Por Fernando Pessoa
Omnia fui, nihil
expedit.
Severus
Depus,
cheio de sombra e de cansaço,
As armas
da magia entre onde estão
Os livros
sacros com quem tive o laço
Que dá à
alma a Força e a Visão.
Ai, não
pude depor meu coração!
Quantos, com longo estudo e fiel vontade,
Tentam pisar as sendas do Poder,
Sem que sintam uma única verdade,
Sem que invocado espírito apareça,
Sem que o dominem, se é aparecido,
Sem que sintam, como eu, sobre a cabeça,
A coroa dos magos – ah, mas essa,
Se é de glória no nítido esplendor,
É de espinhos no íntimo sentido.Quão alto fui para o que todos são!
Quão
baixo para quanto quis em mim!
Vi e
toquei o que a outros é visão
Em
sombras ou desejos, vaga e escura,
Na
confusão da confusão sem fim.
Sou hoje
minha própria sepultura.
Tenho
deserto e alheio o coração.
Por mais
alto que o Mago suba e atinja
O
comércio com os Anjos, que há no Além,
E da cor
lívida do Além se tinja,
Que mais
que os outros, que aqui dormem, tem?
Se a
ilusão, os símbolos e a sombra
São o que
tudo rege, regerão
O mesmo além que o nosso esforço empana
Com que
de ilusão asi se ensombra.
Se tudo
que nos fala nos engana,
Por que é
que os Anjos não enganarão?
Vi Anjos,
toquei Anjos, mas não sei Se Anjos existem
Tal me achei ao fim
Desse
caminho de que regressei
E vi que
nunca sairei de mim.
Vã
ciência!, inda que
aqui, no rito certo,
Os Anjos
certos viessem à chamada,
Servos da
invocação que os trouxe perto,
Mestres
do templo que lhes foi a estrada.
Arte vã, porque tudo, inda que obtido,
Deixas as névoas que somos tais quais são,
Sem mais
que uma presença sem sentido,
Passando, como um cheiro, ou um ruído,
Nas
câmaras rituais de ilusão.
Anos e
anos de confusa ciência,
Lida e
relida até me ser meu ser,
Me
ergueram a submersa consciência
À superfície clara do querer.
Tracei os
signos certos, invoquei.
Obedeceram
Anjos ao que eu quis.
Nada sou,
nada fiz e nada sei.
Quantos
se orgulhariam do que eu fiz!
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Quem me
diz que não há um Senhor do mundo,
Um S'pírito que me ilude? Quem me
diz
Que, quanto mais o incógnito aprofundo,
Que, quanto mais o incógnito aprofundo,
Mais de
ilusão e de erro não me inundo?
Sei que, quanto maior, mais infeliz.
Sei que, quanto maior, mais infeliz.
Não há fe, nem ciência, nem certeza
No que sou eu pra mim. Vermes me minam
De outra, pior, mais negra natureza
Que os que ao Mestre destruem na atra vala.
Tudo me é escuro, inda que com destreza
Os caminhos da sombra me iluminam
As dez luzes divinas da Kabbalah.
No que sou eu pra mim. Vermes me minam
De outra, pior, mais negra natureza
Que os que ao Mestre destruem na atra vala.
Tudo me é escuro, inda que com destreza
Os caminhos da sombra me iluminam
As dez luzes divinas da Kabbalah.
Meus pés pisam a Câmara do Meio,
Minhas mãos tocam o que os Anjos são.
Já de onde estou branqueja o Limiar
Do íntimo Sacrário. Sinto o ar
Do silêncio ulterior tocar meu seio,
Do íntimo Sacrário. Sinto o ar
Do silêncio ulterior tocar meu seio,
E rasgam-se olhos no meu coração.
Mas o que é tudo isso, se isto não é nada?
Que sei eu disto, que bem pode ser
Aquela aérea, falsa e linda estrada
Que nos desertos se consegue ver?
Venci? Perdi-me? Não sei dizer.
Venci? Perdi-me? Não sei dizer.
Poder! Poder! Ah, sempre a maldição
Da substância do mundo! Quem me dera
Que me nascera no ermo coração
Da substância do mundo! Quem me dera
Que me nascera no ermo coração
Antes a ânsia de ser só mesquinho,
Antes um sono cheio de perdão,
E ser agora qual menino eu era,
Da verdade mais próximo vizinho.
Caminhei como os homens; sou como esse
Que viajou países por achar,
Que viajou países por achar,
E não achou mais neles do que houvesse
Na pátria onde se houve de apartar.
Tudo é aqui, mais mar ou menos mar.
Tudo é aqui, mais mar ou menos mar.
Ah, não é essa a Outra Coisa da alma,
Que ela do fundo incógnito que tem,
Anseia - a grande e verdadeira calma,
Sem querer nem poder, o Sumo Bem.
Com o escopro e o malhete do alcançar,
Quebrei a Pedra Cúbica do Altar
E a Pedra Cúbica se abriu em cruz.
Quebrara o Altar, então a mim quebrei,
Sobre o centro da Cruz me derramei.
Ali,
sacrificado, ou sacrifício,
Exausto,
nulo, senti meu enfim
Aquele
coração que era fictício.
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Consegui.
Paz profunda, meus Irmãos!
24-8-1933
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