quarta-feira, 27 de julho de 2022

NO PRINCÍPIO

 


II. 10

 

Por Boécio

 

Felizes os homens de outras eras!
Eles se contentavam com os frutos que a Terra lhes dava:
Não se perdiam a troco de um luxo dispensável
E eram pacientes em seu apetite
Até que a Natureza os satisfizesse.
Eles não sabiam ainda misturar
Os dons de Baco com o puro mel
Nem impregnar os tecidos da Índia
De corantes tírios.
O campo fornecia um sono reparador.
As águas límpidas forneciam a bebida,
E o enorme pinheiro, a fresca sombra.
Eles não atravessavam os mares profundos
Nem vendiam por todo o lado mercadorias.
Não desembarcavam como estrangeiros em costas inexploradas.
Naquele tempo, a trompa guerreira era muda,
Não havia nenhum violento que semeasse
Sangue e medo nos campos.
Nenhum inimigo era louco
A ponto de provocar combates
Nem ameaças de feridas cruéis
Sem recompensa pelo sangue vertido.
Ah! Se nosso tempo ao menos
Voltasse aos antigos costumes!
Mas não! Mais ávido que o Etna
Ferve o desejo feroz de possuir!
Maldito seja o primeiro
Que desenterrou os tesouros escondidos
E as pedrarias que gostariam de continuar
Ocultas – cúmplices do crime.


REFERÊNCIA:
BOÉCIO. A consolação da filosofia. Marc Fumaroli (prefácio); Willian Li (tradução). 2. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012. p. 41-42.

Um comentário: