domingo, 28 de fevereiro de 2016

A IMPROVÁVEL CONEXÃO TEMPLÁRIO-MAÇÔNICA – PARTE 2






Por João Florindo Batista Segundo


No texto anterior, foi explicado que são quatro as principais teorias que atribuem aos Templários uma conexão com os Maçons especulativos, a saber:

1. A de que Jacques de Molay, na prisão, passou o comando da ordem para John Mark Larmenius.
2. A do apoio templário ao rei Robert Bruce na batalha de Bannockburn.
3. A de que um grupo sob o comando de Pierre d’Aumont fugiu para a Escócia e fundou a Maçonaria.
4. A de que os templários ingressaram na Ordem de Cristo, em Portugal.

Destas, as duas primeiras já foram analisadas e refutadas, pelo que, a seguir, passaremos às restantes:


Teoria 3 – Um grupo sob o comando de Pierre d’Aumont fugiu para a Escócia e fundou a Maçonaria

De acordo com este relato lendário, disfarçados de maçons operativos, d’Aumont, preceptor de Auvergne, dois comendadores e cinco cavaleiros fugiram da França para a Escócia, onde criaram uma nova Ordem, a fim de manter suas tradições, a qual adotou o nome de Franco-Maçons (Franco de francês e Maçom, em homenagem ao seu disfarce de operativos).

Deixando de lado o desconhecimento etimológico, de início deve-se observar que realmente o preceptor de Auvergne fugiu da prisão, em 13 de outubro de 1307, mas seu nome era Imbert Blanke. Este refugiou-se na Inglaterra, foi preso e mais tarde, durante os julgamentos, defendeu seus irmãos templários ingleses (DAFOE, 2009b).

O número de fugitivos da lenda também é suspeito, pois recorda sugestivamente os três dirigentes, os cinco componentes e os sete que tornam perfeita uma Loja maçônica.

Esta lenda é a essência do Sistema da Estrita Observância, que ensina ainda que os fugitivos intitularam-se Mabeignac, pretensa origem da palavra Mac-Benac (RAGON, 2006, p. 174-175).

Segundo Churton (2009, p. 367), Karl von Hund e seu sistema vieram demonstrar que a Grande Loja de Londres e as oficinas sob sua influência na Alemanha e na França não detinham os verdadeiros segredos maçônicos, preservados pelos aristocratas e monarcas escoceses, sendo ele – em razão de sua iniciação por um anônimo Maçom britânico – o legítimo transmissor da “Maçonaria cavalheiresca”. Desta maneira “A crença em um vínculo com os antigos Templários criou o fato dos novos Templários” (id., p. 367), pois, “Como observou o historiador maçônico francês Pierre Mollier, o Neotemplarismo atrai os homens que se sentem como estranhos em um mundo que se tornou profano demais” (ibd., p. 368).

Ainda neste sentido, entre 1768 e 1789, foi elaborado o ritual Le Chevalier du Temple, que era trabalhado nas lojas simbólicas e onde se alegava que cavaleiros sobreviventes teriam criado a Maçonaria para preservar as regras de sua extinta Ordem (DAFOE, 2009b).

De acordo com Mackey (apud DAFOE, 2009b, p. 151): “O cavaleiro Ramsay foi o verdadeiro autor da doutrina da origem templária da Maçonaria, e a ele estamos em débito (se o débito tiver algum valor) pela lenda de D’Aumont”; e afirmou ainda que “Dessa besteira nasceu a lenda de Pedro d’Aumont e sua restauração dos Cavaleiros Templários da Escócia” (apud DAFOE, 2009a, p. 308).


Teoria 4 – Os Templários ingressaram na Ordem de Cristo

Esta é menos conhecida, mas aceita em países escandinavos. A Ordem de Cristo foi criada por Dom Dinis, de Portugal, após a supressão do Templo, e sancionada pelo Papa João XXII, em 15 de março de 1319, através da Bula Ad ea ex quibus. Sob controle real, a Ordem perdurou até 1834, quando foi dissolvida, bem como as demais ordens religiosas portuguesas, passando a ser uma Ordem de mérito. Em 1910, ela foi extinta, sendo reformulada em 1918, pela I República, como ordem de mérito, sendo hoje concedida a personalidades associadas ao exercício de funções de soberania e, em especial, à magistratura, à diplomacia e à administração pública.

Afirmam ainda os escandinavos que o sobrinho de De Molay conduziu as cinzas deste a Estocolmo, onde as sepultou e estabeleceu a ordem templária maçônica sueca (DAFOE, 2009a).

Embora seja verdade que Templários originais ingressaram nos quadros da nova Ordem, não há qualquer prova de que detinham segredos maçônicos e muito menos de que os transmitiram aos novos confrades.

De acordo com William Mosley Brown, os fundadores da Ordre du Temple (hoje OSMTH), acreditavam que a Ordem de Cristo detinha segredos templários e em 1804 até pediram reconhecimento dos portugueses, o que foi ignorado (DAFOE, 2009b).

Corroborando as duas teorias acima, também há o relato de que, ao tomar conhecimento das prisões dos irmãos, a esquadra templária – composta de 18 galés –, carregada de tesouros, zarpou de La Rochelle e uma parte rumou para Portugal, onde foi absorvida pela Ordem de Cristo, e a outra para a Escócia; disto tudo não há qualquer prova. George Frederick Johnson é um dos defensores desta lenda, que, segundo Partner, (apud REED, 2001, p. 232), transformou

“[...] os templários (...) de seu aparente status de monges-soldados iletrados e fanáticos para o de videntes cavalheirescamente esclarecidos e sábios, que tinham usado sua estada no Oriente para recuperar seus segredos profundos e para se emancipar da credulidade católica medieval”.

Reed (2001, p. 321) defende que “Os principais agentes desse ‘templarismo’ – a metamorfose dos templários de história em mito – foram os maçons, confrarias secretas comprometidas com o apoio mútuo, cujo deísmo impreciso tornou-as inimigas da Igreja Católica Romana”.

Isto posto, se a Maçonaria vem dos templários que ingressaram na Ordem de Cristo, por que os rituais cavalheirescos dos altos graus são originários de outros países europeus, mas não de Portugal?

Na verdade, Defoe (2009b) afirma que antes do discurso de Ramsay (citado na parte 1) não havia qualquer teoria de perpetuação templária; estas emergiram em seguida. A partir daí, cada nova Ordem (maçônica ou não) alegava a sobrevivência destes cavaleiros e que era a legítima transmissora do saber deles. Não eram as teorias que antecediam as novas ordens, mas, sim, o contrário, pois estas necessitavam de uma pretensa origem tradicional para se estabelecerem.


REFERÊNCIAS:


CHURTON, Tobias. A história da Rosa-Cruz: os invisíveis. São Paulo: Madras, 2009.

DAFOE, Stephen. Nascidos em berço nobre: uma história ilustrada dos cavaleiros templários. Lívia Oushiro (Trad.). São Paulo: Madras, 2009a.

DAFOE, Stephen. O compasso e a cruz: uma história dos cavaleiros templários maçônicos. Alexandre Trigo Veiga (Trad.). São Paulo: Madras, 2009b.

RAGON, Jean Marie. Ortodoxia maçônica; seguido de, A maçonaria oculta, e de, A iniciação hermética. Ziéde Coelho Moreira (Trad.). São Paulo: Madras, 2006.

REED, Piers Paul. Os templários. Rio de Janeiro: Imago Ed., 2001.


A IMPROVÁVEL CONEXÃO TEMPLÁRIO-MAÇÔNICA – PARTE 1




Por João Florindo Batista Segundo

Desde a divulgação do famoso discurso do Maçom e Cavaleiro de São Lázaro Andrew Michael Ramsay (1686-1743), que muitos Maçons especulativos se apegaram à ideia – carente de comprovação – de que a confraria descende das ordens de cavalaria católicas medievais, em especial da Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão, mais conhecida como Ordem dos Cavaleiros Templários, ou Ordem do Templo. Igualmente, não há qualquer prova de que o “Discurso pronunciado na recepção de Maçons por Monsieur de Ramsay, Grande Orador da Ordem”, de 1737, foi lido em Loja.

A mais famosa associação de cavaleiros da história, a Ordem do Templo surgiu em 1118 e teve suas atividades extintas em 1312, através da bula papal Vox in excelso, de Clemente V, não por suficiência de provas das acusações que lhe foram feitas, mas porque a má fama gerada pelas denúncias tornara-a não mais “muito útil à cristandade” (FEIJÓ apud ADRIÃO, 2011, p. 232).

Os bens e propriedades templários foram transferidos para a Ordem dos Hospitalários. O auge da infâmia se deu com a execução de Jacques de Molay (último grão-mestre) e Geoffroy de Charnay, numa fogueira, na Île de la Cité, em Paris, pouco depois das vésperas, em 18 de março de 1314; dezenas de outros membros sucumbiram ao longo dos vários anos de tortura durante o processo em razão da acusação de heresia (DAFOE, 2009a).

Somente em 2007, os responsáveis pelo Arquivo do Vaticano apresentaram publicamente o volume “Processus contra Templarios”, que reedita o “Pergaminho de Chinon”, ou seja, as atas nas quais o Bispo de Roma exime de culpa a Ordem do Templo (CABREJAS, 2007).

A supressão da Ordem gerou grande comoção no mundo ocidental e deu azo a muitas teorias mirabolantes, inclusive de sua perpetuação. Dentre estas, há as que relatam a conexão dos Templários com os Maçons, com destaque para quatro principais, a seguir explicadas sucintamente:

1. A de que Jacques de Molay, na prisão, passou o comando da ordem para John Mark Larmenius.
2. A do apoio templário ao rei Robert Bruce na batalha de Bannockburn.
3. A de que um grupo sob o comando de Pierre d’Aumont fugiu para a Escócia e fundou a Maçonaria.
4. A de que os templários ingressaram na Ordem de Cristo, em Portugal.

Teoria 1 – A Carta patente de Larmenius

Segundo Dafoe (2009b), este documento encontra-se de posse da Ordem do Templo, hoje conhecida como Ordem Suprema e Militar do Templo de Jerusalém (sigla OSMTH, em latim) e embora não mencione a Maçonaria, no passado foi aceito como autêntico por célebres autores maçônicos, a exemplo de James Burnes e Albert G. Mackey.

A carta foi supostamente encontrada por Bernard-Raymond Fabré-Palaprat (1773-1838), que fundou e dirigiu a OSMTH por certo período (1804-1838). Nela consta que De Molay, na prisão, reuniu um Capítulo Geral e passou o comando da Ordem do Templo a John Mark Larmenius (1313-1324) e que a transmissão continuou até os dias atuais (CHURTON, 2009).

Dentre os erros grosseiros deste documento, pode-se citar o seguinte:

a) A transliteração do código indica que o latim empregado na redação do documento não era o da época;
b) É improvável que De Molay pudesse convocar um Capítulo Geral na prisão; e
c) O código empregado é incompatível com os templários, vez que eles não usavam código algum em suas comunicações.

Hoje, a maioria dos autores (inclusive maçons) considera que a Carta é uma fraude, provavelmente de autoria do próprio Palaprat.


Teoria 2 – Os Templários na Batalha de Bannockburn

Entre o final do século XIII e início do século XIV, a Inglaterra estava em guerra com a Escócia. Em 1307, Templários fugitivos das perseguições teriam se aliado a Robert Bruce, rei da Escócia, à época excomungado pelo envolvimento no assassinato de John Comyn. Esta aliança teria sido fundamental à vitória de Bruce na Batalha de Bannockburn, quando, com apenas 9.000 homens, venceu os 25.000 soldados de Eduardo II da Inglaterra. Era 24 de junho de 1314, meses após a morte de De Molay e dia da Festa de São João Batista.

Em reconhecimento à bravura templária, Bruce teria criado a Ordem Real da Escócia (maçônica, que na verdade surgiu em torno de 1741!); outras versões dizem que o rei criou a Ordem de Santo André do Cardo (cavaleiresca), porém esta foi fundada em 1440, por Jaime II; e alguns entusiastas chegam ao ponto de dizer que o governante acrescentou a Ordem de Heredom como reconhecimento aos contingentes de Maçons escoceses que lutaram a batalha.

Robert teria ocultado a presença de templários em seu exército e mais ainda, negado a existência destes em seu reino, a fim de não perder o reconhecimento papal; porém, teria permitido a constituição da Maçonaria a fim de que os Templários mantivessem sua existência e práticas.

De qualquer forma, quando Bruce foi excomungado, os Templários estavam sendo perseguidos pelo rei da França e não pela Igreja; logo, esta condição do governante escocês não daria qualquer amparo aos cavaleiros em fuga (DAFOE, 2009b).

E nenhum historiador criterioso jamais encontrou qualquer prova deste apoio. Para muitos, esta teoria é encarada como uma concessão ao orgulho inglês: estes não perderam porque lutaram contra os escoceses, mas porque enfrentaram a suposta elite da cavalaria medieval. Em verdade, o posicionamento das forças inglesas entre dois riachos e em solo pantanoso é a mais provável causa da vitória escocesa.

Na próxima edição, trataremos das teorias 3 e 4. Aguardem!


REFERÊNCIAS:

ADRIÃO, Vitor Manuel. Portugal templário: vida e obra da Ordem do Templo. São Paulo: Madras, 2011.

CABREJAS, Cristina. Vaticano publica documento secreto sobre julgamento dos Templários. 25. out. 2007. Disponível em: < http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL158507-5602,00.html>. Aceso em: 12 jan. 2015.

CHURTON, Tobias. A história da Rosa-Cruz: os invisíveis. São Paulo: Madras, 2009.

DAFOE, Stephen. Nascidos em berço nobre: uma história ilustrada dos cavaleiros templários. Lívia Oushiro (Trad.). São Paulo: Madras, 2009a.

DAFOE, Stephen. O compasso e a cruz: uma história dos cavaleiros templários maçônicos. Alexandre Trigo Veiga (Trad.). São Paulo: Madras, 2009b.
  

LIBERDADE, IGUALDADE, FRATERNIDADE: ANÁLISE HISTÓRICA








Por João Florindo Batista Segundo


É comum se dizer que a Maçonaria historicamente tem por lema “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, todavia, tradicionalmente, a Ordem possui máximas e aclamações.

Aparentemente esta divisa partiu de Robespierre (1758-1794), que propôs à Assembleia Constituinte, em 1791, inscrever três palavras na bandeira e botões das guardas nacionais, com o propósito de exaltar o civismo.

Louis Blanc (1811-1882) e outros autores pretendem que seja criação de Louis-Claude de Saint-Martin (1743-1803): Penna (2008), inclusive, afirma que aquele criou o “ternário sagrado” (sic) antes da Revolução Francesa. Porém, Robert Amadou demonstrou que esta afirmação carece de fundamento, ao passo que Alec Mellor nega totalmente a origem maçônica. Ademais, a pesquisa de B. F. Hyslop sobre diplomas maçônicos exarados entre 1771 e 1799 e arquivados na Biblioteca Nacional de Paris, resultou apenas dois onde as três palavras estão juntas: a maioria registra “Saúde, Força, União”, ou trata do templo onde reina “o Silêncio, a União e a Paz” (CASTELLANI, 1998).

Em verdade, na Primeira República francesa ganhou publicidade a divisa “Liberdade, Igualdade, ou a Morte”, que Castellani (id.) nega ser fruto da Ordem: neste desiderato, todavia, em 1793 não foi aprovada a iniciativa do prefeito de Paris, Jean-Nicolas Pache, de afixar nas ruas, cartazes com a inscrição “Unidade e indivisibilidade da República, Liberdade, Igualdade, Fraternidade ou a Morte” (CHASSAGNARD, 2014).

A atual famosa tríplice divisa surgiria sob a Segunda República e desta a Maçonaria a tomou emprestada: foi em 1848 que Louis Blanc, membro do governo provisório e futuro maçom, fez inscrever a tríade na Constituição como divisa nacional e só em 1849 ela será adotada como lema maçônico pelo Grande Oriente de França (id.).

