Por
ANDES
Data: 22/11/2011
A quarta mesa do Seminário
Ciência e Tecnologia no Século XXI, promovido pelo ANDES-SN de 17 a 18 de
novembro, em Brasília, debateu o “Trabalho docente na produção do
conhecimento”. As análises abrangeram tanto a produção do conhecimento dentro
da lógica do capitalismo dependente brasileiro, até o efeito do produtivismo
acadêmico na saúde dos docentes.
Participaram dessa mesa, o
ex-presidente do ANDES-SN e professor do departamento de educação da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto Leher; a assistente
social e também professora da UFRJ Janete Luzia Leite; e a professora visitante
do curso de pós-graduação em serviço social da Universidade Estadual do Rio de
Janeiro Maria Ciavatta.
Leher iniciou sua fala
lembrando que a universidade brasileira, implantada tardiamente, tem sua gênese
na natureza do capitalismo dependente brasileiro. E é essa matriz que vai
determinar o conhecimento gerado academicamente. “Também não podemos esquecer
que a produção do conhecimento tem sido re-significada. Hoje, não há mais a
busca da verdade, mas, sim, a sua utilidade. Sem contar que o conhecimento é
uma forma de domínio, como já disseram Kissinger, Fukuyama e Mcnamara”,
argumentou.
“Diante disso, está fora de
lugar a perspectiva de que a universidade tem um caráter iluminista. Àquela
aura do professor universitário intelectual não mais se sustenta”, constatou.
Para Leher, antes havia a
valorização da cultura geral, em que era comum encontrar um físico escrevendo
sobre arte. Essa ideia, no entanto, não ocorre mais na universidade submetida à
lógica utilitarista e pragmática. “É a expropriação do trabalho acadêmico”,
criticou.
No Brasil, esse processo foi
iniciado com a ditadura militar, que centralizou no Ministério do Planejamento
os programas de apoio científico e tecnológico. Como o governo precisava
direcionar a inteligência na perspectiva desenvolvimentistas do país, mas
queria silenciar a universidade, passou a utilizar-se dos editais para
direcionar as pesquisas.
Desde então, mas,
principalmente, a partir de 2000, a maioria dos recursos destinados à pesquisa
foram se deslocando para o que passou a ser chamado de inovação. A hipótese de
Leher é de que como Brasil é dependente e como os doutores formados nas
universidades não conseguem empregos na iniciativa privada, a universidade está
sendo re-funcionalizada para fazer o serviço que as empresas não querem
fazer.“Isso se dá nas ciências duras, mas também nas ciências sociais. É o que
explica, por exemplo, o tanto de editais para formar professores à distância,
ou para fazer trabalho nas favelas. É a universidade oferecendo serviços”,
exemplificou.
“Diante dessa pressão em
oferecer serviços, em produzir, o professor que levar dois anos para concluir
um livro é expulso da pós-graduação”, denunciou Leher.
A saída para essa situação
está na aliança do movimento docente com os movimentos populares. “Ao contrário
do que ocorreu em épocas anteriores, em que parcelas da burguesia apoiaram
projetos de uma universidade mais comprometida com os povos, hoje eles estão
preocupados em inserir cada vez mais a instituição na lógica do mercado”,
constatou. “Temos, portanto, de construir um arco de forças políticas no
movimento anti-sistêmico, ou seja, com movimentos como a Conae e o MST”,
defendeu.
Esse diálogo vai exigir da
academia, no entanto, um esforço epistemológico e epistêmico. “Se queremos o
MST como aliado, por exemplo, temos de produzir conhecimento que trate, por exemplo,
da agricultura familiar”, argumentou.
Qualidade
no ensino
A professora Maria Ciavatta
também criticou o produtivismo acadêmico ao qual estão submetidos os docentes
universitários. “Numa recente publicação do ANDES-SN, li a seguinte frase, que
reflete muito bem o atual estado em que nos encontramos: ‘antes, éramos pagos
para pensar, agora, somos pagos para produzir’. Achei essa definição ótima”,
afirmou.
Ciavatta argumentou que a
baixa qualidade do ensino decorre, diretamente, da insuficiência de recursos,
responsável pelos baixos salários pagos aos professores. Disse, também, que o
Brasil não tem políticas públicas para educação, mas programas de governo.
Ela criticou veementemente o
Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico) do governo federal. “O
discurso é o mesmo dos anos 90, de que precisamos treinar os jovens pobres
porque eles precisam de trabalho. Ocorre que esses jovens, por não saberem o
básico, também não aprenderão nada nos cursos técnicos”, previu.
“O que temos de defender é a
universalização do ensino médio público, gratuito, de qualidade e obrigatório.
Temos de responsabilizar o Estado nessa questão”, defendeu.
