Por
Tobias Churton
A
maior influência na vida do ritualista maçônico Willermoz, sem dúvida, foi a
mente extraordinária de “Don Martines Pasqually”, como ele próprio assinava
(seu verdadeiro nome era e continua a ser uma questão duvidosa). Contudo, o
sistema de crença de Pasqually, embora possa ser classificado como
“paramaçônico”, não pode ser chamado “rosa-cruz”. Entretanto, seu pensamento
era, em certos aspectos, inconcebível sem que a mitologia e a tradição
rosa-cruz existissem antes e na sua época, enquanto que ele próprio continuaria
a influenciar o que, posteriormente, passou sob o nome e descrição de
“rosa-cruz”. Por essa razão, Pasqually não pode ser ignorado.
Sua
fama reside principalmente por ter fundado uma Ordem dos Élus Coëns
["Sacerdotes Eleitos"], em 1765, ano em que Willermoz completou seu
ritual Rose-Croix, cuja confluência de datas atesta a notável quantidade de
atividade concertante paramaçônica existente nesse período.
Os
Eleitos Coëns não foram a primeira incursão criativa de Pasqually no ritual
teosófico. Em 1754, ele fundou um Chapitre des Juges Écossais (”Capítulo de
Juízes Escoceses”) em Montpellier, a cidade que Haslmayr tentou alcançar antes
de ser condenado às galés em 1612, quando estava em busca de um irmão
rosa-cruz. A palavra “Escocês” refere-se à crença nos círculos maçônicos
franceses de que a autêntica Maçonaria vinha da Escócia, pois as Lojas
estabeleceram-se na França sob a égide de jacobitas exilados (partidários da
dinastia Stuart na Grã-Bretanha).
Entre
1762 e 1772, Pasqually estava baseado em Bourdeaux, onde Morin também viveu até
sua partida para as Índias Ocidentais em 1763. Em 1765, Pasqually formou um
“Templo Coën”, chamado Les Élus Écossais ["Os Eleitos Escoceses"],
que, no ano seguinte, tornou-se a Ordre des Chevaliers Maçons Élus Coëns de
l’Univers, a Ordem dos Cavaleiros Maçons Eleitos Sacerdotes do Universo.
Pasqually estava “pensando grande”.
A
garantia para essa grandiosa criação era uma tradução feita por Pasqually de
uma “constituição e patente”, que, segundo ele, fora concedida a seu pai, em 20
de maio de 1738, por “Charles Stuard [sic], Rei da Escócia, Irlanda e
Inglaterra, Grão-Mestre de todas as Lojas sobre a superfície da Terra”. Esse
documento pode ou não ter sido apócrifo. O uso do nome Charles Stuart era,
certamente, uma referência a Bonnie Prince Charlie, que, posteriormente,
apareceria na história contada pelo barão alemão Von Hund, que vocês conhecerão
logo abaixo, sobre como ele obteve um rito templário da mesma origem real. É
fato bastante comprovado que os jacobitas exilados usaram a Maçonaria como um
sistema de apoio, mas não se sabe se o pretendente ao trono britânico estava
envolvido.
A
data de 1738 é interessante, pois foi neste ano que a Grande Loja dos Maçons
Livres e Aceitos de Londres produziu seu novo livro de Constituições. É
possível que houvesse aqui uma tentativa de os maçons “escoceses” (ou melhor
franceses) de “ordens superiores” superarem o ás de Londres com um apelo à
autoridade ausente e superior. A cavalaria maçônica era melhor quando concedida
por um rei, naturalmente. Seria preciso apenas combinar a Escócia com as lendas
recém-cunhadas dos “templários exilados” para lançar uma nova estrutura
mitológica. Essa estrutura estava, inevitavelmente, amarrada à mística da
Rose-Croix e persiste até os dias de hoje.