No América Latina em geral, sob inspiração francesa, a Maçonaria adotou a divisa “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”.  No Brasil não foi diferente e ainda hoje ela consta como “fins supremos” da Ordem na Constituição do Grande Oriente do Brasil (art. 1º).

Porém, já nos países de cultura anglo-saxã, a divisa francesa é quase desconhecida: nos Estados Unidos, p. e., adota-se a “Brotherly love, Relief and Truth”, traduzida como “Fraternidade, Socorro e Verdade”, em consonância com “as obras de Preston (1867), Webb (1818) e Pike (1905)” (ISMAIL, 2014, p. 2).


REFERÊNCIAS

CASTELLANI. José. Maçonaria e astrologia. São Paulo: Editora Madras, 1998.

CHASSAGNARD, Guy. Qual é a origem do lema Liberdade – Igualdade – Fraternidade? Tradução de José Filardo, publicada em 20 jan. 2014. Disponível em: <http://bibliot3ca.wordpress.com/consultorio-maconico-qual-e-a-origem-do-lema-liberdade-igualdade-fraternidade/> Acesso em: 11 out. 2014.

GOB. Constituição do GOB. Brasília: GOB, 2009. Disponível em: <http://www.luzpioneiradepalmas.com.br/media/download/659405.PDF>. Acesso em: 14 ago. 2014.

ISMAIL, Kennyo. Porque a maçonaria brasileira está perdida:  tirando os olhos do passado e do próprio umbigo. p. 1-2. Disponível em: <http://www.noesquadro.com.br/wp-content/uploads/2013/05/Pq-a-Mac-Bra-est%C3%A1-perdida-Kennyo-Ismail.pdf>. Acesso em: 11 out. 2014.

PENNA, Lincoln de Abreu. O progresso da ordem: o florianismo e a construção da república. 2. ed. Rio de Janeiro: E-papers, 2008. p. 154.

sábado, 27 de fevereiro de 2016

NO ESPÍRITO SANTO






Por Diógenes Maradey, FRC


Rasgou os ciclos do mundo superior em prístina luz
e se projetou em essência sobre sua luminosa criação
buscando sobre a Terra o motivo de sua bela alegria
encontrou em Jesus, a viva imagem de sua expressão.

Estando Jesus limpo de corpo e puro de mente
pelo iniciador João no batismo de água no Jordão,
em suave, esplendoroso e caudaloso véu desceu
o sublime Espírito convertido em Vinho e Pão.

Sentiu Jesus o profundo eflúvio cósmico dentro do seu Ser
e banhou de Luz, Vida e Amor a terra prometida de Israel
buscando a resposta certa em seu flamejante coração
da missão que seu sapiente Pai nele depositou.

Espírito Santo, consciência de universal inteligência
que Te manifestas visível como um reino harmônico
expressando tuas energias em constantes vibrações
qual arco-íris derramado sobre o Teclado Cósmico.

Sublime emanação da Santa Trindade de Deus
Desliza um de teus imaculados e sábios dardos
sobre esta impura personalidade do meu ser
e faz de mim, uma sentinela dos teus planos.

Não posso jurar ser fiel a teus intuitivos mandamentos
porque as forças humanas são sempre cambiantes
apoiarei minhas esperanças em minha amada Rosacruz
e submergirei minha ignorância em suas chamas purificantes.

Ao voltar os olhos sobre a senda de minha vida
tratando de reunir as experiências com um feito
sinto que tenho um botão de rosa em minhas mãos
e que nasceu uma pequena cruz rosada no meu peito.



O MECÂNICO DE ALMAS







Por Jamil Salloum Jr.

Todos sonhamos em encontrar alguém especial. Aquele alguém que, num só golpe, se converte em guia e transformador de vidas, através do exemplo pessoal. O jornalista ame­ricano Mitch Albon encontrou esse alguém na pessoa do prof. Morris Schwartz, conforme relatou no livro “A Última Grande Lição”, mais tarde transformado em filme. O grande esote­rista russo G. I. Gurdjieff conheceu alguns e os apresentou na obra “Encontros com Homens Notáveis”, também transformado em filme.

O homem sobre o qual escrevo nunca sentou num banco universitário. Seu estudo restringia-se a um elementar primário. Seu nome era desconhecido do mundo, da mídia, dos doutos e ilustres. Nunca escreveu livro algum. Não dominava a “arte do bem falar” e amava a solidão. Fugia da exposição pessoal e encontrava satisfação na regra que adotou para si: o anonimato. Nada tinha de extraordinário na aparência. Um rosto comum entre outros. Trabalhou por mais de 50 anos em sua peque­na oficina mecânica, numa cidade do interior do Paraná. Mestre em sua arte, o conserto de carburadores, alcançou renome profissional no restrito, e hoje quase extinto, mundo dos carros anteriores à injeção eletrônica. Uma vida comum, comuníssima, diria a maioria.Já desaparecido deste mundo, partiu como che­gou: simples e sem alarde. Mas esse homem, em particular, não será esquecido.

Edgard não consertava só carros. Conser­tava vidas. Vibrava em um diapasão que o converteu na pessoa mais extraordinária que já encontrei. Não professava nenhuma religião, mas dava aulas sobre o que vinha a ser a autêntica religiosidade. Jamais acreditaria, naqueles meus vicejantes 19 anos, do alto da pose de “intelectualóide”, se me contassem as coisas que viria a presenciar junto a um sim­ples mecânico de automóveis. De simples, só sua postura, não suas realizações. De fato, vi coisas extraordinárias... coisas cujo ceticismo moderno, filho de um mundo materialista que plasma um absurdo cotidiano, jamais poderia admitir. Portanto, não espanta se minha narrativa for taxada de insólita, exagera e mesmo impossível. Mas vi e vivi, e ninguém jamais poderá me colocar a dúvida.

Quando falamos em mecânicos, imediatamente vem à cabeça a imagem de unia suja, com um não menos sujo habitante, desorganizada e com uma constelação de pôsteres de mulheres nuas. A mecânica do “Seu Edgard” – como era chamado por todos – já surpreendia o visitante na entrada. Ficava nos fundos de sua residência e para se chegar até ela era-se obrigado a cruzar um comprido canteiro de bem cuidadas rosas, de várias tonalidades, plantadas e cultivadas com ter­nura. Ao final do caminho, aos fundos, aden­trava-se em uma pequena casinha de madeira bege. Limpa, clara e organizada, tinha as paredes cobertas por um verdadeiro arsenal de ferramentas, nacionais e importadas, criterio­samente catalogadas, classificadas e pendu­radas lado a lado na parede, compondo um impressionante mostruário. Cartazes com temática ecológica substituíam os eróticos, comuns em oficinas.

Nesse ambiente não usual para mecânicas, um sorridente ancião de cabelos prateados, vestindo jeans e camisa absolutamente limpos, se apressava em receber o cliente. O carro estragado era devolvido, funcionando impeca­velmente, em poucas horas. Mas isso não tem nada de extraordinário; singular talvez. O assombro residia em “outra coisa”.

Ao conhecer e ficar íntimo desse homem, de espanto em espanto fui me acostumando aos outros tipos de “consertos” a que o mecâ­nico se dedicava. Sorrio ao pensar na imagem que o leitor já formou de meu biografado: um curandeiro, com posturas e gestos estranhos, unguentos e sortilégios. Nada poderia ser menos verdadeiro. Este homem simples, de fala simples, de gestos simples e de vida simples, ajudava de maneira simples, sem alarde. E quando menos se esperava o extraordinário ocorria: um ânimo transformado, a resposta do problema febrilmente procurada, uma vida redirecionada e... um mal-estar físico curado! Era interessante observar como numa conversa puramente de negócios com um novo cliente, este, sem saber o porquê, expunha para o mecânico toda sua vida, seus problemas e angústias. E, para sua surpresa, ouvia um conselho direto ou pedagogicamente adminis­trado. Sentia uma força desconhecida invadir o ser, abria um sorriso e saía feliz. A indispo­sição física, se havia, tinha sumido.

De clientes a amigos, “Seu Edgard” vivia rodeado por um pequeno séquito. Vi não só pessoas sem instrução, mas médicos, advo­gados, juízes, professores, engenheiros, matemáticos e até padres pedindo conselhos àquele mecânico. Todos sentados nos peque­nos bancos de madeira marrom da extraordinária oficina. Entre um conserto de carbu­rador, um ajuste na marcha, um aperto de parafuso, o telefone tocava e alguém deses­perado conseguia auxílio nas palavras daquele homem.

Papus, esoterista francês, disse: “existem pessoas humildes, sem qualificação acadêmica e experiência médica, para quem o Céu é tão aces­sível que os doentes são curados por seu pedido e o sentimento ruim em seus corações encontra amor e compaixão através do seu contato.” Eu com­provei a veracidade destas palavras. De fato, as vibrações da oficina daquele homem se igualavam, e por vezes transcendiam, a de muitos templos, mosteiros, sinagogas e outros lugares dedicados à prece e à meditação. Não dava mais vontade de sair de lá!  Clientes que vinham para ficar 15 minutos ficavam horas, sem saber o motivo.

Vi vidas arruinadas serem resgatadas de um abismo sem esperanças; famílias praticamente destruídas restauradas e harmonizadas; saúdes comprometidas retornarem ao normal. Vi gente importante chorar que nem criança e beijar as mãos calejadas de um homem que conhecera há poucas horas, que havia consertado algo mais do que seu suntuoso carro. E vi mais outras tantas coisas ...

Ainda que não tenha conseguido impri­mir no leitor a verdadeira dimensão deste homem, não poderia relatar o resto sem correr o risco de chocar alguns, dada a inverossimilhança de determinados aconteci­mentos. Não seria facilmente aceito. Fica aqui a homenagem e o tributo a uma pessoa extraordinária. Sei que “Seu Edgard” me perdoará, de onde estiver agora, pela violação de uma vida inteiramente reservada. E sei que não aceitaria essa publicação se estivesse neste plano, dado seu amor pela solidão. No entanto, após sua partida à “outra margem”, acredito que o relato desta simples, mas grandiosa vida, poderá servir de inspiração a muitos. E que o resto permaneça “sub rosa”.

Não quero passar a impressão que o homem cuja vida aqui esbocei era um santo, isento de falhas, imperfeições e limitações. Pelo contrário. Tinha o que chamava, recor­rentemente, de “minhas grandes falhas”. Contudo, das pessoas falíveis que compõem o mundo, foi a mais sincera e extraordinária que encontrei. E em sua simplicidade conseguiu muito mais do que a complexidade comporta­mental que tanto caracteriza a era hodierna.

Para encerrar, vêm à memória as palavras do Imperator Ralph M. Lewis, em seu notável livro “O Santuário do Eu”, que se aplicam perfeitamente ao mecânico de almas: “Se quiserem conhecer um místico, não limitem sua pesquisa aos mosteiros e templos, mas procurem também nas estradas e nos caminhos, nas cidades e cabanas e no acotovelamento e agitação dos grandes centros cosmopolitas do mundo. Quando virem um homem ativo, estudioso, compassivo, amado por seus amigos e vizinhos, tolerante no campo religioso e que pode mostrar-lhes a magnifi­cência e a força cósmicas nas coisas mais simples, terão encontrado um místico. Com estas quali­dades, quer ele esteja em uma batina sacerdotal ou macacão de operário, é um místico”.

Eu encontrei alguém assim.

FONTE: SALLOUM JR, Jamil. O mecânico de almas. In O Rosacruz. n. 265. 3º trimestre 2008. Curitiba: AMORC-GLP, 2008. p. 38


A ROSA E A CRUZ DE ROBERT FLUDD




Por Peter Bindon, FRC*

Muito se tem debatido acerca da conexão entre Robert Fludd e os Irmãos da Cruz Rosada, nome pelo qual eram conhecidos os Rosacruzes há trezentos e cinqüenta anos. Porém o que está muito claro, tanto por seus escritos quanto pelo que outros escreveram sobre ele, é que Fludd foi um grande conhecedor da Filosofia Rosacruz. O diagrama A Rosa e a Cruz é pleno de simbolismo próprio do pensamento rosacruz.

Fludd nasceu em 1574 e morreu em 1637. Viveu e trabalhou como médico na Inglaterra, mas também viajou pela Europa, onde conheceu pessoas com inclinações parecidas com as suas durante os seis anos que permaneceu ali. Graduou-se como bacharel e mais tarde como doutor em Medicina pela Universidade de Oxford. Sem dúvida, seus contemporâneos pensavam que seus métodos não eram muito ortodoxos pois consultava o horóscopo dos pacientes para fazer o diagnóstico e utilizava o que parecia ser remédio homeopático. Fludd foi o que hoje denominamos de terapeuta holístico. Para ele, primeiro deviam ser curados a mente e o espírito do paciente e depois a enfermidade. ·

As idéias radicais mantidas por Fludd sobre medicína e cura lhe causaram grandes dificuldades para ser aceito na comunidade médica. Mesmo assim, foi admitido como membro do Real Colégio de Médicos. Seu livro Breve Apologia da Fraternidade da Cruz Rosada, publicado em 1617, demonstra que era um entusiasta defensor desta frater­nidade, mesmo que nunca tenha afirmado pertencer a ela. Isto não é surpreendente já que, naquele tempo, sair da ortodoxia era perigoso para a segurança pessoal.

O símbolo A Rosa e a Cruz de Robert Fludd, apareceu primeiramente como ilus­tração da quarta parte do seu Summum Bonum, publicado em 1629, e que era uma defesa da Fraternidade Rosacruz. A inscrição latina Dat Rosa Mel Apibus significa: A Rosa dá o Mel às Abelhas. Trata-se de uma observação perfeitamente inocente. Porém, por que diria Fludd algo tão óbvio? E evidente que este texto encerra um pensamento mais profundo. Examinemos, então, o simbolismo do desenho mostrado na ilustração (página anterior).

O simbolismo da Rosa poderia encher livros inteiros e é demasiado extenso para ser dis­cutido aqui. Poderíamos dizer, com certeza que a rosa está associada ao amor e que esta virtude é o ponto central da simbologia Rosa­cruz. Primeiramente, o Amor, junto com a Luz e a Vida, ocupa um dos pontos do Triângulo de Manifestação mencionado em alguns de nossos rituais. Em segundo lugar, Cristo aconselhou que nos amássemos uns aos outros pois, desta maneira, pode-se desenvol­ver a Personalidade-Alma como o fazem as pétalas da rosa enquanto avançam rumo à maturidade. Em terceiro lugar, a Rosa Mística representa a Personalidade-Alma que se abre na cruz do serviço, formando assim nosso símbolo mais potente e mais fácil de reconhecer, o da Rosa-Cruz, considerada no contexto de quem trabalha para seu crescimento pessoal.

A rosa cresce no jardim da alma. As abelhas são o símbolo do trabalho. Imagi­nável o esforço combinado que é necessário por parte dos indivíduos-inseto para conse­guir um litro de mel condensando o néctar de milhares de flores. O labor dos alquimistas e dos terapeutas não era menos intenso. Este símbolo indica que o progresso no desenvolvimento místico só pode ser conseguido ao preço de um esforço pessoal considerável. A Luz do Rosacrucianismo, de que são porta­dores nossos Organismos Afiliados, é tam­bém a combinação de muitas pequenas luzes.

Vejamos outra consideração relativa ao simbolismo das abelhas em sua colmeia. As abelhas estão necessariamente em um jardim para assegurar que a fertilidade potencial das plantas se manifeste em seus frutos. A não ser que as flores recebam o impulso de algum mecanismo polinizador, murcham e morrem sem cumprir sua missão. As abelhas são o símbolo eterno da progressão natural da vida. Utilizando uma linguagem menos poética, com freqüência se compara a reprodução como a atividade “dos pássaros e das abelhas”.

As grades e as parreiras da ilustração de Fludd nos recordam que estamos em um Jardim. E o “Vinho da Uva” têm sido por muito. tempo o símbolo das ricas recom­pensas que podem ser alcançadas com um espírito empreendedor. Este exemplo recorda igualmente uma função de transformação, porque são necessários muitos processos separados para transformar a uva da vida em vinho que sustenta a alma. De novo devemos recordar que o trabalho é necessário para fazer o jardim produtivo. O aspecto ondu­lante da superfície do jardim pode ser consi­derado como uma representação do que chamamos de “altos e baixos” da vida. Enten­demos que nem todos os momentos de nossa existência podem ser vividos como algo prazeroso, porém, apesar das adversidades que encontramos, a evolução da nossa Personalidade-Alma avança rapidamente devido a nossa resolução e fortaleza.

A aranha é o símbolo das armadilhas que devemos evitar na vida. Do mesmo modo que a teia da aranha apanha a incauta abelha, a distração, a falta de foco, a indolência e outros vícios apanham o imprudente jardi­neiro da alma. Robert Fludd nos deixou muitos símbolos entrelaçados nessa ilustra­ção. Camuflou artisticamente o fato de que a rosa está dentro de uma cruz. Os braços da cruz estão formados por alguns ramos estra­nhos que não existem em plantas reais. Para evitar qualquer erro de interpretação, a cruz de Fludd é intencionalmente distinta da cruz da Crucificação adotada pela Igreja Cristã. Não devemos portanto, confundir esta cruz com qualquer outra de simbolismo religioso. Mesmo que possam haver paralelismos entre os dois tipos de cruzes, a de Fludd nos leva diretamente a contemplar a ideia da cruz do serviço, sobre a qual se revela a rosa da Personalidade-Alma em crescimento.

A contemplação da ilustração de Fludd é um magnífico ponto focal para meditar sobre este pensamento.

* Frater Peter Bindon é Grande Mestre da Grande Loja de Língua Inglesa para a Austrália.

FONTE: BINDON, Peter. A Rosa e a Cruz de Robert Fludd. In O Rosacruz. n. 258. 4° trimestre 2006. Curitiba: AMORC-GLP, 2006.

ECLESIASTES: A ARTE DE VIVER BEM





Por Sérgio Carlos Covello, FRC


A idéia de que o delito acarreta inevitavelmente o castigo e a retidão traz sempre a recompensa está arraigada no inconsciente coletivo da humanidade e expressa um antigo ideal de justiça.

Essa teoria da retribuição permeia grande parte dos livros sagrados, especialmente os que compõem a Bíblia, onde talvez se tenha formado com mais ênfase. Em Provérbios 10, 3-4, por exemplo, lê-se que “O Senhor não deixa ter fome o justo, mas rechaça a avidez dos perversos. O que trabalha com mão remissa empobrece, mas a mão dos diligentes vem a enriquecer-se”. Também em Jó, 16-17: “Se o perverso amontoar prata como pó, e acumular vestes como barro, ele os acumulará, mas o justo é que os vestirá, e o inocente repartirá a prata”.

Ocorre que, na prática, isso nem sempre se verifica, pois a sociedade é constituída principalmente de pessoas egóicas só preo­cupadas com seu próprio interesse e tudo fazem para sobrepujar seus semelhantes tanto no campo profissional como no campo cultural, artístico, político e sobretudo econômico. Além disso, muitas desgraças naturais como doenças e acidentes aconte­cem a pessoas boas, enquanto pessoas de conduta não muito elogiável desfrutam de perfeita saúde e longevidade. Ante tais fatos, muitos buscam explicar as injustiças do mundo com a noção antiga de vidas passadas e débito cármico, ou, então, se atormentam e acabam perdendo a fé e a esperança, conven­cendo-se de que a vida é, na melhor das hipóteses, uma piada de mau gosto.

Há, contudo, na Bíblia, um pequeno livro que ensina a ver as coisas como são e não como gostaríamos que fossem, mostrando que a teoria da retribuição é uma das ilusões de que o homem deve desfazer-se, se quiser viver bem. Trata-se do Livro do Eclesiastes que, por fazer análise nua e crua da realidade, desconcerta os leitores e é visto com reser­vas por teólogos e exegetas apegados a convicções religiosas. Mas pelo fato de descon­certar é que promove a maturidade consciencial de quem o lê. “De sua leitura – diz Maillot – ninguém sai incólume, mas adulto ou pronto para vir a sê-lo”. Não é por outro motivo que o texto ganhou foros de palavra de Deus e é sempre citado em pregações católicas e evangélicas e mesmo em exposições meramente filosóficas.

Eclesiastes, em he­braico, coélet, significa pregador, aquele que fala e promove debates nas assembléias ou reuniões públicas, um sábio que, a exemplo de Sócrates, Platão e Platino, praticou profissionalmente a sabedoria, ensinando-a aos outros: “Eu apliquei meu coração a conhecer, a indagar e a procurar a sabedoria e a razão das coisas” (1:13). No posfácio, há a informação de que “o Pregador, além de sábio, ainda ensinou ao povo o conhecimento, e, atentando e esqua­drinhando, compôs muitos provérbios” (12:9).

Não se sabe, todavia, o nome do prega­dor, pois ele se esconde na figura de Salo­mão: “Palavras do Eclesiastes, filho de Davi, rei de Jerusalém” - diz o escritor no intróito. Mas, a obra foi escrita muito tempo depois do sábio rei, provavelmente entre os séculos 3° e 2° a.C.

A pergunta que o Eclesiastes se propõe responder no livro é: “Que proveito tira o homem de todo o trabalho com que se afadiga debaixo do sol?”.

Trata-se de pergunta intrigante que todos nós nos fazemos depois da adolescência, ainda que inconscientemente.

Observador perspicaz, homem vivido e experiente, ele responde de pronto, logo no início da obra: tudo é vaidade, vaidade de vaidades (1:2).

