Por
Fernando Pessoa
I
Quando,
despertos deste sono, a vida,
Soubermos
o que somos, e o que foi
Essa
queda até corpo, essa descida
Até
à noite que nos a Alma obstrui,
Conheceremos
pois toda a escondida
Verdade
do que é tudo que há ou flui?
Não:
nem na Alma livre é conhecida…
Nem
Deus, que nos criou, em Si a inclui
Deus
é o Homem de outro Deus maior:
Adam
Supremo, também teve Queda;
Também,
como foi nosso Criador,
Foi
criado, e a Verdade lhe morreu…
De
Além o Abismo, Sprito Seu, Lha veda;
Aquém
não há no Mundo, Corpo Seu.
II
Mas
antes era o Verbo, aqui perdido
Quando
a Infinita Luz, já apagada,
Do
Caos, chão do Ser, foi levantada
Em
Sombra, e o Verbo ausente escurecido.
Mas
se a Alma sente a sua forma errada,
Em
si que é Sombra, vê enfim luzido
O
Verbo deste Mundo, humano e ungido,
Rosa
Perfeita, em Deus crucificada.
Então,
senhores do limiar dos Céus,
Podemos
ir buscar além de Deus
O
Segredo do Mestre e o Bem profundo;
Não
só de aqui, mas já de nós, despertos,
No
sangue actual de Cristo enfim libertos
Do
a Deus que morre a geração do Mundo.
III
Ah,
mas aqui, onde irreais erramos,
Dormimos
o que somos, e a verdade,
Inda
que enfim em sonhos a vejamos,
Vemo-la,
porque em sonho, em falsidade.
Sombras
buscando corpos, se os achamos
Como
sentir a sua realidade?
Com
mãos de sombra, Sombras, que tocamos?
Nosso
toque é ausência e vacuidade.
Quem
desta Alma fechada nos liberta?
Sem
ver, ouvimos para além da sala
De
ser: mas como, aqui, a porta aberta?
Calmo
na falsa morte a nós exposto,
O
Livro ocluso contra o peito posto,
Nosso
Pai Rosacruz conhece e cala.
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