Pasqually
aparentemente servira em um regimento escocês na Espanha (tinha descendência
hispano-judaica) e foi entre os militares que ganhou seus primeiros recrutas,
que, por acaso, eram católicos romanos (outro soco no olho da Maçonaria
“Regular”). Foi através da Loja militar Josué que Louis-Claude de Saint-Martin
conheceu o notável Pasqually (Saint-Martin fora designado à Foix Infanterie).
Entre
1766 e 1767, muitos foram admitidos na ordem de Pasqually, incluindo Willermoz.
É estranho que os três mais fecundos colaboradores da Maçonaria Teosófica
radical com nuances rosa-cruz todos se conheceram: Pasqually, Willermoz e
Saint-Martin. Sua influência agregadora tem sido imensa, em certos círculos continentais.
Pasqually
usou a Maçonaria como estrutura, mas principalmente por uma questão de
conveniência histórica. Embora fosse em parte um judeu convertido, Pasqually
era genuinamente cristão, mas, até onde se saiba, pertencia a um ramo do
Cristianismo que se pensava estar extinto: o Cristianismo Judaico. O
conhecimento dessa tradição especial chegou a Pasqually, disse ele, por
sucessão. Ele obteve esse conhecimento do pai.
Pasqually
promoveu seu próprio sistema teosófico, que gozou de imensa influência.
Willermoz, por exemplo, chegou a considerá-lo a essência da Maçonaria e
Saint-Martin - que tinha muitas ideias próprias - submeteu-se à fonte peculiar
de inspiração espiritual de Pasqually. A ideia de uma transmissão secreta de
conhecimento elevado harmonizava-se com a mitologia do Rosacrucianismo, como
também seu foco em Cristo.
No
final do século, a crença seria de que, seja o que inspirara o sábio Christian
Rosenkreuz, também inspirara a teosofia de Pasqually e Saint-Martin; as obras
de cada um deles - junto com as de Jacob Böehme - podiam ser lidas in tandem, e
como reforços mútuos a uma poderosa força da Maçonaria teosófica e oculta. Cada
vez mais curioso, talvez fosse o comentário de Andreae.
Pasqually
afirmou que seu ensinamento vinha diretamente da Sabedoria Celestial e, com tal
autoridade, escreveu Treatise on Reintegration ["Tratado da
Reintegração"]. Pasqually declarou que, embora o homem tenha sido criado à
semelhança de Deus, ele agora estava em um estado de “ruptura” com Deus, um estado
de “privação”, de separação de Deus. Pasqually afirmava que, no entanto, isso
não era o fim da questão. O Homem ainda podia, quando reconciliado, retornar a
seu estado original. Esse retorno envolvia uma gnose judaico-cristã, sobre a
qual disse: “Devo relembrar aos homens, companheiros, de seu primeiro estado
maçônico, que é dizer espiritualmente homem ou alma, de forma a fazê-los ver
verdadeiramente que são na verdade homem-deus, sendo criados à imagem e
semelhança desse Todo-Poderoso Ser” (carta a Willermoz, 13 de agosto de 1768).
Alguns leitores podem considerar essa promessa um tanto pobre de veemência.
Como se conseguia ficar tão inspirado com a ideia de serem reconciliadas com
Deus? Não é isso o que os evangélicos pregam?
Bem,
não exatamente. O homem do século XVIII vivia em um universo mental muito
diferente do nosso. Podemos imaginar, por exemplo, que republicanos e
democratas americanos hoje se sentissem um tanto estranhos, talvez até um pouco
desconfortáveis, se tivessem de passar algumas horas ouvindo os discursos de
Benjamin Franklin. Ele poderia parecer muito diferente ao vivo do que haviam
imaginado. Suas suposições, linguagem e clímax da conversa seriam muito
estranhos ao ouvido moderno.
