A morte de Sócrates (Jacques-Louis David, 1787)
Por
Arthur Diego de Sousa Oliveira e João Florindo Batista Segundo
O
presente tem como finalidade discorrer sobre as ideias dos filósofos Platão (428/427
a.C – 348/347 a.C.) e Sócrates (469 a.C. - 399 a.C.) tendo como base o primeiro
capítulo do livro Fédon, escrito pelo primeiro, fazendo um paralelo com os
conceitos filosóficos encontrados no filme “Matrix” (EUA e Austrália, 1999), escrito
e dirigido pelos irmãos Wachowski.
O
livro é apresentado em forma de diálogo, sendo narrado por Fédon, a fim de
descrever para Equécrates as últimas horas de vida de Sócrates na prisão e do
que se falou nessa ocasião.
Antes
de tudo é necessário entendermos os motivos que levaram este grande filósofo ao
julgamento e consequentemente a tal condenação. Sócrates foi condenado à morte
sob alegação de impiedade e corrupção da juventude; isto se deu a partir de
duas denúncias: a primeira por Aristófanes, declarando que Sócrates instigava
os jovens a desprezar a tradição política da cidade e também que ele
desfavorecia a tradição religiosa; a segunda, feita por Meleto, afirmava que
Sócrates cometia delitos, não considerando os deuses da tradição e querendo
introduzir novos, criados por ele próprio.
Quanto
ao filme “Matrix”, o personagem Thomas A. Anderson, que no mundo virtual
utiliza o codinome Neo (interpretado por Keanu Reeves) começa a duvidar da
realidade, ou seja, passa a ter pensamentos contrários ao código imposto na “realidade
Matrix” e comunica suas opiniões através da internet, pelo que começa a ser
perseguido por agentes (cujo aspecto é semelhante aos do FBI).
Sócrates
deixou bem claro que seu objetivo não era corromper a juventude, mas levá-la à
prática da virtude e à procura dos mais altos valores morais, nem tampouco era
propriamente inimigo da tradição, mas tratava de adequá-la às exigências de uma
maior racionalidade. Já Neo queria apenas conhecer a realidade das coisas.
O diálogo
de Fédon e Equécrates se fundamenta a partir da curiosidade do segundo sobre a
morte de seu mestre. A tranquilidade com que Sócrates encara sua sentença de
morte – hora pelo fato de acreditar em um ser perfeito (dentro do conceito do
mundo das ideias), hora por se resignar perante a decisão da sociedade – é
perturbadora, tanto que chama a atenção de todos os seus discípulos. Ele
sente-se feliz por sua morte, alegando que isso servirá de libertação para sua
alma. Sócrates faz paralelo entre prazer e dor, afirmando que ambas são
inseparáveis, sendo que se o homem chegar ao prazer, posteriormente também irá
provar da dor. Ele relaciona o prazer à sua morte e a dor às correntes que o
prendia.
No
prólogo, encontraremos Sócrates afirmando a Cebes que a motivação que ele teve
de escrever músicas estava relacionada aos seus sonhos, uma vez que estes o
induziam à dedicação, fazendo com que ele mudasse sua concepção de que não
existia música mais excelente do que a filosofia. O personagem Neo de “Matrix”,
também induzido por seus sonhos, começa a buscar a verdade do ser e passa a
duvidar do que conhece, mudando também suas concepções.
No
primeiro capítulo da obra, Sócrates apresenta suas ideias sobre a vida e morte
e como o filósofo deve encarar tudo isso. Logo no início, os discípulos começam
a questioná-lo sobre a indagação que ele fez da lei, onde afirma que o suicídio
não é lícito. Se Sócrates aparenta ter esta posição, por que ele sendo um
filósofo, amante da sabedoria, escolhe morrer? Não seria uma grande falha? Ou
será que ele estava desiludido com a filosofia?
Esses questionamentos geram perturbação e nos deixam ainda mais
reflexivos.
Sócrates
não estava desenganado com a filosofia e ele justifica sua posição. Para
iniciamos, ele faz a seguinte meditação: não se pode querer a morte mesmo que
tenha motivos, por que os homens estão numa espécie de cárcere, submissos aos
deuses, eles são quem decidem sobre a vida e a morte, pois os homens são suas
propriedades. A partir disso gera uma discussão. Se o suicídio é proibido, por
que o filósofo deve querer a morte? Sócrates diz que agiria mal se não se
indignasse com a morte, caso não tivesse plena razão; pois ele acredita que ao
passar por ela, o mesmo irá para a companhia de deuses sábios e bons e para
junto de homens que morreram e que são melhores do que os daqui.
Essa
ideia teve grande influência na construção do pensamento cristão (desenvolvido
nos próximos séculos), pois a crença é de que os homens convictos de sua fé, ao
passo que morrem, vão para a companhia de Deus e dos homens justos (Paraíso). O
pensamento socrático era de que existia alguma coisa além da morte e que a
julgar que o homem que dedicou sua vida à filosofia, deveria ter entusiasmo no
período da morte e expectativa de adquirir além da morte uma felicidade única.
Ou seja, o homem só conseguiria chegar à verdade, à pureza e à felicidade por
meio da morte. Ela é passagem para o mundo perfeito. Nisto ele limita o
trabalho do filósofo a se ocupar em maior tempo possível em meditar sobre a
separação da alma do contato com o corpo.
Outra
ideia apresentada é de que o corpo é visto como um obstáculo que impede a alma
de atingir a sabedoria. Os filósofos não se entregam aos prazeres do corpo,
centraliza a alma em si própria, habilitando-a para permanecer isolada e
liberta da influência do corpo; o corpo impede o alcance à sabedoria; deve-se
manter uma rigidez que o faça dispensar tudo o que for possível; os seus
interesses nada têm a ver com o corpo; concentra a sua atenção no
aperfeiçoamento da alma; só se atinge a verdade pelo raciocínio, não há verdade
no conhecimento dos sentidos. Sócrates chama o corpo de mau companheiro.
Se
Neo tivesse se entregado completamente à sua realidade, ele nunca teria forças
para buscar a verdade das coisas. Talvez fosse mais um acomodado com os
prazeres superficiais que a “Matrix” proporcionava e nunca teria chegado ao
conhecimento verdadeiro. O corpo nos torna impotente para discernir a verdade.
Se desejarmos ter o conhecimento puro de uma coisa, devemos nos separar dele e isso
só acontece por meio da morte. Neo de fato teve que “morrer” no mundo
virtual para chegar ao mundo real.
O filósofo
que deseja chegar à verdade e à sabedoria deve querer a morte; se caso isso não
acontecesse, ele cometeria uma grande contradição, pois ele volta toda a sua
consideração na desarmonia com o corpo e tem o desejo de estar com a própria
alma, e somente com a morte isso se torna possível. A morte não só é o caminho
para a verdade, mas também para alcançar outras virtudes: prudência, justiça,
fortaleza e temperança. Igualmente, é à beira da morte que Anderson descobre
que é Neo e consegue entender o mundo à sua volta e como utilizar a sua vontade
para superar as dificuldades que encontra diante de si: no caso, enfrentar os
agentes, dos quais os demais personagens sempre fugiam.
Enfim,
para Sócrates, a morte seria a única forma de o homem chegar ao conhecimento
absoluto das coisas. Só através dela que a sua alma se libertaria do cárcere do
corpo que o privaria da perfeição pelo fato de ser corrupto e passaria a
contemplar a verdadeira sabedoria. E quanto a “Matrix”, observa-se que os
autores beberam de muitas fontes, inclusive da filosófica, com ênfase em Platão,
o que fica mais claro no diálogo de Neo com o Arquiteto no segundo episódio da
trilogia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário