domingo, 6 de setembro de 2015

RESENHA DA PUBLICAÇÃO: SABEDORIA DO SILÊNCIO





Por Marcel Henrique Rodrigues ¹


SALOMÓ, Eduard et al. Sabedoria do Silêncio: Hermetismo e Rosacruz no Pensamento Humanista Ocidental. Lisboa: Fundación Rosacruz, 2012. 191 páginas.



A presente obra trata-se de uma parte importante e pouco estudada da História, sobretudo da História das religiões. Tal assunto concerne sobre os estudos ditos “místicos e ocultistas” que floresceram principalmente no período do Renascimento europeu, derivando de uma prática já existente no período da Idade Média, mas ocultada das vistas da Igreja Católica.

O livro surgiu com o apoio de diversos colaboradores que se propuseram a estudar tal período histórico. Com auxilio dos documentos da Torre do Tombo (o Arquivo Nacional Português), que possui  um incrível  acervo  de documentos históricos que comprovam a perseguição às mulheres e homens por suas convicções e opções de consciência, pois os mesmos se encontravam voltados para os estudos do hermetismo e das ciências ditas ocultas, práticas combatidas e temidas pela igreja.

Um dos movimentos surgidos foi o da Rosa-Cruz, movimento filosófico-místico, que historicamente se apresenta ao público no século XVII, mas suas origens remontam séculos anteriores. Tal movimento, que existe até hoje, trouxe a tona os estudos místico-herméticos de diferentes correntes de pensamento da antiguidade, desde a Cabala,  a  Alquimia  e  a  Gnose.  A própria Rosa-Cruz surge como símbolo de segredo, de oculto, mas, também, revela-se como símbolo de busca pelo aperfeiçoamento interior do ser humano. 

São destacados três períodos do movimento hermético. O primeiro remonta à cultura egípcia com a filosofia grega, sobretudo esta última  que  possuía  a  inquietude  para  alcançar  um conhecimento  verdadeiro  e  profundo  da  vida. Assim, temos destacadas figuras como Pitágoras e Platão que, além de desenvolverem escolas filosóficas, postularam o ideal de ser humano que busca o seu desenvolvimento espiritual e intelectual ladeando as margens do misticismo. Sabe-se que Platão e Pitágoras, além de exímios filósofos, foram surpreendentes em suas revelações de cunho metafísico.  Este primeiro momento tem o seu limiar no início do Cristianismo.

A ideia de que todas as coisas estão preenchidas pela essência divina, fora partilhada em larga escala por diversas correntes de pensamento, como a Cabala, a Gnose e o Sufismo. A cultura mulçumana com sua ampla difusão da Medicina, da agricultura, das artes da Matemática foi  um enorme  manancial  de  conhecimento,  que  abriu às  portas  para  o  grande  segundo  período  do movimento hermetista.

Chega-se ao terceiro período do movimento, período este concernente ao Renascimento europeu e o aumento da valorização dos estudos de antigos filósofos clássicos do período pré-cristão.  Embora tenham ocorrido perseguições por parte da Inquisição e a morte de diversos célebres  homens  como  Giordano  Bruno,  tal movimento que previa uma nova maneira de refletir sobre as questões existências não se extinguiu, é neste período, propriamente no século XVII, que o movimento Rosa-Cruz ganha notoriedade. Ilustres personagens como Elias Ashmole e Issac Newton que partilhavam dos ideais do movimento da Rosa-Cruz, fundam em Londres a Royal Society, com o objetivo de divulgação do saber científico.

É interessante notar  que  estes  movimentos, de cunhos  esotéricos,  foram  fundamentais para alicerçar muito do que há hoje em matéria de  ciência,  leis,  filosofias  entre  outros  avanços. Estes avanços só foram possíveis com a valorização da capacidade humana em controlar muitos aspectos  da  vida  que,  até  então,  estava  sujeitos às  “leis  divinas”,  sendo  o  homem  um  mero “fantoche” da vontade Deus.

Centralizando o homem como um ser microcósmico, ou  seja,  dando-lhe  autonomia  para pensar,  agir  e  ser  protagonista  de  sua  própria existência que o Hermetismo, juntamente com o florescimento da Rosa-Cruz, forneceu bases sólidas para os avanços das ciências e do pensamento  humanista  ocidental.  Entretanto,  estes  movimentos como a citada Rosa-Cruz e, mais tarde, a Maçonaria  Especulativa,  necessitaram  permanecer  ocultas,  seus  segredos  eram  revelados  somente aos iniciados. Uma maneira inteligente de se manter a tradição iniciática e de manter sobre um véu de sigilo os conhecimentos esotéricos.

Após esta reflexão histórica, o texto faz uma pausa para apurar sobre o Hermetismo e o movimento Rosa-Cruz no século XXI:

Nesta óptica, o  Bhagavad  Gita  representa o primeiro impulso que confronta o homem com a necessidade de libertar a sua mente da ilusão provocada  pelos  sentidos;  a  obra  dos  pré-socráticos  separa  o  mito  do  pensamento  racional; o  Renascimento,  em cujo contexto se enquadra a Rosacruz Hermética,  liberta  o  pensamento,  da superstição  religiosa  abrindo  assim caminho ao nascimento do pensamento  científico  moderno;  a  Rosacruz  no século XXI, tem orientado os seus esforços no sentido de conseguir a síntese definitiva entre a inteligência emocional e a inteligência racional, permitindo a superação da contradição existente entre elas, que está na origem da falta de pontes entre o mundo científico e o mundo espiritual. (FREIJO, et al, 2012. p. 72).

 A obra volta à História e analisa muitas das  Artes,  ditas  ocultas,  cultivadas  por  diversas  civilizações  como  a  Astrologia,  a  Alquimia,  a Gnose  da  escola  de  Alexandria,  sobre  a Arábia Hermética, a Cabala Judaica e Cristã entre outras.
Assim, a História mostra os percursos históricos  em  que  se  desenvolveram  as  raízes  do hermetismo  Rosa-Cruz,  passando  pelo  Renascimento, chegando com analogia desta Ordem em outras  fraternidades  iniciáticas  como  a  Maçonaria, a Teosofia, a Antroposofia e o Martinismo.

A conclusão é que  esta  importante  obra deseja trazer a tona que o misticismo que, muitas vezes,  fora  desconsiderado  pelos  cientistas  modernos, descartando-o como indignos de estudo por “derivarem” de uma época de superstição. Se enganam ao não notarem que, grande parte dos pilares da nossa  atual  sociedade  ocidental  se pautaram  em  homens  que  divulgavam  tais  conhecimentos  exotéricos,  e  que  buscavam  maior compreensão  da  realidade,  contribuindo  para  o nascimento  dos  movimentos  científicos  sem  os enlaces da religião. 

1   Marcel Henrique Rodrigues é graduado em Psicologia pela Unisal. Membro da SBPC e da ABHR. Foi pesquisador, bolsista Fapesp, na Universidade Católica Portuguesa de Lisboa. É autor do livro "Maçonaria e Simbologia: Uma Análise do Preconceito Através da História e da Psicologia". E-mail: marcel_symbols@hotmail.com



FONTE: RODRIGUES, Marcel Henrique. Resenha de publicação. C&M. Brasília, vol. 2, n.2, p. 125-126, jul/dez, 2014.

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