segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

CULTIVE TEUS JARDINS!

 


 

Por Allan Percy

 

A natureza é a melhor fonte de paz quando o bulício do dia-a-dia nos sufoca, quando nos sentimos ultrapassados pelos acontecimentos ou somos dominados por uma tristeza que não conseguimos entender.

O modo como a natureza nos acolhe, sem fazer perguntas, sem pedir nada, sem nos julgar, devolve-nos a calma perdida e liga-nos ao nosso centro espiritual. Há pessoas que vão até ao rio ouvir o som da água porque dizem que isso as relaxa; outras vão caminhar pela montanha como terapia para esvaziar a mente das preocupações quotidianas, para estarem sozinhas com pensamentos mais elevados sobre a existência.

Todo o ser humano precisa de voltar a essa calma essencial, sair do mundo por uns instantes e ficar sozinho consigo mesmo, envolvido pela natureza.

No entanto, não existe só esta maneira de nos entregarmos ao mundo natural. Também podemos contactá-lo através dum diálogo criativo. Por exemplo, através da jardinagem, uma atividade a que se entregou de corpo e alma o próprio [Hermann] Hesse durante uma boa parte da sua vida.

A jardinagem demonstrou ser uma terapia muito forte para reduzir o stresse e a ansiedade. Nalguns centros são dadas tarefas de jardinagem a pessoas com incapacidades ou em processo de reabilitação.

Quando cuidamos do nosso jardim, os nossos pensamentos param, enquanto a nossa atenção se centra na vida que cresce diante dos nossos olhos. Aprendemos com as plantas, damo-nos bem com elas e assumimos os seus ritmos, mais tranquilos, sem exigências nem expetativas.

Há estudos que indicam que cuidar das plantas eleva a autoestima, favorece o relaxamento e, claro, ajuda a obter uma tonicidade física, tanto pelo exercício suave como pelo facto de se estar ao ar livre.

Por outro lado, pressupõe um grande benefício espiritual cuidar de alguma coisa que não seja nós próprios. Ajudamos a natureza a prosperar e, de algum modo, crescemos com ela. Cuidar de uma planta permite-nos estabelecer um vínculo subtil e até uma comunicação com ela, o que nos afasta dos quebra-cabeças mundanos.

Contemplar esse crescimento permite-nos fixar a nossa meta num objetivo pequeno, concreto, onde a observação, e não a ação constante, é o centro. Essa atenção cuidadosa proporciona-nos uma satisfação que não conseguimos encontrar fora da natureza.

A planta tem o seu ritmo e a pessoa que cuida dela aprende a respeitar esse ritmo e até a integrá-lo na sua vida.

Quando nos sentimos perdidos e não sabemos o que fazer com a nossa vida, quando tudo nos deprime e nos vemos inundados pelo que nos rodeia, podemos regenerar-nos através de pequenos gestos, sem ter de entabular uma luta com o mundo e connosco mesmos.

Há muito a aprender com um jardim em crescimento, dado que o seu estado e os cuidados que lhes prodigamos são um reflexo do nosso jardim interior. Talvez a lição seja assim simples: quem é capaz de cuidar do seu jardim, também consegue cuidar de si mesmo.

 O ritmo pausado das plantas, a sua aceitação dos elementos, o silêncio e a calma, são aspetos que podemos integrar em nós para uma vida mais serena e natural.

 

REFERÊNCIA:
PERCY, Allan. A Cura Espiritual de Siddhartha. Tradução: Cristina Rodriguez e Artur Guerra. Alfragide: Estrela Polar, 2011. E-book.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

EM PERIGO

 

 

Por Sidarta Gautama

 

 – E quais são as seis maneiras de dissipar os bens aos quais o nobre discípulo renunciou?

– Entregar-se a bebidas que causam a inatenção e embriaguez; perambular pelas ruas fora de hora; frequentar espetáculos de baixa categoria; entregar-se a jogos que tragam preocupações; associar-se a más companhias; abandonar-se à preguiça; essas seis coisas causam a dissipação dos bens.