Em
suma, a opinião amplamente arraigada do homem do século XVIII era, em geral, de
que o Homem era um ser caído. O relacionamento principal com seu criador era
tenso e difícil; o que o tornava fundamentalmente inseguro se as asas da
salvação parecessem débeis. Os protestantes eram encorajados a ter um
relacionamento pessoal com seu salvador, mas o pensamento da época poderia
tornar isso difícil. Aos católicos, ensinava-se que era bem mais fácil
desagradar a seu criador do que ganhar ou estar receptivo às graças que
poderiam salvar-lhes a alma. De qualquer forma, o homem estava muito longe do
que Deus queria que ele fosse. Havia um abismo entre o que o homem era e como
deveria ser. Pecado e inferno eram próximos e a ignorância não era desculpa.
Hoje
em dia, a maioria das pessoas herdou um conceito “naturalista” do ser humano.
Elas são capazes de se ver até bastante superiores, em alguns aspectos, com o
resto do mundo natural, mas ainda parte fundamental dele. Outros acreditam que
não vivemos à altura de nosso lugar na ordem natural e somos, desse modo, como
um déficit ecológico global. Esses são extremos e a maioria das pessoas
encontra-se no meio-termo. Pensamos ser mais ou menos o que estamos destinados
a ser; podíamos ser melhores e provavelmente deveríamos. Mas somos seres
humanos no sentido orgânico pleno do termo; nosso corpo e alma (se acreditarmos
neles) estão bem amarrados.
Isso
era apenas um sonho para a maioria, no século XVIII. Quando encontraram algo
parecido nos mares do sul, imediatamente pensaram no Éden, e no estado anterior
ao pecado original. Para eles, o homem como criatura orgânica finita não era o
que Deus tinha verdadeiramente pretendido. Rousseau poderia objetar, mas não
era bom sonhando com a bucólica arcádia, cantando as virtudes da vida
campestre, enquanto a peste grassava e a morte rondava na esquina. Corrupção e
morte não foram removidas da vista. Corrupção e morte, decadência, a condição
lamentável e desprezível do homem era visível a todos que não tinham condições
de retratar a paisagem campestre de sua terra à maneira dos poetas gregos. A
vida era pútrida e fétida, e todos os seres, não importa a aparência, cedo ou
tarde sucumbiriam a esse estado. A queda do homem era fato e os indícios
estavam por toda a parte.
Como
poderia ele ser salvo? Seria possível confiar apenas na Igreja, ou havia uma
consciência maior, uma centelha de luz divina, que exigia a própria vontade e
concentração? Como salvar a pérola da imagem de Deus no homem do lodo que o
cercava?
Pasqually
oferecia um caminho que afirmava ter sempre existido mas que, agora estava
disponível, sob nova forma mais adequada à época. No sistema de Pasqually,
havia quatro classes de graus, além dos graus do ofício. A terceira era a
Classe do Templo com os graus: Grande Arquiteto, Cavaleiro do Oriente (ou
Grande-Eleito de Zorobabel), Comandante do Oriente (ou Aprendiz Réau-Croix).
Este último abria os portões à Quarta classe: o grau de Réau-Croix, que era uma
classe em si. Havia sete graus porque havia sete dons do espírito.
Avançando
através dos sete graus, o Sacerdote-Eleito estaria apto a entrar em um culto
cerimonial, uma teurgia que envolvia invocações mágico-espirituais, ativando
energias divinas. Havia também uma liturgia para invocar “seres espirituais e
inteligentes” (anjos).
É
preciso lembrar que, para Pasqually, a palavra mason ["maçom"] era
sinônima de “homem”. Todos os homens estão envolvidos na obra da construção, ou
são “trabalhadores da vinha”. Ser homem é ter potencial criativo. A arquitetura
é apenas um aspecto disso e não se devia tomar o símbolo literal ou
especificamente demais, como é comum no oficio.
O
primeiro Homem foi o Rei-Sacerdote do Universo. Daí, tornou-se pessoal,
preocupado apenas consigo mesmo. A reconciliação pode torná-lo de novo um ser
universal. O sistema de Pasqually era basicamente uma ordem religiosa,
observada com preces e restrita às almas que não esteja em desacordo com a
“verdadeira Igreja”. Seu sistema oferecia uma experiência de reconciliação com
Deus e consciência de um ser superior, não meramente a teologia ou sua promessa
ocasional. Seu objetivo era expandir a alma e a mente.
Pasqually
escreveu que a Teurgia era “uma cerimônia e uma regra de vida que permite a
invocação do Eterno em santidade”.
Era
possível que coisas estranhas acontecessem nas câmaras onde o ritual teúrgico
se desenrolava. Manifestações curiosas de atividade aparentemente sobrenatural
que ocorriam na câmara de operação chamavam-se “passes” ou “glifos divinos”.
Estes não deveriam causar distração aos operadores, mas, dizia Pasqually,
deveriam ser considerados sinais de que a “reconciliação” avançava. O “passe”,
portanto, era uma manifestação do que Pasqually estava apto a chamar La Chose
["a Coisa"], que nada mais era que a Sabedoria personificada - a
divina Sofia.
De
acordo com o especialista em Martinismo Robert Amadou, “a Coisa não é a pessoa
de Jesus Cristo (…), a Coisa é a presença de Jesus Cristo”, exatamente como o
Shekinah (ou glória) era a presença de Deus no Templo.
Pasqually
oferecia um culto de expiação, purificação, reconciliação e santificação. Como
tal, era uma espécie de resposta católica ao Rosacrucianismo protestante, ou
até uma versão deste. De qualquer forma, as correntes agora, graças a
Pasqually, estavam entrelaçadas. Como diz Saint-Martin: “Este homem
extraordinário é o único que não consegui entender”.
O
que Andreae teria pensado sobre ele daria um interessante estudo.
Barão
Karl Gotthelf von Hund (1722-1776) O barão Von Hund afirmava ter sido iniciado
em uma linhagem única da Maçonaria, estimulado por Charles Edward, pretendente
Stuart ao trono britânico. Certamente, era de interesse dos jacobitas fazer
oposição à Maçonaria anti-Stuart, dominada pelos liberais hanoverianos da
Grande Loja de Londres e imaginar um ramo superior do ofício.
A
mitologia envolvida para estabelecer esse pretexto provinha de duas fontes principais.
A primeira, a crença do maçom jacobita, Andrew Michael “Chevalier” Ramsay,
emitida pela primeira vez em 1736, de que a Maçonaria renascera na Europa por
ordens cavaleirescas durante o período das cruzadas e, depois, o persistente
mito das origens patriarcais antediluvianas da Maçonaria, aliado à dinâmica
“rosa-cruz” dos mistérios sagrados, trazidos do Oriente pelos
cavaleiros-peregrinos. Desse modo, pensava-se que a “Maçonaria” pura
desempenhava um papel na restauração da unidade primitiva da humanidade. Essa
ideia elevada tinha ressonância com a noção de reconciliação e restauração da
perfeição adâmica do homem, preconizada por Pasqually.
Em
sintonia com a natureza exaltada da missão maçônica “superior”, Von Hund criou
o Rito da “Estrita Observância”. A virtude da Estrita Observância era a de ser
a continuação de uma ordem secreta de cavaleiros templários, que, por alguma
razão, sobrevivera à supressão papal em 13 de abril de 1312.
É
provável que a Escócia tenha oferecido abrigo aos cavaleiros sobreviventes, e
seus segredos estavam agora astuciosamente guardados em Lojas maçônicas e
alimentados pelas virtudes cavalheirescas dos aristocratas e monarcas
escoceses. Desse modo, a Grande Loja de Londres - e a Maçonaria exportada dali
à Alemanha e à França - não tinha os verdadeiros segredos. Havia uma mistura
intrigante entre a necessidade de segredos com as fantasias sobreviventes da
fraternidade oculta rosa-cruz, dando à Estrita Observância e semelhantes ordens
posteriores sua peculiar matriz de “Maçonaria Cavalheiresca” com pitadas de
devoção mística cristã “rose-croix” mais profunda e gnóstica. Era uma bebida
rica e inebriante, servida como antídoto aos rigores bastante tediosos da
chamada Era da Razão.
