JEAN-BAPTISTE WILLERMOZ

Por Alain Marbeuf

O Martinismo, tal como o conhecemos, é a herança espiritual de Louis­Claude de Saint-Martin, ele próprio discípulo direto de Martinês de Pasqually, mas há um outro discípulo importante: trata-se de Jean-Baptiste Willermoz. Ambos iniciados na Ordem dos Élus-Cohen – Louis-Claude de Saint-Martin em 1765, Jean-Baptiste Willermoz em 1767 –, o grau de Réau-Croix lhes é conferido, para Willermoz em 1768, para Saint-Martin em 1772.

Se suas jornadas místicas na companhia de Martinês de Pasqualy fizeram com que se reencontrassem a ponto de se tornarem amigos, eles seguiram vias diferentes, alguns anos após o desaparecimento do seu iniciador. Sendo a história e o pensamento de Louis-Claude de Saint-Martin relativamente bem conhecidos dos Martinistas, o propósito deste artigo é de erguer o véu que cobre a vida e a obra de Jean-Baptiste Willermoz, que atuou no seio da Ordem dos Élus-Cohen junto a Martinês e na Franco-Maçonaria regular com o Regime [Escocês] Retificado, do qual ele é um dos fundadores mais eminentes.

Jean-Baptiste Willermoz, nascido em 10 de julho de 1730, em Lyon, é o primogênito de uma família de doze filhos, entre os quais Pierre-Jacques Willermoz, médico, químico e enciclopedista. Negociante de sedas e administrador sem igual, ele pôde levar uma vida confortável e se dedicar ao misticismo, que o ocupou desde sua mais jovem idade.

Profundamente religioso, sua busca da realidade religiosa o levou à prática do ocultismo e o guiou aos vinte anos a uma Loja Maçônica de Lyon. Em 1752 ele se tornou seu Mestre. Contribuiu além disso para a Federação das Lojas de Lyon em 1760, de que se tornou o Grande Mestre em 1762. Em 1763, com seu irmão Pierre­-Jacques, ele criou nela um ateliê ligado à alquimia.

Como todos os anos, Willermoz foi a Paris para cuidar dos seus negócios. Estamos então na primavera de 1767; o negociante de sedas de Lyon, apresentado pelo tenente-coronel Bacon de la Chevalerie a Martines de Pasqually, foi recebido no “Tribunal Soberano dos Élus-Cohen”, em Versalhes.

De volta a Lyon, ele estabeleceu rapidamente uma Loja por ordem dos Élus­Cohen e se tornou um dos discípulos mais zelosos do Grande Soberano, Martinês de Pasqually. Chegou ao mais alto grau, o de Réau-Croix, como já mencionamos antes, em 1768. Ele também se empenhou com persistência na teurgia e nos numerosos períodos de preces diárias recomendadas por Martinês. Neste último ponto, a vida de um Élu-Cohen lembra a de um monge, com a sucessão litúrgica das “horas” de preces (laudes, terça, sexta, nona, vésperas e completas).

Quando Saint-Martin, tendo se tornado secretário particular de Martinês de Pasqually em 1772, se entregou à pesada tarefa de redigir os diversos rituais e instruções, o Mestre havia começado desde julho de 1770 o Tratado Sobre a Reintegração. Permanecendo em estreito contato com o Mestre e com Saint-Martin graças a mudanças epistolares persistentes, Willermoz começou a se interessar pela Maçonaria do rito da Estrita Observância Templária, do Barão Karl von Hund. Aliás, ele lhe escreveu no dia 18 de dezembro de 1772, manifestando seu desejo de aliança entre sua Ordem e a dos Élus-Cohen, que descreveu em termos velados. Entrementes, exatamente no dia 5 de maio, Martinês embarcou para São Domingos... Saint-Martin saiu de Bordeaux e foi para Tours, antes de se reunir com Willermoz no ano seguinte em Lyon, em setembro de 1773.

