz uma fenomenologia autocrítica e modesta da religião na busca da formulação de significados essenciais por meio de métodos fenomenológicos rigorosos, além da necessidade de formular projetos novos, dinâmicos, contextualmente sensíveis, envolvendo encontros criativos, contradição e síntese.

  

REFERÊNCIA: 

ALLEN, Douglas. Phenomenology of religion. In: HINNELLS, John R. (ed.). The Routledge Companion to the Study of Religion. Londres: Routledge, 2005. p. 182-207.

 

Disciplina: Fenomenologia das religiões


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