Com
sempre se observou, uma falsa ideia é um fato real. Para o crente, acreditar na
mentira pode não torná-la real. A crença em um vínculo com os antigos
templários criou o fato dos novos templários. Suas crenças tornaram-se uma
força motivadora de fato que não pode ser descartada, simplesmente por causa de
uma divergência de perspectiva histórica. Existem muitos que gostam de
considerar-se templários maçônicos no conhecimento de que representam algo como
um ressurgimento em vez de uma continuidade de uma ordem desaparecida. Como
observou o historiador maçônico francês Pierre Mollier, o neotemplarismo atrai
os homens que se sentem como estranhos em um mundo que se tornou profano
demais.
Em
1774, a Estrita Observância foi estabelecida na “província” neotemplária da
“Borgonha”, ou seja, em Estrasburgo, depois, em Lyon (”Auvergne”) e em
Montpellier (”Septimania”). Trabalhavam-se dois graus além dos três graus do
ofício de Aprendiz Aceito, Companheiro e Mestre Maçom. O primeiro era de
Noviço, o segundo Cavaleiro Templário, no qual era revelado o segredo de que a
Maçonaria era, na realidade, uma sobrevivência da Ordem do Templo, convocada a
uma missão secreta pela qual seus membros há muito sofreram.
Na
Alemanha, a Loja regular de Braunschweig, Zu den drei Weltkugeln ["Aos
Três Globos"], adotou a Estrita Observância e, posteriormente,
tornar-se-ia um centro nervoso dos Gold und Rosenkreuzers. O duque Fernando de
Braunschweig tornou-se “Magnus” da ordem de Von Hund. É interessante ver que os
descendentes das antigas famílias solidárias ao movimento do século XVII
tornaram-se patronos dos novos movimentos templários, rosa-cruzes e maçônicos
(o landgrave de Hesse-Kassel também estava envolvido).
Em
1775, Braunschweig foi o local escolhido pela Ordem da Estrita Observância para
reunir 26 nobres alemães a fim de discutir seus negócios e futuro; de Estrita
Observância tinha bem pouco. Um ano após o congresso, os membros dirigentes da
ordem viajaram até Wiesbaden, a convite do barão Von Gugomos, que se dizia
emissário dos “Verdadeiros Superiores” da ordem. Seu quartel-general era no
Oriente, em Chipre (famosa na história como fortaleza dos Cavaleiros
Hospitalários de São João). Ele esperava tomar o controle da ordem e, depois
que as perguntas se aprofundaram, declarou que retornaria a Chipre para obter
valiosos textos secretos para demonstrar a “genuína” linhagem da ordem e seu
propósito elevado. Gugomos foi exposto; seus títulos e patentes eram
falsificados. Não foi a última vez na história que falsificações levariam a uma
quebra de confiança na ordem.
Após
os conventos maçônicos de Lyon (1778) e Wilhelmsbad (1782), a Ordem da Estrita
Observância morreu, mas suas ideias seriam substancialmente ressuscitadas quase
de imediato. A Estrita Observância transformou-se no Régime Écossais Rectifié
de Willermoz: o Rito Escocês Retificado, mais conhecido e reverenciado
atualmente nos círculos maçônicos devotos pelo acrônimo de C.B.C.S.: Chevaliers
Bienfaisants de la Cité Sainte, os Cavaleiros Benfeitores da Cidade Santa.
O
que Willermoz fez com a ideia da Ordem do Templo deve-se muito à força
transcendental da mente de Pasqually. O que Willermoz fez mostrou ter um
significado bem mais abrangente com um impacto direto no mundo do
Neorrosacrucianismo.
No
Rito Escocês Retificado de Willermoz, o que importa não é o cavaleiro templário
como tal, mas uma ordem trans-histórica, cuja existência remonta, supostamente,
ao início dos tempos. A verdadeira “Ordem do Templo” denotava algo bem maior do
que a ordem particular da cavalaria sagrada dos séculos XII e XIII. A
verdadeira ordem espiritual do Templo do Universo poderia continuar, pois não
dependia dos acidentes da história ou de vastas propriedades pelo continente
(ou aprovação do papa ou o que seja).
