Por Peter
Bindon, FRC*
Alguns dos atuais
comentadores dos textos alquímicos antigos dividem as obras existentes em dois
grupos. De um lado os livros escritos pelos alquimistas simbolistas, filósofos
da natureza, interessados e motivados pelas maravilhas do Universo. Por outro estariam
os trabalhos daqueles a que jocosamente denominam de “sopradores” e que
buscavam transformar os metais vis em ouro. Este último grupo somente se
interessava pela obtenção de uma riqueza material, enquanto que os primeiros
desejavam adquirir a compreensão de seu lugar dentro da criação. Isto também
ocorre nos nossos dias. Há quem busque compreender a complexidade da vida no
mundo material enquanto continuam progredindo em sua evolução espiritual e
mística; seu primeiro objetivo é dispor das coisas em quantidade justa e
suficiente e sentir-se satisfeitos com o que são. Outros só valorizam a
prosperidade e a satisfação em termos de riquezas materiais.
Posto que existem numerosos
grupos entre os dois extremos, esta classificação apresenta as mesmas carências
que caracterizavam os alquimistas dos tempos antigos. É demasiado simplista
dividir todas as possibilidades da condição humana unicamente em duas
categorias, assim como é quase impossível classificar de maneira adequada todos
os comentários acerca das práticas alquímicas aparecidas ao longo da história.
Será esta a razão por que é tão difícil compreender o significado dos escritos
alquímicos, mesmo sabendo que estão na origem do que chamamos atualmente de
química, ciência importante e muito precisa? A resposta se encontra na
complexidade do tema. Para cada elemento descrito em uma mandala alquímica ou
mencionado em uma fórmula, encontramos numerosos sinônimos visuais. Elaborar
uma lista poderia simplificar a tarefa, mas em seguida descobrimos que cada
símbolo tem muitos significados. O problema reside então em conceder a cada um
seu sentido apropriado. Quem conhece as obras de Carl Gustav Jung e de Joseph
Campbell sabe que é sempre difícil classificar as diferentes maneiras de
interpretar os símbolos. Afortunadamente, no passado cada alquimista utilizava
em geral somente uma ou duas combinações de símbolos e de significado, o que
simplifica relativamente nossa tarefa de classificá-los e de esclarecer seu
significado. Não obstante, os diagramas alquímicos podem ser interpretados de
diferentes maneiras. O símbolo que vamos examinar será desde uma perspectiva
Rosacruz.
Maria Profetisa, conhecida
também como irmã de Moisés e por outros nomes, é equiparada pelos Rosacruzes
com a “Maria” da Tradição Gnóstica. Diz-se que é a autora de um tratado
intitulado Practica Mariae Prophetessae
in artem alchemicam, ainda que na realidade é mais provável que ele seja de
origem árabe. A obra foi consultada por muitos alquimistas, entre os quais se
encontrava Michael Maier, que a apresenta como título de página no frontispício
de sua obra publicada em 1617, Symbol Aurae Mesae.
Na ilustração, Maria mostra
uma planta cujas sementes caíram sobre o cume da Montanha Cósmica. Os esforços
requeridos para a ascensão da montanha serviram possivelmente de inspiração aos
antigos para compará-los com o forno em que está concentrada a energia
necessária para levar ao êxito o processo da transformação alquímica. Apontam
que o pico da montanha é o lugar da Pedra Filosofal. A vida, surgida das sementes,
faz com que brotem cinco flores sobre a montanha Cósmica, sendo estas cinco
flores símbolo do renascimento da vida segundo cada estação.
Examinaremos a flor adiante,
quando veremos o significado deste símbolo. No momento, vamos considerar a
razão do número de flores ser cinco. Cinco é o número da humanidade,
simbolizando esta figura uma atividade de renovação recomendada pelo autor. Por
que é o cinco o número da humanidade? Para compreender, convém relembrar um dos
esquemas mais importantes de Leonardo da Vinci que representa um homem inscrito
em um círculo no qual toca em cinco pontos com a cabeça, as mãos e os pés. Da
mesma maneira os cinco sentidos, os cinco dedos das mãos e dos pés, põem em
evidência esta atribuição simbólica do número cinco. A rosa de cinco pétalas no
centro da cruz de quatro braços simbolizava para os hermetistas a
quintessência, algo que é superior aos quatro elementos primordiais
representados pelos braços da cruz. Por outro lado, e ainda que esta
interpretação não seja necessariamente a dos alquimistas, para certos filósofos
místicos o número cinco teria um sentido sinistro, inclusive demoníaco. Este
conceito provém de uma explicação cabalística onde se relaciona ao cinco com os
cinco dias de vazio que necessitavam os antigos egípcios para sincronizar seu
calendário de 360 dias ao ano solar que está mais próximo dos 365 dias.
Segundo a interpretação
rosacruz da gravura que estamos analisando, as duas urnas simbolizam
respectivamente o ar e a terra, dois elementos primordiais de onde todas as
coisas extraem sua existência. Os dois elementos se mesclam e se unem conforme
ilustrado pelo princípio que diz que “tudo o que está em cima é como o que está
em baixo”, proferindo Maria um dos princípios alquímicos que concernem à
unidade e à dualidade: “o Um se converte em Dois, o Dois se converte em Três, e
do Três provém o Um que é o quarto”. Este axioma, que reformula a Criação
bíblica utilizando os temos mágico-religiosos da alquimia, pode ser
interpretado de muitas maneiras. Esta interpretação significa que o leitor
deverá observar que nos sistemas rosacruzes que explicam o simbolismo dos
números, os pares são considerados femininos e aos ímpares masculinos. Além
disso, a linguagem alquímica dos arcanos apresenta outro nível de sentido que é
o que vamos aprofundar agora.
Maria Profetisa se refere à
combinação dos dois aspectos de uma substância única e especial. Ela disse: “Toma
a goma de Espanha, a goma branca e a goma rubra e junta as duas em um verdadeiro
matrimônio, a goma com a goma”. Qual é o sentido destas palavras? Obtemos uma
indicação pela cor das substâncias que menciona, pois se trata da “rainha
branca” e do “rei rubro” alquímicos. Por outro lado, o símbolo alquímico da
goma é de uma estranha combinação das pequenas letras que se assemelham ao “g”
do nosso alfabeto moderno, escritas uma ao lado da outra e religadas por uma
pequena cruz da qual fica suspenso um pequeno triângulo. Este símbolo põe em
evidência o processo alquímico com o qual deveremos nos familiarizar se queremos
decodificar a ilustração.
O sentido alegórico
escondido no desenho é reforçado pela forma dada à nuvens de vapor que escapam
de ambos os vasos. Pode ser vista a união dos dois triângulos equiláteros, um
apontado para o céu e o outro apontando para a terra. O triângulo superior
representa o fogo, elemento masculino, enquanto o triângulo inferior nos
encaminha à água, ao feminino e aos aspectos nutritivos. Quando o alquimista é
capaz de obter o casamento correto destes dois elementos primordiais, estes dão
nascimento à cor rubra, simbolizada pela rosa alquímica, o que nos é revelado
pelas duas correntes de vapor branco sob a forma de dois triângulos.
Em algumas gravuras que
ilustram este processo, a rosa resultante apresenta uma fila de pétalas
exteriores vermelhas e outro plano interior de pétalas brancas. No caso que nos
ocupa, a cor branca está representada pelos vapores que se desprendem de cada
um dos lados do cadinho em direção ao seu oposto. A rosa vermelha era o símbolo
alquímico da realização com êxito da “Grande Obra” que produzia, no final, a
Pedra Filosofal. E é em parte a causa desta união que a rosa que adorna a Cruz
Rosacruz é vermelha e não de outra cor alegórica.
Que conclusões úteis podemos
extrair deste conjunto de símbolos em nossos estudos rosacruzes? Toda a parte
direita da ilustração é relativa a representações ligadas ao homem vestido de
vermelho e à mulher coberta de branco. Simbolicamente, não pode ser alcançada a
rosa vermelha da realização até que não seja levantado o véu branco. Os dois
vãos ou cadinhos, que representam os vasos de Hermes e cumprem o objetivo de
receptáculos dos elementos necessários para a criação. Eles simbolizam a
natureza dual que está presente em cada um de nós. Uma vez separados, revelam a
penúltima etapa do processo de transformação. Maria, que personifica a
sabedoria dos tempos passados, mostra o que agora é evidente, saber que em todo
ser humano coexiste um aspecto dos dois opostos. Devemos conseguir que estes
aspectos formem um equilíbrio em que se completem e forme um conjunto harmonioso.
Uma vez conseguido este estado, todo indivíduo pode alcançar o que quiser.
Efetivamente, alcançar este estado de beatitude é ter conseguido a maestria
sobre a Pedra Filosofal. Este era o objetivo dos alquimistas simbólicos do
passado e a finalidade dos rosacruzes de nossos dias.
* Peter Bindon é Grande Mestre da Jurisdição de
Língua Inglesa para Australásia e Oceania.
FONTE: BINDON, Peter. Maria profetisa. In O Rosacruz. n. 265. 3. Trimestre 2008. Curitiba: AMORC,
2008. p. 19-21.
Nenhum comentário:
Postar um comentário