Por João
Florindo Batista Segundo
No texto Phenomenology of Religion, Douglas Allen (Professor de Filosofia na
Universidade do Maine) nos informa que a
fenomenologia da religião tenta descobrir estruturas e significados universais
ou gerais, daí porque estudiosos da religião frequentemente a descrevem como
uma das principais disciplinas e abordagens da religião no século XX, ainda que
poucos leitores tenham conhecimento do que isso significa, razão do texto.
A fenomenologia da religião envolve certos tipos de
reflexão crítica e análise e emergiu como uma das disciplinas e abordagens
modernas mais influentes da religião, às vezes identificada como pertencente ao
campo moderno geral de Religionswissenschaft
(estudo científico ou acadêmico da religião.
A primeira figura importante nessa disciplina foi F.
Max Müller (1823–1900), que pretendia que Religionswissenschaft
fosse uma ciência descritiva e objetiva, livre dos estudos normativos
teológicos e filosóficos da religião.
Ao refletir sobre a ampla gama de expressões de
experiências religiosas, os fenomenólogos da religião afirmam que há
características gerais comuns, estruturas e padrões revelados apenas em
experiências religiosas. Logo, ela analisa os limites e o poder da linguagem na
revelação da experiência religiosa para assim distinguir fenômenos religiosos
de fenômenos não-religiosos e analisar o religioso como um tipo específico de
experiência, desvinculada de abordagens estreitas, excessivamente amplas,
etnocêntricas e normativas.
Allen diferencia quatro grupos de estudiosos que usam
o termo fenomenologia da religião:
1) aqueles para quem o termo significa nada mais que uma
investigação dos fenômenos ou objetos observáveis, fatos e eventos de religião;
2) o do estudioso holandês P. D. Chantepie de la Saussaye
a estudiosos contemporâneos como os historiadores escandinavos das religiões
Geo Widengren e Åke Hultkrantz, para os quais significa o estudo comparativo e
a classificação de diferentes tipos de fenômenos religiosos;
3) disciplina ou método específico dentro do Religionswissenschaft ou estudos
religiosos (W. Brede Kristensen, Gérardus van der Leeuw, Joachim Wach, C. Jouco
Bleeker, Mircea Eliade e Jacques Waardenburg); lugar das contribuições mais
significativas da fenomenologia da religião; e
4) o dos estudiosos cuja fenomenologia da religião é
influenciada pela fenomenologia filosófica: identificação explícita de grande
parte de seu trabalho com a fenomenologia filosófica (Max Scheler e Paul
Ricoeur); emprego do método fenomenológico (Rudolf Otto, van der Leeuw e Eliade);
e abordagens teológicas que utilizam a fenomenologia da religião como um
estágio na formulação da teologia (Friedrich Schleiermacher, Paul Tillich e
Jean-Luc Marion).
De todos os usos da fenomenologia pelos filósofos
antes do movimento fenomenológico do século XX, o termo é mais frequentemente
identificado com Hegel, autor de Fenomenologia
do Espírito, para quem os fenômenos são estágios reais do conhecimento e a fenomenologia
é a ciência pela qual a mente se torna consciente do desenvolvimento do
Espírito e passa a conhecer sua essência.
A fenomenologia tem cinco características, a saber:
1) Natureza descritiva: procura descrever
com precisão a totalidade das manifestações fenomenais na experiência humana,
com sua diversidade, complexidade e riqueza.
2) antirreducionismo: preocupa-se em libertar as pessoas
de preconceitos acríticos, permitindo-lhes ampliar e aprofundar a experiência
imediata;
3) Bracketing (suporte): a epoche fenomenológica deve envolver
algum método de autocrítica e testes intersubjetivos que permitam a compreensão
de estruturas e significados;
4) Intencionalidade: estar atentos
às estruturas intencionais dos dados da experiência, às estruturas intencionais
da consciência e seus significados pretendidos; e
5) Visão eidética: visualizar as “essências
universais”, que expressam o “whatness”
de coisas, as características necessárias e invariantes dos fenômenos que nos
permitem reconhecê-los como pertencendo a um certo tipo.
Allen, filósofo, se dedicará no texto aos fenomenólogos
filosóficos, cujo vocabulário da fenomenologia filosófica e sua metodologia
influenciaram grandemente a fenomenologia da religião, destacando os seguintes:
Max Scheler (1874-1928) concentrou-se numa descrição
fenomenológica e na análise do modo humano único de experiência e sentimento; alcança-se
a compreensão fenomenológica por se evitar impor os próprios juízos de valor
sobre as experiências dos crentes e assumir que os crentes estão completamente
certos.
Rudolf
Otto (1869-1937): desenvolveu abordagem experiencial,
descrição fenomenológica da estrutura universal e essencial da experiência
religiosa e um antirreducionismo que respeita a qualidade “numinosa”
(santidade) de toda a experiência religiosa.
Gerardus
van der Leeuw: para ele, o fenomenólogo
deve respeitar a intencionalidade específica dos fenômenos religiosos e
simplesmente descrever o fenômeno como “o que aparece em vista.
C.
Jouco Bleeker (1898–1983)
distinguiu três tipos de fenomenologia da religião: a fenomenologia descritiva (que
se restringe à sistematização dos fenômenos religiosos), a fenomenologia
tipológica (que formula os diferentes tipos de religião) e o sentido específico
da fenomenologia (que investiga as estruturas essenciais e os significados).
Mircea
Eliade (1907-1986): afirmava que a
religião “se refere à experiência do sagrado” e que o fenomenólogo trabalha com
documentos históricos que expressam hierofisias ou manifestações do sagrado, e
tenta decifrar a situação existencial e o significado religioso expresso
através dos dados.
Ninian
Smart (1927–2001): acreditava que
insights profundos podem ser apresentados em linguagem simples, compreensível e
categorias fenomenológicas comuns; reconhecia que a religião expressa muitas
dimensões da experiência humana.
Para além dos autores, observamos ainda o seguinte
quanto à fenomenologia da religião:
Abordagem
comparativa e sistemática: obtenção de
insights sobre estruturas e significados essenciais somente após comparar um
grande número de documentos que expressam uma grande diversidade de fenômenos
religiosos.
Abordagem
empírica: inicia pela coleta de documentos
religiosos e depois descreve exatamente o que os dados empíricos revelam (Bleeker,
Eliade).
Abordagem
histórica: necessidade do fenomenólogo
estar ciente dos contextos históricos, culturais e socioeconômicos específicos
dentro dos quais os fenômenos religiosos aparecem.
Abordagem
descritiva: por vezes, os
fenomenólogos da religião distinguem a coleta e a descrição dos dados
religiosos, que são objetivos e científicos, da interpretação do significado,
que é pelo menos parcialmente subjetiva e normativa.
Antirreducionismo: crítica às reduções de dados religiosos para
adequar-se a perspectivas não-religiosas, como as da sociologia, psicologia ou
economia, o que, segundo os fenomenólogos, destrói a especificidade irredutível
dos fenômenos religiosos.
Autonomia: ainda que a fenomenologia da religião seja autônoma, ela
não é autossuficiente, vez que depende da pesquisa histórica e dos dados
fornecidos pela filologia, etnologia, psicologia, sociologia e outras
abordagens, pelo que, deve sempre integrar as contribuições de outras
abordagens.
Intencionalidade: garante que as estruturas da experiência religiosa,
bem como as interpretações e entendimentos, permaneçam em aberto, o que permite
possibilidades inesgotáveis de revalorização de expressões simbólicas.
Epoché, empatia e compreensão compreensiva: suspensão de todos os preconceitos pessoais quanto ao
que é real e insistir na irredutibilidade dos fenômenos religiosos, não pensar se
“o” sagrado ou sagrado é realmente uma experiência da realidade última.