Desse
modo, qualquer coisa de natureza secreta e mística associada com os templários
era simplesmente uma manifestação do contato entre membros dessa ordem (nem
todos precisavam saber isso) e que, depois, seria chamada “a Grande
Fraternidade Branca” (em que “branca” refere-se a “magia branca”,
suprarrealidades sagradas, santas, divinas, perfeitamente espirituais e
orientadas pela luz). Portanto, a afirmação em defesa das realidades da
história, de que os templários não tinham vínculos históricos com a “Grande
Obra” da redenção da humanidade, podia ser rebatida com a acusação de que tal
conhecimento não era para todos nem tampouco discernível à inteligência de
todos: apenas aos que receberam o conhecimento revelado pela autêntica
iniciação. Esse discurso manifestamente oculto não se sustentaria no tribunal,
mas esses julgamentos seriam raros. Em certo sentido, estava dizendo, para usar
uma expressão vulgar à Era da Razão, “como ela poderia se safar”.
A
concepção de uma ordem trans-histórica pode ser descrita como o conceito
fundamental do Neorrosacrucianismo e sua criação representava um desenvolvimento
simbólico na história dos Invisíveis. Não eram mais os discípulos “rosa-cruzes”
que eram invisíveis, mas seus mestres - o que não quer dizer os próprios
adeptos experientes não poderiam, como a ocasião exigia, vestir o véu secreto
da invisibilidade!
De
acordo com a teoria superior do Neorrosacrucianismo, toda iniciação
“verdadeira” provém da ordem transcendente. Portanto, qualquer ordem iniciática
aprovada podia ser declarada apenas uma manifestação terrestre da ordem divina
acima do espaço e do tempo. Assim que se admite essa concepção, estabelece-se o
fundamento lógico por meio do qual uma ordem pode afirmar estar em “sucessão
espiritual” com a Ordem Rosa-cruz, a Ordem do Templo, Jesus Cristo, os
essênios, João Batista, Pitágoras, os antigos egípcios, os cátaros, os
gnósticos, Apolônio de Tiana, Simão, o Mago, os maniqueístas - e por aí vai: aí
está a boa-fé alojada sobre um nível inacessível (racionalmente inegável).
Contra a corrosão da Era da Razão, uma dupla ou tripla demão de tinta.
Logicamente,
seria apenas uma questão de tempo começar-se acreditar que os “Superiores
Incógnitos” habitassem no espaço exterior. Quanto mais esquisito se fosse, mais
esquisitos seriam seus Chefes Secretos. Contudo, embora algumas ordens se
divertissem com as fantasias de ficção científica, a maioria preferiu a
interpretação estritamente “espiritual”.
Ordens
aprovadas podem afirmar terem entrado em contato com habitantes angélicos da
“Casa Invisível”. O fato de a manifestação terrestre do sagrado Santuário ser
imperfeita não é importante ao argumento. Os Mestres conhecem bem as fraquezas
da humanidade, pois vieram para corrigi-las.
A
Casa “Invisível” tem, certamente, “Guardiões Invisíveis”, “Superiores
Incógnitos”, “Chefes Secretos”, cujo trabalho é de tamanha abrangência multidimensional
de complexidade extraordinária a ponto de, sinceramente, estar além do
entendimento da pobre humanidade ignorante. Nós, pobres almas não regeneradas
que somos, coitados que mal conseguimos ficar em pé em uma postura que relembre
o homo sapiens, só podemos vislumbrar, ter flashes da Grande Obra em andamento,
a Grande Missão da alquimia cósmica da qual somos - se tivermos sorte -
meramente os instrumentos temporais, a serem descartados após o uso, em bênção
ou esquecimento, dependendo de nossa conformação, ou não, aos ditames dos
mestres.