Começou então uma colaboração frutífera no plano místico entre os dois homens; eles empreenderam um exame aprofundado da doutrina martinesiana, que iria dar lugar às Lições de Lyon dadas entre 7 de janeiro de 1774 e 23 de outubro de 1776. Tratava-se, para Willerrnoz, Saint-Martin e Du Roy d’Hauterive, de expor aos Élus ­Cohen de Lyon a teosofia e a teurgia transmitidas pelo Grande Soberano, Martinês de Pasqually.

Após a separação, depois sobretudo do falecimento de Martinês, em setembro de 1774, a despeito dos esforços de· Saint-Martin, a Ordem foi estabelecida pelo periclitante Mestre. Como Saint-Martin, Willermoz se questionou longamente quanto às práticas teúrgicas solicitadas aos Élus-Cohen. Sua colaboração levou os cidadãos de Lyon a uma compreensão melhor da doutrina de Pasqually e propiciou uma coloração decididamente martinista ao futuro Rito Escocês Retificado.

Paralelamente, os contatos com o Barão de Hund, depois com o seu sucessor, o duque Ferdinand de Brunswick, se tornaram mais precisos, e Willermoz, seguindo sua vida maçônica dentro da Grande Loja de Lyon, foi recebido e armado Cavaleiro no dia 25 de julho de 1775, com o nome de Eques ab Eremo - “o cavaleiro do deserto” - numa Loja de Lyon, da Estrita Observância Templária. A partir de então, embora as coisas não se passassem tão rapidamente quanto ele havia desejado, Willermoz avançou no trabalho da reforma do rito. Pela convenção dos Gauleses reunida em Lyon (25 de novembro - 10 de dezembro, de 1778), a reforma empreendida na França quanto ao rito da Estrita Observância não pôde ser realizada renunciando à filiação templária, o que foi feito na Convenção de Wilhelmsbad (15 de julho - 1° de setembro de 1782): o Rito Escocês Retificado (R.E.R.) nasceu, início da franco-maçonaria de um período fausto, principalmente na Alemanha e na Áustria, com os músicos austro-húngaros do período clássico –  Mozart, Haydn, Beethoven – ou romântico como Liszt, com escritores como Goethe. Nesse rito, os graus de “Professo” e “Grande Professo”, que lembram os altos graus da Ordem dos Élus Cohens, permitem aos Cavaleiros benévolos da cidade santa manterem de maneira velada a herança martinesiana recusada pela Convenção.

Outras influências sobre o R.E.R. podem ter se exercido nesse período de efervescência das ideias ... O Conde de Cagliostro teve bom encontro com Willermoz, bem como com irmãos, membros da Loja A Beneficência, várias vezes (1784, 1786), mas seu cristianismo pouco ortodoxo fez com que suas tentativas de introduzir a magia e a alquimia prática, seguindo-se às decepções sofridas por Willlermoz na sua juventude, tornaram-no suspeito aos olhos dos fundadores do R.E.R.

Mais ou menos na mesma época, a influência do médico Franz-Anton Mesmer provocou um embaraço para o magnetismo que não deixou Willermoz indiferente: foi neste contexto, no dia 5 desde abril de 1785, que o nosso místico se deixou enganar por um “Agente Desconhecido” de quem lhe foram transmitidos os cadernos ... , e que ele encontrou dois anos antes de descobrir a fraude!

Por ocasião da Revolução, quando o Terror se abateu sobre Lyon em revolta, Willermoz era administrador dos hospitais, fiel ao ideal de beneficência honrado no Rito Retificado. Logo a família de Willermoz se viu perseguida, como um bom número de franco-maçons de Lyon: dos dois irmãos Willermoz, Antoine e Jean­Baptiste, somente Jean-Baptiste escapou à guilhotina graças à intervenção do seu irmão médico, Pierre-Jacques. Ele se escondeu então no departamento da Ain, numa casa pertencente a este último, levando consigo seus importantes arquivos, inclusive a correspondência com Martinês.

