sábado, 2 de julho de 2022

RESENHA CRÍTICA DO DOCUMENTÁRIO “SAUDADES DO BRASIL”

 


Por João Florindo Batista Segundo

 

O documentário Saudades do Brasil, produzido pela TV Senado e lançado em 2005, nos apresenta em aproximadamente duas horas, parte da amplo conhecimento antropológico e acadêmico do antropólogo, filósofo e professor Claude Lévi-Strauss (1908-2009). Dirigido por Maria Maia, é um precioso registro de diversas tribos brasileiras e uma reconstituição das experiências pelas quais passou Strauss em início da carreira, no Brasil.

Vindo da França, o antropólogo chegou aqui em 1935, como integrante da segunda leva de professores europeus contratados para auxiliar na criação da Universidade de São Paulo (USP) e formar uma elite intelectual que se esperava comandar os destinos de São Paulo e do país pelos anos vindouros, a qual, todavia, teria por cabedal cultural as ciências e literatura europeias (ou seja, um pensar os problemas do Brasil sob a ótica de soluções estrangeiras).

Lévi-Strauss foi um dos fundadores da antropologia estrutural e aplicou o método estrutural da linguística no estudo de mitos, sistemas de parentesco e usos sociais. E como o antropólogo está sempre em busca do exótico, com o apoio do escritor Mário de Andrade, o professor Strauss organizou expedições ao Brasil central, visando entender simbologias e mentalidades indígenas das últimas tribos, tais como os Bororo, os Nambiquara e os Kadiweu, do que resultou o livro mundialmente famoso Tristes Trópicos (1955). Tal título advém da sensação que o antropólogo teve ao contemplar a Baía da Guanabara pela primeira vez: para ele, assemelhava-se a uma triste boca sem dentes; e essa visão triste o acompanhou ao longo de sua permanência no país.

Além de uma entrevista com o próprio Lévi-Strauss – na sua casa, em Paris, então aos 98 anos, lúcido e com uma invejável memória –, o documentário traz o depoimento de Antônio Cândido, Jean Malaurie (editor francês de Tristes Trópicos), líderes indígenas, além da participação especial de Caetano Veloso e da atriz Juliana Carneiro da Cunha.

Graças ao vídeo, a equipe de produção revisitou as aldeias onde esteve o casal Dina e Claude Lévi-Strauss e resgatou imagens de quatro décadas distintas para reconstituir, em áudio e vídeo, um ritual que é baluarte da cultura indígena mundial, que é a cerimônia do funeral Bororo.

O racionalismo francês arraigado no jovem Strauss foi aos poucos permitindo o acercamento da psicanálise – que desenredou os “mistérios” do inconsciente humano –, em seguida do marxismo – que acessou níveis fundamentais revestidos pela dinâmica histórico-social – e, por último, da geologia – que resgata períodos da história da Terra.

Permeado por flashes explicativos, o filme mostra como, vindo das simetrias da Europa, o antropólogo se deparou com cidades pujantes crescendo num ritmo assustador e contrastando com vizinhas áreas verdes, algumas das quais ainda habitadas pelos remanescentes povos indígenas. Os aspectos humanos do mito podem ser apreendidos das expedições e das cartas trocadas entre o casal Strauss, donde se percebe que as impressões que ele teve da “civilização brasileira” resultaram na transformação de sua antropologia do exótico em uma antropologia do humano.

Ao defender que somos o que vemos, mas não vemos as mesmas coisas e também somos vistos, Strauss implicitamente resguarda a complexidade e irredutibilidade de sua antropologia estrutural, considerando ainda que a etnografia se distingue da etnologia porque à primeira compete o levantamento da matéria-prima do conhecimento definitivo que será estruturado pela segunda, apoiada na construção de modelos, ainda que não haja uma relação hierárquica entre tais níveis de saberes.

 

REFERÊNCIA:

TV SENADO. Saudades do Brasil. Brasil, 2005. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=PK7Hh0hZzeE. Acesso em: 28 abr. 2020.

 

Disciplina: Pesquisa Etnográfica e Ciências das Religiões

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