Carta
de Jean-Baptiste Willermoz a Jean de Turkeim, em resposta às dúvidas deste
sobre o “Tratado da Reintegração dos Seres”, de Martinez de Pasqually:
“Lyon,
24 de março de 1822,
“O Tratado da Reintegração dos Seres é um
obstáculo para a multidão de leitores superficiais e frívolos que se
multiplicam por toda parte há algum tempo, sobretudo na Alemanha, onde se
costuma mais do que em outros países julgar as coisas mais graves pela superfície.
O autor havia destinado sua obra apenas aos Reais ou àqueles que se mostravam
mais próximos de se o tornarem. Sua morte e a daqueles que dispunham das cópias
mudou o destino da obra. Elas caíram em mãos estranhas e produziram muitos
efeitos lastimáveis; uma delas chegou até você. Deus assim o quis ou permitiu.
Saiba aproveitá-la.
“Não
comece a leitura se você não puder segui-la diariamente e assuma o dever
rigoroso de lê-lo diária e ininterruptamente; caso isso não dependa de você,
aguarde mais dez anos, se necessário, para começá-lo. Após haver feito uma
primeira leitura integral, comece imediatamente uma segunda, mesmo sem se
aprofundar muito nas dificuldades ou obscuridades que não houver captado. Após
essa segunda leitura, faça também uma terceira e perceberá então que avançou
bastante o seu trabalho e que aquilo que você adquiriu por si mesmo permanecerá
mais solidamente gravado do que se o houvesse recebido por explicações verbais,
que sempre se apagam parcialmente.É preciso ainda, antes de tudo, questionar-se
e investigar com quais intenções você se abandona a esse desejo e ao trabalho
penoso que se seguirá.
“Você
logo reconhecerá em si um motivo duplo: no primeiro – o mais natural de todos –
o de adquirir e aumentar a sua própria instrução. Entretanto, não se insinuará
um pouco dessa curiosidade inquieta do espírito humano, que quer tudo conhecer,
tudo comparar e tudo julgar de sua própria luz e que, dessa forma, envenena
todo fruto de suas buscas? No segundo, o de poder se tornar mais útil para os
seus semelhantes, que é o mais louvável de todos aparentemente, uma vez que
penetra no exercício da caridade cristã tão recomendada a todos. Contudo, caso
tenha considerado aplicá-la a esta ou aquela pessoa, sociedade ou localidade,
tenha cautela, pois muitas vezes o amor próprio se insinua insidiosamente por
trás de motivos tão louváveis, altera sua pureza e corrompe todos os frutos.
Reconheci como sendo o mais certo se concentrar sem escolha pessoal na multidão
de homens preparados pela Providência, que os colocará assim preparados com
relação a você quando o tempo deles chegar. É na multidão assim disposta que se
encontrará em sua plenitude e sem perigo o exercício dessa caridade cristã tão
recomendada.
“Imponha
a si mesmo, antes de começar sua primeira leitura, um plano regular,
determinado para cada dia e bem meditado, prevendo os obstáculos acidentais ou
cotidianos que poderão aparecer; uma regra fixa, mas livre enquanto durar, da
qual você não se permitirá escapar, de modo que cada dia tenha seu tempo
consagrado a essa leitura até o fim do Tratado.
Entregue-se então a ela com todo o seu coração e com toda a atenção de que sua
mente for capaz, afastando cada distração.
“Faço
aqui distinção entre a mente e o coração porque são duas potências ou
faculdades intelectuais que não devem ser confundidas. A mente vê, concebe,
raciocina, compõe, discute e julga tudo o que lhe é submetido. O coração sente,
adota ou rejeita e não discute. É por essa razão que eu jamais deixei de pensar
que o homem primitivo puro – que não precisava do sexo reprodutivo de sua
natureza, uma vez que nem ele nem todos os seus ainda não estavam condenados à
incorporação material, que consiste hoje o seu suplício e castigo – possuía duas
faculdades intelectuais inerentes ao seu ser, as quais eram verdadeiramente os
dois sexos figurativos reunidos em sua pessoa – mencionados no Gênese – cujas
expressões foram tão completamente materializadas pelos tradutores e
intérpretes nos capítulos seguintes, de tal sorte que é quase impossível
conhecer neles qualquer verdade fundamental. Pela inteligência cuja sede está
necessariamente na cabeça, ele poderia – como ainda pode – conhecer e adorar
seu Criador; e pela sensibilidade que existe nele – o órgão do amor –, cuja
sede principal está no coração, ele poderia amá-Lo e servi-Lo, o que completaria
o culto de adoração, de amor e de gratidão que ele lhe deveria em espírito e
verdade.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário