sábado, 20 de abril de 2013

ANÁLISE COMPARATIVA DO PRIMEIRO CAPÍTULO DE “FÉDON” COM O FILME “MATRIX”

A morte de Sócrates (Jacques-Louis David, 1787)



Por Arthur Diego de Sousa Oliveira e João Florindo Batista Segundo


O presente tem como finalidade discorrer sobre as ideias dos filósofos Platão (428/427 a.C – 348/347 a.C.) e Sócrates (469 a.C. - 399 a.C.) tendo como base o primeiro capítulo do livro Fédon, escrito pelo primeiro, fazendo um paralelo com os conceitos filosóficos encontrados no filme “Matrix” (EUA e Austrália, 1999), escrito e dirigido pelos irmãos Wachowski.

O livro é apresentado em forma de diálogo, sendo narrado por Fédon, a fim de descrever para Equécrates as últimas horas de vida de Sócrates na prisão e do que se falou nessa ocasião.

Antes de tudo é necessário entendermos os motivos que levaram este grande filósofo ao julgamento e consequentemente a tal condenação. Sócrates foi condenado à morte sob alegação de impiedade e corrupção da juventude; isto se deu a partir de duas denúncias: a primeira por Aristófanes, declarando que Sócrates instigava os jovens a desprezar a tradição política da cidade e também que ele desfavorecia a tradição religiosa; a segunda, feita por Meleto, afirmava que Sócrates cometia delitos, não considerando os deuses da tradição e querendo introduzir novos, criados por ele próprio.

Quanto ao filme “Matrix”, o personagem Thomas A. Anderson, que no mundo virtual utiliza o codinome Neo (interpretado por Keanu Reeves) começa a duvidar da realidade, ou seja, passa a ter pensamentos contrários ao código imposto na “realidade Matrix” e comunica suas opiniões através da internet, pelo que começa a ser perseguido por agentes (cujo aspecto é semelhante aos do FBI).

Sócrates deixou bem claro que seu objetivo não era corromper a juventude, mas levá-la à prática da virtude e à procura dos mais altos valores morais, nem tampouco era propriamente inimigo da tradição, mas tratava de adequá-la às exigências de uma maior racionalidade. Já Neo queria apenas conhecer a realidade das coisas.

O diálogo de Fédon e Equécrates se fundamenta a partir da curiosidade do segundo sobre a morte de seu mestre. A tranquilidade com que Sócrates encara sua sentença de morte – hora pelo fato de acreditar em um ser perfeito (dentro do conceito do mundo das ideias), hora por se resignar perante a decisão da sociedade – é perturbadora, tanto que chama a atenção de todos os seus discípulos. Ele sente-se feliz por sua morte, alegando que isso servirá de libertação para sua alma. Sócrates faz paralelo entre prazer e dor, afirmando que ambas são inseparáveis, sendo que se o homem chegar ao prazer, posteriormente também irá provar da dor. Ele relaciona o prazer à sua morte e a dor às correntes que o prendia.

No prólogo, encontraremos Sócrates afirmando a Cebes que a motivação que ele teve de escrever músicas estava relacionada aos seus sonhos, uma vez que estes o induziam à dedicação, fazendo com que ele mudasse sua concepção de que não existia música mais excelente do que a filosofia. O personagem Neo de “Matrix”, também induzido por seus sonhos, começa a buscar a verdade do ser e passa a duvidar do que conhece, mudando também suas concepções.

No primeiro capítulo da obra, Sócrates apresenta suas ideias sobre a vida e morte e como o filósofo deve encarar tudo isso. Logo no início, os discípulos começam a questioná-lo sobre a indagação que ele fez da lei, onde afirma que o suicídio não é lícito. Se Sócrates aparenta ter esta posição, por que ele sendo um filósofo, amante da sabedoria, escolhe morrer? Não seria uma grande falha? Ou será que ele estava desiludido com a filosofia?  Esses questionamentos geram perturbação e nos deixam ainda mais reflexivos.

Sócrates não estava desenganado com a filosofia e ele justifica sua posição. Para iniciamos, ele faz a seguinte meditação: não se pode querer a morte mesmo que tenha motivos, por que os homens estão numa espécie de cárcere, submissos aos deuses, eles são quem decidem sobre a vida e a morte, pois os homens são suas propriedades. A partir disso gera uma discussão. Se o suicídio é proibido, por que o filósofo deve querer a morte? Sócrates diz que agiria mal se não se indignasse com a morte, caso não tivesse plena razão; pois ele acredita que ao passar por ela, o mesmo irá para a companhia de deuses sábios e bons e para junto de homens que morreram e que são melhores do que os daqui.

Essa ideia teve grande influência na construção do pensamento cristão (desenvolvido nos próximos séculos), pois a crença é de que os homens convictos de sua fé, ao passo que morrem, vão para a companhia de Deus e dos homens justos (Paraíso). O pensamento socrático era de que existia alguma coisa além da morte e que a julgar que o homem que dedicou sua vida à filosofia, deveria ter entusiasmo no período da morte e expectativa de adquirir além da morte uma felicidade única. Ou seja, o homem só conseguiria chegar à verdade, à pureza e à felicidade por meio da morte. Ela é passagem para o mundo perfeito. Nisto ele limita o trabalho do filósofo a se ocupar em maior tempo possível em meditar sobre a separação da alma do contato com o corpo.

Outra ideia apresentada é de que o corpo é visto como um obstáculo que impede a alma de atingir a sabedoria. Os filósofos não se entregam aos prazeres do corpo, centraliza a alma em si própria, habilitando-a para permanecer isolada e liberta da influência do corpo; o corpo impede o alcance à sabedoria; deve-se manter uma rigidez que o faça dispensar tudo o que for possível; os seus interesses nada têm a ver com o corpo; concentra a sua atenção no aperfeiçoamento da alma; só se atinge a verdade pelo raciocínio, não há verdade no conhecimento dos sentidos. Sócrates chama o corpo de mau companheiro.

Se Neo tivesse se entregado completamente à sua realidade, ele nunca teria forças para buscar a verdade das coisas. Talvez fosse mais um acomodado com os prazeres superficiais que a “Matrix” proporcionava e nunca teria chegado ao conhecimento verdadeiro. O corpo nos torna impotente para discernir a verdade. Se desejarmos ter o conhecimento puro de uma coisa, devemos nos separar dele e isso só acontece por meio da morte. Neo de fato teve que “morrer” no mundo virtual para chegar ao mundo real.

O filósofo que deseja chegar à verdade e à sabedoria deve querer a morte; se caso isso não acontecesse, ele cometeria uma grande contradição, pois ele volta toda a sua consideração na desarmonia com o corpo e tem o desejo de estar com a própria alma, e somente com a morte isso se torna possível. A morte não só é o caminho para a verdade, mas também para alcançar outras virtudes: prudência, justiça, fortaleza e temperança. Igualmente, é à beira da morte que Anderson descobre que é Neo e consegue entender o mundo à sua volta e como utilizar a sua vontade para superar as dificuldades que encontra diante de si: no caso, enfrentar os agentes, dos quais os demais personagens sempre fugiam.

Enfim, para Sócrates, a morte seria a única forma de o homem chegar ao conhecimento absoluto das coisas. Só através dela que a sua alma se libertaria do cárcere do corpo que o privaria da perfeição pelo fato de ser corrupto e passaria a contemplar a verdadeira sabedoria. E quanto a “Matrix”, observa-se que os autores beberam de muitas fontes, inclusive da filosófica, com ênfase em Platão, o que fica mais claro no diálogo de Neo com o Arquiteto no segundo episódio da trilogia.




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