sábado, 23 de abril de 2016

A MESQUITA NASIR AL-MOLK





  
LUZES DO CÉU

O sagrado ocupa espaço e pode ser tocado com as mãos e contemplado pelo olhar. Essa experiência, por mais subjetiva que possa parecer, é inegável nos lo­cais de culto, onde o talento e a inspiração dos maiores artistas, conhecidos ou anônimos, de todos os tempos, culturas e religiões da terra, se tornaram imortais. Primícias da produção estética da humanidade, os recintos de culto de extrema beleza como a Mesquita Nasir al­-Molk materializam em um espaço a intuição do sagrado.


Culto à luz 

O Irã teve enorme influência na arquitetura religiosa do Oriente Médio, onde a areia, a argila e a cal, frágeis matérias-primas da região, moldadas por técnicas perfeitas e revestidas de ouro e de corantes naturais, formam ambientes de comovente harmonia, milimetricamente calculados e decorados com perfeição por artistas inspirados na fé.

A mesquita tradicional islâmica xiita de Nasir al-Molk – para os iranianos: Masjed-e Naseer ol-Molk –, situada na cidade de Shiraz, ao sul do Irã, com vitrais multicores, abóbadas e colunas revestidas de azulejos ge­ométricos coloridos ou dourados e com o piso vitrificado e forrado com tapetes de lã natural, é um dos mais surpreendentes e inspiradores templos conhecidos. Quando os vitrais pro­jetam no ambiente sagrado a luz matinal, a atmosfera de mistério e espiritualidade eleva o templo à mais alta nobreza da produção cultural humana.

Construída entre 1876 e 1888, por desejo do príncipe Mirza Hasan Ali Nasir al Molk, da dinastia Qajar, e idealizada pelos arqui­tetos e decoradores Muhammad Reza Kashi e Muhammad Hasan, a mesquita tem quase 130 anos de frequência cotidiana de fiéis, como lugar de oração e estudo. Atualmente é mantida pela Fundação Nasir al-Molk, que dedica a maior parte de sua renda anual para a assistência aos pobres e para o cuidado e a manutenção desse precioso patrimônio histórico e simbólico do povo iraniano e da humanidade.

A população do Irã é herdeira cultural do império persa e de quase 18 séculos de prática do masdeísmo, a fé no deus Ahura Masda, mais conhecida por zoroastrismo, fundado pelo líder espiritual Zaratustra (em persa) ou Zoroastro (em grego). Ele, que viveu em época incerta, entre os séculos 10º e 7º a.E.C. (antes da Era Comum ou Era Cristã), era médico e sonhava com o bem-estar integral das pessoas, em uma sociedade que unisse uma espiritua­lidade harmoniosa e a boa qualidade de vida. Quando a conquista árabe do século 12 impôs o islã como religião nacional, a espiritualida­de de Maomé sofreu benéfica influência do ethos cultural e religioso masdeísta do povo iraniano. Em um ambiente árido e pobre no aspecto da variedade de elementos naturais, a luz, vinda do sol ou do fogo, foi o principal símbolo religioso persa. Os templos masdeís­tas, até hoje em atividade no Irã, cultuam o fogo, enquanto as mesquitas filtram os raios do sol que inundam os ambientes de oração.

Canta um antigo hino do Avesta, o texto li­túrgico masdeísta, proclamado por sacerdotes que cuidavam de rebanhos e representavam um povo de pastores: “Submeto todos os bens do mundo Ahura Mazda, o deus bom, de boas medidas/santo, brilhante e glorioso, do qual vêm todas as coisas excelentes: de quem vêm o boi, a santidade (Ahsa), a luz e a felicidade que se junta à luz” (citado por Yves Lambert, em O Nascimento das Religiões da Pré-História às Religiões Universalistas, p. 351).


A luz no Alcorão Sagrado

O islamismo foi fundado entre os séculos 6º e 7º e herdou as tradições judaicas, cristãs e masdeístas, que circulavam ao lado de mercadorias e culturas, nas grandes rotas de caravanas do Oriente Médio. O símbolo da luz, central nas três matrizes religiosas, inundou a fé islâmica, como comprova várias passagens do Alcorão Sagrado. A Surata 24, à semelhança do masdeísmo, identifica o próprio Deus com a luz do firmamento e do fogo: “Allah é a Luz dos céus e da terra. O exemplo da Sua Luz é como o de um nicho em que há uma candeia; esta está num recipiente; e este é como uma estrela brilhante, alimentada pelo azeita de uma árvore bendita, a oliveira, que não é oriental nem ocidental, cujo azeite brilha, ainda que não o toque o fogo. É luz sobre luz! Allah conduz a Sua Luz até a quem Lhe apraz. Allah dá exemplos aos humanos, porque é Onisciente. (Semelhante luz brilha) nos templos que Allah tem consentido sejam erigidos, para que neles seja celebrado o Seu nome e neles O glorifiquem, de manhã e à tarde” (24ª Surata, an nur – a luz 35-36).

O mal é simbolizado pelas trevas e o caminho de Deus pela luz, o que é explícito em outra passagem corânica: “Já vos chegou de Allah uma Luz e um Livro esclarecedor, pelo qual Allah conduzirá aos caminhos da salvação aqueles que procurarem a Sua complacência e, por Sua vontade, tirá-los-á das trevas e os levará para a luz, encaminhando-os para a senda reta 95ª Surata, al máida – mesa posta, 15b-16). E continua: “É Ele Quem faz o dia suceder à noite. Nisto há sinais para aqueles que refletem” (13ª Surata, ar ra’d – o trovão 3b); “Quem crer em Allah, Ele lhe iluminará o coração, porque Allah é Onisciente” (64ª Surata, at taghábun – as defraudações recíprocas, 11a).

Os brilhantes artistas que idealizaram e construíram a mesquita de Nasir al-Molk, talvez profundamente imbuídos de espiritualidade, calcularam a melhor posição para captar os primeiros raios do sol e traduziram na luminosidade de cada centímetro da decoração o imperativo do texto sagrado: “Sabei que as mesquitas são (casas) de Allah” (72ª Surata, al jin – os gênios, 18a), fazendo eco ao ato de fé: “Dize: amparo no Senhor da Alvorada (Surata 113ª, al falac – a alvorada, 1).

No interior de um templo, seja ele de qualquer tradição religiosa que for, deixar-se iluminar pela luz simbólicas é permitir, no âmbito da fé, que o ser Transcendente pouse o olhar no crente, o traspasse com sua paz e o eleve à experiência espiritual. Pode-se afirmar que os peregrinos experimentam algo semelhante no interior da Mesquita de Nasir al-Molk.



DIÁLOGO. Luzes do céu. In Diálogo – religião e cultura. ano XX. n. 79. agosto/setembro 2015. Paulus: São Paulo, 2015. p. 28-33.






































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