Desse
modo, também é uma certeza lógica o fato de a seguinte passagem do
recém-descoberto Evangelho de Judas ser empregada (se já não é) como exemplo da
“Casa Invisível”, vislumbrada por membros privilegiados do movimento gnóstico
dos séculos II e III, e que os “ortodoxos” não conseguiam, ou conseguem, ver:
“Nenhuma
pessoa de nascimento mortal é merecedora de entrar na casa que viste, pois
aquele lugar está reservado para o sagrado. Nem o sol nem a lua lá regerão, nem
o dia, mas o sagrado habitará para sempre lá, no reino eterno com os anjos
sagrados.”
A
própria concepção apareceria (trans-historicamente?) na obra bastante influente
de Karl von Eckartshausen, Die Wolke über dem Heiligthum,1802 ["A Nuvem
sobre o Santuário"], sobre uma Igreja transcendente de adeptos espirituais
que guiam a evolução espiritual da humanidade. É a esse organismo que Aleister
Crowley buscou acesso definitivo quando se uniu à Ordem Hermética do Amanhecer
Dourado, em 1898, e é desse suposto organismo que muitos hierofantes dos
mistérios neo-rosa-cruzes reivindicam sua autoridade, uma suposta autoridade
não de “meras patentes de papel”, mas do contato direto com os anjos. Desse
modo, o Anjo Mágico de John Dee sempre será de mais interesse a essas pessoas
do que os textos devocionais de Johann Valentin Andreae. Vale notar, a esse
respeito, que uma das mais recentes reimpressões da obra de Eckartshausen foi
feita pela Rozenkruis Pers, editora da ordem rosa-cruz holandesa, o Lectorium
Rosicrucianum.
A
teoria de Willermoz e Pasqually corrobora a maioria das ordens neo-rosa-cruzes
e suas ramificações e quase sempre o que derruba tais ordens é a descoberta de
serem falsas as supostas ligações com os Superiores Incógnitos. Assim, quando
Aleister Crowley, por exemplo, sugeriu as próprias propostas de fundar uma
ordem de magia branca, depois de 1900 (quando a Ordem do Amanhecer Dourado se
fragmentou), ele o fez não com base no fato de que o líder do Amanhecer não
tivesse contato algum com os “Chefes Secretos” da ordem (isto é, que eles não
existiam), mas sim que o então líder da ordem, Samuel Mathers, “fracassara”
nesses contatos e não mais servia a seus propósitos. Com Mathers fora, Crowley
achou que tinha garantido o próprio contato com um “Chefe Secreto”, conforme o
próprio relato, em abril de 1904. Eu particularmente gosto muito do estudo,
rituais e cerimônias da O.T.O. .
Com
a chegada da ordem trans-histórica (vinculada a vários outras linhagens
gnósticas, herméticas, bíblicas e cabalísticas), surgiu o Ser Adepto
trans-histórico, às vezes dignificado com o termo avatar, que, parece um pouco
mais impressionante e menos sentimental do que “anjos”, aos ouvidos ocidentais.
Portanto,
não seria surpresa descobrir que o teosofista neo-rosa-cruz e fundador da
Antroposofia, Rudolf Steiner (1861-1925), acreditava não só que Christian
Rosenkreuz era uma pessoa real (embora um tanto peculiar), mas também que o
nome “Christian Rosenkreuz” era um criptônimo temporário para inúmeras
encarnações assumidas por um generoso guia espiritual trans-histórico. O ser
que apareceu como “Christian Rosenkreuz” manifestou-se posteriormente como
conde de Saint-Germain (?-1784), por exemplo. Seguidores sinceros de Steiner
ainda poderiam apreciar encontros espirituais com o exímio ser Christian
Rosenkreuz, pois isso fora, tinha certeza, concedido a ele.
FONTE:
1
- CHURTON, Tobias. A história da Rosacruz: os invisíveis. São Paulo: Madras,
2009, pp. 362-366.
2
- COSTA, Wagner Veneziani. Blog O Editor. Disponível em <http://oeditor.osupremo.com.br/index.php/maconaria/111-o-18-grau-maconico, acesso em 07 abr. 2013.
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