Esses arquivos mantidos na Biblioteca municipal de Lyon constituem realmente um bem precioso, primeiro para os historiadores, depois para os Martinistas. Além das trinta e uma cartas da mão de Martinês contam-se principalmente:

·        quatro cartas originárias do Abade Fournier, primeiro secretário particular do fundador da Ordem dos Élus Cohen;

·        quatro cartas de Bacon da Chevalerie, Élu-Cohen;

·        três correspondências do barão Karl von Hund e sobretudo um pouco mais de umas sessenta cartas recebidas do duque Ferdinand de Brunswick, de sucessivos Grandes Mestres da Estrita Observância Templária e cópias de respostas de Willermoz;

·        um manuscrito relativo ao catecismo do grau de Comendador do Oriente aprendiz Réau-Croix (6° grau); e

·        um extrato das preces dos graus dos Élus-Cohen e uma invocação de reconciliação etc.

Tendo voltado sua tranquilidade, com a idade de sessenta e seis anos Willermoz se casou em 1796 com uma jovem mulher de vinte e quatro anos. Seus amigos estavam ausentes. Saint-Martin, em função de sua própria pesquisa, falece em 1803. O luto vem agravar a solidão do cidadão de Lyon; sua mulher falece em1808, sua irmã em 1810 e seu filho em outubro de 1813. Ele redige então diversos rituais. Suas funções de conselheiro geral do departamento, desde 1 º de junho até o fim do Império, não o impedem de seguir seu percurso maçônico, por ocasião da retomada das atividades do Regime Escocês Retificado e de seus Cavaleiros Beneficentes da Cidade Santa em 1804, e isto até à sua morte, com a idade de noventa e quatro anos, no dia 29 de maio de 1824.

Com efeito, para Willerrnoz, tudo se concentrava na Loja e no Templo, correspondência imaginada no macrocosmo do nosso microcosmo. E ele disse neste excerto das Lições de Lyon:

O corpo do ser humano é uma loja ou um templo que constitui a repetição do templo em geral, particular e universal.

Se ele não escreveu obras destinadas, como no caso de Saint-Martin, a formarem a trama de uma doutrina, Willermoz deixou não obstante um conjunto grandioso de rituais e de catecismos que traduzem bem o seu pensamento. Fiel a Martinês de Pasqually, ele estava persuadido da necessidade da iniciação, conjuntamente com a prece.

A propósito da prece, retomemos esta citação de Willermoz:

Aquele que acredita que pode adquirir uma verdadeira luz pelo estudo e somente pela força da sua aplicação pensa e age como um ateu, e aquele que presume que para obter o conhecimento da Verdade basta que a peça nas suas preces, sem fazer nenhum esforço para a descobrir e sem meditar sobre suas vias, não passa de um homem presunçoso, vil ou indiferente a ela.

Em “Instrução Secreta para a Recepção dos Professos”, Willermoz escreveu aliás:

No estado primitivo do ser humano, sua ciência consistia num pleno e perfeito conhecimento dos atos que ele devia efetuar para cumprir com precisão a lei que havia recebido do Eterno, lei que ele não podia executar sem conhecer ao mesmo tempo a natureza e as prerrogativas de todos os seres emanados do Criador.

A iniciação lhe pareceu a passagem obrigatória pela qual o ser humano pode esperar reintegrar o corpo glorioso, aquele que ele tinha no seu estado adâmico primitivo. Nesse mesmo texto, Willermoz observa também que, após a “prevaricação”, a queda, uma mudança se impõe ao ser humano na sua relação com Deus. Uma nova “ciência”, a iniciação, substitui a verdadeira “ciência primitiva”, ou seja, a palavra perdida é substituída por uma nova palavra ... E Willermoz insiste na importância da iniciação, única via para restabelecermos o diálogo com o Divino, para reencontrarmos nosso estado espiritual de antanho.

Só há um caminho que leva à verdade e, se pensais de outro modo, é preciso abjurardes este erro!

Diferentemente de Saint-Martin, que se impregnara do,pensamento de um segundo mestre, Jacob Boehme, Willermoz permaneceu por fim muito ligado à doutrina martinesiana. Se a teurgia está ausente da sua construção ritualística, esta não é menos impregnada da filosofia de Martinês.

Para alguém se convencer disto basta que leia um dos raros textos, fora dos rituais e das instruções, escritos por Willermoz, O Tratado das Duas Naturezas. Tendo permanecido no estado de manuscrito, esse texto foi provavelmente escrito por volta de 1818, para replicar, assim parece, as teorias de Charles-François Dupuis. Este mostrava que, à semelhança das outras religiões, o cristianismo tinha sua fonte numa religião universal construída com base em mitos e festas ligados aos fenômenos astronômicos.

No seu texto, Willermoz começa resumindo a Criação tal como ela é descrita no Tratado sobre a Reintegração e aborda a questão do novo Adão unido ao Verbo, vale dizer, Jesus Cristo. Sem se afastar de uma concepção muito martinesiana, ele explicita depois a natureza quaternária do Reparador, em oposição à natureza ternária do ser humano: se o homem possui “duas substâncias” (alma e corpo de matéria) às quais se acrescenta “um espírito inteligente e imortal pelo qual ele é verdadeiramente imagem e semelhança divina”, o homem-Deus Jesus Cristo reúne “durante sua vida temporal na Terra [ ... ] essas três substâncias e o próprio Ser de Deus unido para a eternidade”.

Depois Willermoz detalha a função de Reparador do Mestre Jesus. A propósito .das três prosternações do Cristo no Jardim das Oliveiras, que respondem à negligência dos discípulos, ele assinala que elas reparam o triplo abuso pelo primeiro Adão de “suas três faculdades intelectuais de pensamento, vontade e ação”. Pelo depósito na tumba “dos elementos da matéria [ ... ], ele ressuscita numa forma gloriosa que não tem mais que a aparência da matéria”.

O cidadão de Lyon conclui a necessidade de utilizar a Vontade, fortalecida pela prece. E de concluir sua obra glorificando a cruz ·como símbolo universal e imagem do paraíso terrestre, num último piscar de olhos para o “quadro universal” valioso para Martinês e Saint-Martin.

Compreendemos melhor porque os “despertadores” do. Martinismo, Papus e Augustin Chaboseau; reuniram como guias, Martinês de Pasqually, Jean-Baptiste Willermoz e Louis-Claude de Saint-Martin. A ligação entre estes três místicos é bem evidentemente Martinês de Pasqually, a quem Willermoz e Saint-Martin prestaram homenagem em termos quase idênticos: “Esse homem extraordinário que eu jamais conheci um segundo”, escreveu Willermoz, enquanto Saint-Martin declarou: “esse homem extraordinário foi para mim o único homem vivo de meu conhecimento a quem não me senti nivelado”.

Concluímos com a seguinte citação de um místico iraniano contemporâneo, Ostad Elahi, na qual encontramos a necessidade de sermos no mundo para evoluirmos prevendo nossa própria reintegração, como a vivenciou Jean-Baptiste Willermoz:

A única coisa que realmente importa é induzir o ser humano a despertar, a abrir seu campo de consciência, a reencontrar sua verdadeira natureza, a ser no mundo e se aperfeiçoar para o mundo, a fim de se tornar apto a reencontrar um dia sua pátria original.

Referências

JOLX Alice, Um Místico de Lyon e os Segredos da Franco-Maçonaria, Paris, 1999,Téletes.

WILLERMOZ, Jean-Baptiste, O Homem-Deus, Tratado das Duas Naturezas, 1999, Le Tremblay, Diffusion Rosicrucienne.

FONTE: MARBEUF, Alain. Un Supérieur méconnu: Jean-Baptiste Willermoz. Le Tremblay: OMT, 2011. p. 24-31.