Perspicácia
em estruturas e significados essenciais: aqui,
termos como “visão eidética” são usados apenas em um sentido figurativo, vez
que a fenomenologia da religião não deve interferir em questões filosóficas de
metodologia difíceis.
Resulta do exame das principais características da
fenomenologia da religião muitas questões controversas, a saber:
Reivindicações
descritivas versus normativas:
necessidade de formulação de um
método fenomenológico e um quadro de interpretação que permita a descrição de
estruturas e significados essenciais com algum senso de objetividade.
Entendimento
versus alegações de explicação: necessidade
de encontrar maneiras de permitir que outras vozes sejam ouvidas, de modo a
evitar explicações reducionistas que ignoram, silenciam e interpretam
erroneamente os fenômenos religiosos de outros.
Alegações
antirreducionistas: dever de mostrar que
seu antirreducionismo religioso não é metodologicamente confuso, mas, sim, um
método rigoroso com procedimentos de verificação, cuja perspectiva particular é
essencial para esclarecer tais estruturas e significados religiosos.
Reivindicações
empíricas e históricas: controvérsias
surgem das críticas de que a fenomenologia da religião é altamente normativa e
subjetiva porque faz pressupostos não-empíricos, não-históricos, a priori, teológicos e outros
normativos.
Questões
de verificação: deriva do fato de que a
“intuição” fenomenológica não liberta a pessoa da responsabilidade de
determinar qual interpretação de um dado fenômeno é mais adequada, pelo que o fenomenólogo
da religião pode argumentar que os critérios do passado para a verificação são
inadequados e resultam em um falso senso de objetividade.
Resposta
a questões controversas: necessidade de refletir
mais criticamente sobre questões de metodologia, de modo que a fenomenologia da
religião possa formular um método mais rigoroso.
O autor afirma ainda que a imagem da fenomenologia da
religião atualmente é muito mista e confusa quanto ao seu status e às
perspectivas futuras do campo. Ao tempo em que foi bem-sucedida, vide a adoção
por estudiosos que não se consideram fenomenólogos, por outro lado não possui
fenomenólogos da religião contemporâneos que gozem do status e da influência
que outrora desfrutaram um van der Leeuw ou um Eliade.
Na contemporaneidade, ainda há quem alegue que a
fenomenologia da religião é não-científica, altamente subjetiva e sem rigor
acadêmico. Quanto à fenomenologia filosófica da religião, apesar das brilhantes
contribuições de Levinas, Ricoeur, Michel Henry e especialmente Jean-Luc Marion,
não está claro se terão uma influência significativa na fenomenologia da
religião dentro dos estudos religiosos.
Allen interrelaciona a fenomenologia filosófica e a
fenomenologia da religião pelas seguintes características:
a) ambas necessitam tomar consciência de suas
pressuposições, suspender seus juízos de valor e descrever e interpretar com
precisão o significado dos fenômenos como fenômenos;
b) enfatizam a necessidade de se tornar atento ao que é
dado na experiência;
c) são continuamente criticadas por reivindicar a
descoberta de estruturas e significados essenciais, atemporais, desvinculados
de contextos específicos nos quais os fenômenos religiosos foram expressos.
Por fim, Allen se despede afirmando que mister se faz
uma fenomenologia autocrítica e modesta da religião na busca da formulação de significados
essenciais por meio de métodos fenomenológicos rigorosos, além da necessidade
de formular projetos novos, dinâmicos, contextualmente sensíveis, envolvendo
encontros criativos, contradição e síntese.
REFERÊNCIA:
ALLEN,
Douglas. Phenomenology of religion. In:
HINNELLS, John R. (ed.). The Routledge
Companion to the Study of Religion. Londres: Routledge, 2005. p. 182-207.
Disciplina: Fenomenologia das religiões
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