Por Marcel
Henrique Rodrigues ¹
SALOMÓ, Eduard et al. Sabedoria do Silêncio: Hermetismo e
Rosacruz no Pensamento Humanista Ocidental. Lisboa: Fundación Rosacruz, 2012.
191 páginas.
A
presente obra trata-se de uma parte importante e pouco estudada da História,
sobretudo da História das religiões. Tal assunto concerne sobre os estudos
ditos “místicos e ocultistas” que floresceram principalmente no período do Renascimento
europeu, derivando de uma prática já existente no período da Idade Média, mas
ocultada das vistas da Igreja Católica.
O
livro surgiu com o apoio de diversos colaboradores que se propuseram a estudar
tal período histórico. Com auxilio dos documentos da Torre do Tombo (o Arquivo
Nacional Português), que possui um incrível acervo
de documentos históricos que comprovam a perseguição às mulheres e
homens por suas convicções e opções de consciência, pois os mesmos se
encontravam voltados para os estudos do hermetismo e das ciências ditas
ocultas, práticas combatidas e temidas pela igreja.
Um
dos movimentos surgidos foi o da Rosa-Cruz, movimento filosófico-místico, que
historicamente se apresenta ao público no século XVII, mas suas origens remontam
séculos anteriores. Tal movimento, que existe até hoje, trouxe a tona os
estudos místico-herméticos de diferentes correntes de pensamento da antiguidade,
desde a Cabala, a Alquimia
e a Gnose.
A própria Rosa-Cruz surge como símbolo de segredo, de oculto, mas,
também, revela-se como símbolo de busca pelo aperfeiçoamento interior do ser
humano.
São destacados
três períodos do movimento hermético. O primeiro remonta à cultura egípcia com
a filosofia grega, sobretudo esta última
que possuía a
inquietude para alcançar
um conhecimento verdadeiro e
profundo da vida. Assim, temos destacadas figuras como
Pitágoras e Platão que, além de desenvolverem escolas filosóficas, postularam o
ideal de ser humano que busca o seu desenvolvimento espiritual e intelectual
ladeando as margens do misticismo. Sabe-se que Platão e Pitágoras, além de
exímios filósofos, foram surpreendentes em suas revelações de cunho metafísico. Este primeiro momento tem o seu limiar no
início do Cristianismo.
A
ideia de que todas as coisas estão preenchidas pela essência divina, fora
partilhada em larga escala por diversas correntes de pensamento, como a Cabala,
a Gnose e o Sufismo. A cultura mulçumana com sua ampla difusão da Medicina, da agricultura,
das artes da Matemática foi um enorme manancial
de conhecimento, que
abriu às portas para
o grande segundo
período do movimento hermetista.
Chega-se
ao terceiro período do movimento, período este concernente ao Renascimento
europeu e o aumento da valorização dos estudos de antigos filósofos clássicos
do período pré-cristão. Embora tenham ocorrido
perseguições por parte da Inquisição e a morte de diversos célebres homens
como Giordano Bruno,
tal movimento que previa uma nova maneira de refletir sobre as questões
existências não se extinguiu, é neste período, propriamente no século XVII, que
o movimento Rosa-Cruz ganha notoriedade. Ilustres personagens como Elias
Ashmole e Issac Newton que partilhavam dos ideais do movimento da Rosa-Cruz,
fundam em Londres a Royal Society, com o objetivo de divulgação do saber
científico.
É interessante
notar que estes
movimentos, de cunhos
esotéricos, foram fundamentais para alicerçar muito do que há
hoje em matéria de ciência, leis,
filosofias entre outros
avanços. Estes avanços só foram possíveis com a valorização da
capacidade humana em controlar muitos aspectos
da vida que,
até então, estava
sujeitos às “leis divinas”,
sendo o homem
um mero “fantoche” da vontade
Deus.
Centralizando
o homem como um ser microcósmico, ou
seja, dando-lhe autonomia
para pensar, agir e
ser protagonista de
sua própria existência que o
Hermetismo, juntamente com o florescimento da Rosa-Cruz, forneceu bases sólidas
para os avanços das ciências e do pensamento
humanista ocidental. Entretanto,
estes movimentos como a citada
Rosa-Cruz e, mais tarde, a Maçonaria
Especulativa, necessitaram permanecer
ocultas, seus segredos
eram revelados somente aos iniciados. Uma maneira
inteligente de se manter a tradição iniciática e de manter sobre um véu de
sigilo os conhecimentos esotéricos.
Após
esta reflexão histórica, o texto faz uma pausa para apurar sobre o Hermetismo e
o movimento Rosa-Cruz no século XXI:
Nesta
óptica, o Bhagavad Gita
representa o primeiro impulso que confronta o homem com a necessidade de
libertar a sua mente da ilusão provocada
pelos sentidos; a
obra dos pré-socráticos separa
o mito do
pensamento racional; o Renascimento,
em cujo contexto se enquadra a Rosacruz Hermética, liberta
o pensamento, da superstição religiosa
abrindo assim caminho ao
nascimento do pensamento científico moderno;
a Rosacruz no século XXI, tem orientado os seus esforços
no sentido de conseguir a síntese definitiva entre a inteligência emocional e a
inteligência racional, permitindo a superação da contradição existente entre
elas, que está na origem da falta de pontes entre o mundo científico e o mundo
espiritual. (FREIJO, et al, 2012. p. 72).
A obra volta à História e analisa muitas das Artes,
ditas ocultas, cultivadas
por diversas civilizações
como a Astrologia,
a Alquimia, a Gnose
da escola de
Alexandria, sobre a Arábia Hermética, a Cabala Judaica e Cristã
entre outras.
Assim,
a História mostra os percursos históricos
em que se
desenvolveram as raízes
do hermetismo Rosa-Cruz, passando
pelo Renascimento, chegando com
analogia desta Ordem em outras
fraternidades iniciáticas como
a Maçonaria, a Teosofia, a
Antroposofia e o Martinismo.
A
conclusão é que esta importante
obra deseja trazer a tona que o misticismo que, muitas vezes, fora
desconsiderado pelos cientistas
modernos, descartando-o como indignos de estudo por “derivarem” de uma
época de superstição. Se enganam ao não notarem que, grande parte dos pilares da
nossa atual sociedade
ocidental se pautaram em homens que
divulgavam tais conhecimentos
exotéricos, e que
buscavam maior compreensão da realidade, contribuindo
para o nascimento dos
movimentos científicos sem os
enlaces da religião.
1 Marcel Henrique Rodrigues é graduado em
Psicologia pela Unisal. Membro da SBPC e da ABHR. Foi pesquisador, bolsista
Fapesp, na Universidade Católica Portuguesa de Lisboa. É autor do livro
"Maçonaria e Simbologia: Uma Análise do Preconceito Através da História e
da Psicologia". E-mail: marcel_symbols@hotmail.com
FONTE: RODRIGUES, Marcel Henrique. Resenha de publicação.
C&M. Brasília, vol. 2, n.2, p. 125-126, jul/dez, 2014.
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