Vaidade (ou vento) é, no discurso do Eclesiastes, o que não tem substância, o que é efêmero e insatisfatório. Numa tradução menos literária, porém mais fiel ao original, o pensamento nuclear do livro pode resumir-se numa sentença: Tudo é vazio e fome de vento!

Para esse filósofo-pregador, a vida humana é decepcionante. Nada do que os homens costumam almejar satisfaz. A própria sabedoria (cultura), tão encarecida no consenso geral, embora seja mais proveitosa do que a ignorância, passa como o vento, e no fim de contas, tanto o sábio como o estulto têm o mesmo destino – o esquecimento, sucedendo-lhes, sem distinção, tanto coisas boas como coisas más. O trabalho também é vento, porque muitas vezes o seu produto (a remuneração, o lucro) é deixado para outrem sem nenhum merecimento: “todos os seus dias (do trabalhador) são dores e o seu trabalho desgosto” (3:23). Nada escapa aos olhos críticos do pregador, nem a riqueza nem os prazeres: “Quem ama o dinheiro, jamais dele se farta: e quem ama a abundância nunca se farta da renda”. Além disso, - pondera - a fartura do rico não o deixa dormir e, no entanto, ao morrer nada poderá levar de seu trabalho . É também, pura vaidade realizar grandes feitos, sobressair com obras grandiosas entre seus semelhantes, pois isso só traz cansaço.

As desigualdades da vida são inafastáveis, e as riquezas e os aplausos nem sempre se relacionam com o mérito: “Vi perversos receberem sepultura e entrarem no descanso, ao passo que os que freqüentavam o lugar santo, foram esquecidos na cidade, onde fizeram o bem” (8:10). Sobre a terra, há “justos a quem sucede segundo as obras dos perversos, e perversos a quem sucede segundo as obras dos justos” (8:14). A sorte parece ser a mesma para todos (justos e injustos, puros e impuros, bons e maus), pois tudo acontece por acaso. Daí, não ser necessariamente dos ligeiros o prêmio, nem dos valentes a vitória, nem dos sábios o pão, nem tampouco dos prudentes os bens materiais e dos habilidosos o favor.

O discurso do Eclesiastes é um banho de água fria nos que acreditam que fazer o bem é garantia de receber o bem, de que o trabalho traz o prêmio, de que a cultura garante o êxito profissional ou social, e de que as riquezas e os prazeres trazem a verdadeira felicidade.

Mas, a despeito dessas agruras, o homem pode viver bem desfrutando com alegria o fruto de seu trabalho, sem se preocupar com recompensa ou reconhecimento, sem fazer comparações, sem se indignar com as injustiças do acaso. O comer e o beber com moderação dão-lhe alegria, e o recrear-se é sempre salutar, visto que de nada vale ruminar a tristeza, senão somente para piorar a vida.

Do texto extrai-se uma lição superior que todo místico deve conhecer: o mundo (do ego) pode dar alegrias que são passageiras, da mesma forma como dá muitas tristezas que também são passageiras. A felicidade quem se dá é o próprio homem, transcendendo o ego e alcançando o centro divino, pois “Deus fez os homens retos, mas eles buscaram muitas invenções” (17:19). Note-se que não foi o homem sozinho que se distanciou de sua natureza divina, mas o homem em convívio com os outros homens (eles buscaram muitas invenções). O grupo social passou a discriminar, a pôr rótulos, a estabelecer regras nem sempre justas, e o ser humano se deixou iludir, apegando-se a coisas, pessoas, pensando encontra mundo exterior.

O homem desperto, cuja consciência se expandiu, sabe que há tempo para nascer e para morrer, para plantar e para colher, e é inútil não se conformar com essa lei do universo.

O pregador não é apenas filósofo, mas também um arguto psicólogo, e por isso dá conselhos sábios para uma vida equilibrada:

Não sejas demasiadamente justo, nem exageradamente sábio. Por que te destruirias a ti mesmo?”(7:16).

Não apliques o teu coração a todas as palavras que se dizem” (7:21).

Quem somente observa o tempo nunca semeará, e o que olha para as nuvens nunca segará” (11:4).

Vai, pois, come com alegria o teu pão e bebe gostosamente o teu vinho, pois Deus já de antemão se agrada de tuas obras” (9:7).

Em todo tempo sejam alvas as tuas vestes, e jamais falte óleo sobre a tua cabeça” (9:8).

Goza a vida com a mulher que amas todos os dias de sua vida fugaz, os quais Deus te deu debaixo do sol, porque esta é a tua porção nesta vida pelo trabalho com que te afadigaste debaixo do sol” (9:9).

Afasta, pois, do teu coração o desgosto e remove de tua carne a dor” (11:10).

Longe de ser homem desiludido e desesperado, como querem alguns intérpretes, o Eclesiastes é um pregador da alegria que se extrai dos prazeres moderados, dos bons pensamentos e da contemplação da natureza. Para os que têm olhos para ver e inteligência para compreender, esse pequeno grande livro faz entender que o desespero, a revolta, a indignação não mudam a ordem das coisas, e para nada servem. Afinal, “o que é torto não se pode endireitar, e o que falta, não se pode calcular” (1:15), mas desfrutar sem apego das alegrias disponíveis e aceitar com compreensão as agruras é suma sabedoria.


FONTE: COVELLO, Sérgio Carlos. Eclesiastes: a arte de viver bem. In: O Rosacruz. n. 251. 1° trimestre 2005. Curitiba: AMORC-GLP, 2005. p. 42-45.