Eis aí as seis más consequências produzidas pelos que utilizam tóxicos: bebidas alcoólicas, fumos e drogas; causam descontrole da mente, insanidade mental e inatenção, perda da fortuna, aumento das discussões, predispõem a doenças, má reputação, escândalos vergo­nhosos e decréscimo de inteligência.

Eis aí as seis más consequências por perambular nas ruas fora de hora: o homem corre perigo por falta de proteção, da mesma forma sua mulher, seus filhos e seus bens; é suspeito de qualquer coisa má que aconteça, é alvo de falsas acusações e vai ao encontro do infortúnio.

Eis aí as seis más consequências produzidas pelos que frequentam os espetáculos baixos e vulgares e jogos que trazem preocupações: originam brigas e discussões; se ganham, suscitam ódio, se perdem, se desesperam, dilapidam seus bens, não acreditam em sua palavra, são desprezados por seus amigos e colegas, são incapazes de cuidar de sua própria família.

Há seis más consequências para aquele que anda em má com­panhia: seus amigos ou companheiros são jogadores, trapaceiros, ébrios, ladrões, vigaristas e bandidos.

Há seis más consequências para aquele que se entrega à preguiça: tem sempre um motivo para fugir do trabalho, dizendo que o tempo está muito frio ou muito quente, que é muito tarde ou cedo demais, que está com fome ou comeu demais, etc. Deste modo, vive sem cumprir muitas obrigações, descuida dos proveitos, não consegue nada e perde o que possui.

  

REFERÊNCIA:

GAUTAMA, Sidarta. Os Deveres: Sigalovada – Sutta. In: SILVA, Georges da; HOMENKO, Rita. Budismo: psicologia do autoconhecimento (o caminho da correta compreensão). São Paulo: Pensamento, 1982. p. 275-276. Trecho de “Os Deveres: Sigalovada – Sutta”.

sábado, 14 de janeiro de 2023

OS INSENSÍVEIS AO CRISTO

 

 

Por A. C. Bhaktivedanta Swami Prabhupāda

 

Bob [Cohen]: Prabhupāda, pessoas que se dedicam a certas religiões, como os “Jesus Freaks” e outros grupos, afirmam que Jesus os orienta pessoalmente. Isso é possível?

 

Śrīla Prabhupāda: Sim, mas eles não aceitam a orientação. Veja o caso dos cristãos: Embora Jesus os oriente dizendo “Não matarás”, eles matam. Onde está a orientação de Jesus? Simplesmente dizer “Jesus é o meu guia” é suficiente? “Mas eu não ligo para suas palavras.” Acaso isso é orientação? Ninguém está sendo orientado por Jesus Cristo, senão que a afirmação deles é falsa. É muito difícil encontrar um homem que esteja realmente sendo orientado por Jesus Cristo. A guia de Jesus Cristo está à disposição, mas ninguém se importa, pois eles assinaram um contrato com Jesus Cristo para ele se responsabilizar por seus pecados, e o pobre Jesus Cristo que se responsabilize por tudo. Perante isso, eles dizem: “Temos uma ótima religião. Jesus Cristo morrerá por todas as nossas atividades pecaminosas.” Isso é uma boa religião? Eles não têm a menor consideração por Jesus Cristo. Se ele morreu por nossos pecados por que deveríamos cometer pecados novamente? Uma vida tão grandiosa assim foi sacrificada por nossos pecados, de modo que devemos aceitar a guia de Jesus Cristo, mas, se não a aceitamos: “Ah! Continuaremos pecando e Jesus Cristo fará um contrato para anular todos os nossos pecados; bastará irmos à igreja para a confissão. Após confessarmos, voltaremos para continuar fazendo toda sorte de atividades infames”, você acha que isso demonstra boa inteligência?

 

Bob: Não.

 

Śrīla Prabhupāda: Na verdade, quem se deixar guiar por Jesus Cristo certamente obterá a liberação, mas é muito difícil encontrar um homem que esteja realmente sendo orientado por Jesus Cristo.