Ciavatta criticou a
banalização do termo pesquisa. “Todos os professores têm de ser pesquisadores,
quando, na realidade, a pesquisa científica exige um tempo para pensar”,
argumentou. “A pesquisa é encarada como toda E qualquer busca de informação”,
constatou.
Após citar os artigos da Lei
de Diretrizes e Bases (LDB) que tratam da pesquisa, ela apontou a baixa
qualidade do ensino como um empecilho. “A sofisticada proposta da LDB não se
faz com alunos semi-analfabetos. Não basta a alfabetização funcional de muitos
e a especialização de poucos. A inovação requer a generalização da cultura
científica”, diagnosticou.
Para Ciavatta, a
privatização das universidades públicas, com a criação de cursos pagos, se deu
a partir do achatamento salarial dos anos 90, o que acarretou maior carga
horária dos professores, precarização das relações de trabalho, produtivismo
induzido e individualismo. “Sou de uma época em que líamos os trabalhos
dos colegas. Hoje não temos mais tempo”, lamentou.
A eficiência prescrita e o
produtivismo induzido limitaram, segundo ela, a democracia e a autonomia da
universidade.
Para a pesquisadora, o viés
positivista e mercantilista é que está pautando a produção do conhecimento. “O
direito à educação está sendo substituído pelo avanço do mercado sobre a
educação, que está sendo vista como um serviço”, afirmou.
Saúde
dos docentes
O produtivismo acadêmico
está tirando a saúde dos docentes das universidades públicas brasileiras. Essa
é a principal constatação feita por estudo da professora do curso de Serviço
Social da UFRJ Janete Luzia Leite. “Antes, a docência era vista como uma atividade
leve. Agora, está todo mundo comprimido”, afirmou.
A causa dessa angústia está
na reforma, feita em 2004, na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (Capes). “Aliada ao Reuni, as mudanças na Capes foram um
verdadeiro ataque à autonomia universitária”, denunciou.
O resultado foi a
instituição de dois tipos de professores: o pesquisador, que ensina na pós e
recebe recursos das agências de fomento para fazer suas pesquisas e o que
recebe a pecha de “desqualificado”, que ficou prioritariamente na docência de
graduação e à extensão. Esses, em sua maioria, são recém-contratados e terão
suas carreiras truncadas e sem acesso a financiamentos.
Para Janete, os atuais
docentes estão formando em seus alunos um novo ethos, em que é valorizado o
individualismo, ocultada a dimensão da coletividade e naturalizada a velocidade
e a produtividade.
Há, também, um assédio moral
subliminar muito forte, que ocorre, principalmente, quando o docente não
consegue publicar um artigo, ou quando seus orientandos atrasam na conclusão do
curso. “Com isso, estamos nos aproximando de profissões que trabalham no limite
do estresse, como os médicos e motoristas”, afirmou.
O resultado é que os
docentes estão consumindo mais álcool, tonificantes e drogas e estão propensos
à depressão e ao suicídio. “É um quadro parecido com a Síndrome de Burnout, em
que a pessoa se consome pelo trabalho. Ocorre como uma reação a fontes de
estresses ocupacionais contínuas, que se acumulam”, explicou Janete Leite.
O problema, segundo ela, é
que as pessoas acham que seu problema é individual, quando é coletivo, além de
terem vergonha de procurar o serviço médico. “Com isso, elas vão entrando em
suas conchas, temendo demonstrar fragilidades”.
Como forma de mensurar o
nível de estresse dos docentes, a pesquisadora da UFRJ começou a fazer uma
pesquisa nesse campo. Junto com um grupo de aluno, ela entrevista professores
dispostos a falar de seus problemas.
“A primeira constatação que
fiz é que as pessoas estão ansiosas para falar sobre seus problemas. Nossas
entrevistas não duram menos do que uma hora e meia”, contou.
Já foi possível concluir que
a atual realidade tem provocado sintomas psicopatológicos, como depressão e
irritabilidade; psicosomáticos, como hipertensão arterial, ataques de asma,
úlceras estomacais, enxaquecas e perda de equilíbrio; e sintomas
comportamentais, como reações agressivas, transtornos alimentares, aumento de
consumo de álcool e tabaco, disfunção sexual e isolamento.
Tudo isso, para Janete
Leite, decorre da pressão atualmente feita sobre o docente. “O nosso final de
semana desapareceu, pois temos de dar conta do que não conseguimos na semana,
como responder e-mails de orientandos, ou escrever artigos”, afirmou.
Para ela, é preciso que haja
uma reação dos docentes a esse processo. “Caso contrário, seremos uma geração
que já está com a obsolescência programada”, previu.
FONTE:
Sindicato
Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior - ANDES-SN. Produtivismo acadêmico está acabando com a
saúde dos docentes. 22 nov. 2011. Disponível em: < http://www.andes.org.br:8080/andes/print-ultimas-noticias.andes?id=5020>.
Acesso em: 02 abr. 2016.
Nenhum comentário:
Postar um comentário