 
REFERÊNCIA:
PRABHUPĀDA, Bhaktivedanta Swami. A história de um buscador. Pindamonhangada: The Bhaktivedanta Book Trust, 2022. p. 111-112. Grifos nossos.

domingo, 8 de janeiro de 2023

A SOLIDÃO NECESSÁRIA

 

 

A solidão é o caminho pelo qual o destino quer conduzir o homem em direção a si mesmo.

 

Por Allan Percy

 

A solidão assusta muitas pessoas. Schopenhauer dizia que «o instinto social dos homens não se baseia no amor à sociedade, mas sim no medo da solidão».

Este receio empurra o homem para a procura da companhia dos outros, mas de onde nasce? O que torna a solidão tão temível?

No silêncio da solidão encontramo-nos connosco mesmos e, frequentemente, isso deixa-nos aterrados. O que fazer connosco mesmos? Com quem falar? O medo desse encontro íntimo leva muitas pessoas a procurar qualquer tipo de companhia: um companheiro inadequado, um grupo de amigos com quem temos pouco em comum, um lugar de reunião forçado.

Tudo para não ficarmos com os nossos pensamentos.

O ruído é outra maneira de mascarar a solidão. Em casa, muitas pessoas ligam a televisão ou o rádio, apesar de estarem a fazer outra coisa. Porquê? Porque não suportam o silêncio e cobrem-no com o som de outras vozes. Atualmente, além disso, temos a possibilidade de encher o nosso silêncio de música até quando não estamos em casa. Os trajetos de um sítio a outro fazem-se com iPods, mp3, mp4, iPhones… qualquer aparelho que nos possa acompanhar no nosso passeio e impedir o silêncio.

No entanto, se não nos dermos ao luxo de estar sozinhos e em silêncio, quando é que poderemos parar por instantes?

Nietzsche dizia que caminhar ajuda a encontrar as ideias, a encontrarmo-nos a nós mesmos. Mas se ao andarmos só estivermos suspensos do que se ouve nos auriculares, como poderemos encontrar as nossas ideias nesse mar de sons alheios?

Não devemos ter medo desse encontro íntimo. Somos aqueles com quem vamos conviver toda a nossa vida e evitar a solidão também é evitarmo-nos a nós mesmos.

Oferecermo-nos um momento de solidão permite-nos ordenar os pensamentos, interrogarmo-nos sobre a vida, sobre o que verdadeiramente desejamos. É o nosso momento de recolhimento, de paz, o nosso espaço para sermos criativos, para nos deixarmos levar pelo nosso ser.

É importante reservar uma parcela do dia para nós mesmos, não só para nos mimarmos, como para estarmos aqui e agora, para tomarmos consciência, relaxarmo-nos e assim evitar que os acontecimentos nos assolem.

Estamos tão dependentes de um sem número de coisas ao longo do dia que precisamos de um espaço próprio  para fugir do bulício e pensar, gerir as emoções, ou simplesmente para estarmos em contacto com a nossa essência.

Eckhart Tolle fala-nos de como pode chegar a ser problemático o ruído mental, estar constantemente a pensar. Se a nossa cabeça estiver sempre em ebulição, é muito difícil podermos saborear um momento de paz para sentir que estamos aqui e agora, assumir que todas as outras coisas podem ficar à espera por uns minutos.

É preciso afastarmo-nos do bulício para nos descobrirmos a nós mesmos, para nos compreendermos, para estudarmos o que desejamos, o que nos inquieta. Podemos fugir para a natureza, para um quarto da casa, para um lugar onde possamos pensar…

Qualquer espaço que possamos considerar nosso é um bom sítio para desligarmos do mundo e ligarmo-nos a nós. Descobriremos  que  a  solidão  é  curativa,  criativa  e libertadora. Se reservarmos uma pequena parte do dia para nós, conseguiremos tirar prazer da vida mais plenamente.

  

REFERÊNCIA:
PERCY, Allan. A Cura Espiritual de Siddhartha. Tradução: Cristina Rodriguez e Artur Guerra. Alfragide: Estrela Polar, 2011. E-book.