quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

SEMANA DA PÁTRIA 2012 – PARTE 01






Por João Florindo B. Segundo




A Inconfidência mineira e a segunda vida de Tiradentes


Bandeira dos inconfidentes.



Quando se fala em lutas pela libertação do Brasil do domínio português, vem logo à mente a Inconfidência Mineira (também chamada de Conjuração Mineira), tentativa de revolta de natureza separatista ocorrida na capitania de Minas Gerais e abortada pela Coroa em 1789, pelo que, se pode pensar que este artigo trará mais do mesmo. Porém, de início, deve-se frisar que novos estudos apresentam uma inconfidência diferente daquela narrada nos livros didáticos e é sobre essa nova visão crítica que se desenvolverá o presente trabalho.


Variante da bandeira dos inconfidentes.



Tradicionalmente considerada uma luta hercúlea para a libertação do Brasil, o historiador inglês Kenneth Maxwell, autor de “A devassa da devassa” (Rio de Janeiro: Terra e Paz, 2. ed. 1978), diferentemente, alega que “a conspiração dos mineiros era, basicamente, um movimento de oligarquias, no interesse da oligarquia, sendo o nome do povo invocado apenas como justificativa” e que seu objetivo era a independência exclusiva de Minas Gerais. Por sinal, sequer pretendiam dar fim à escravidão.

Isto posto, deve-se frisar também que à época do movimento, a Maçonaria era uma sociedade secreta e clandestina, não admitida em território brasileiro, assim como na Metrópole. As Lojas Maçônicas eram proibidas de funcionar e seus membros perseguidos e presos pelo crime de pertencer a tal Ordem (vide o caso de Hipólito José da Costa). Em verdade, oficialmente, a Maçonaria surgiria no Brasil apenas em 1801, de maneira que se pode perguntar se a Inconfidência se caracteriza como um movimento maçônico vez que ainda não havia Oficinas no país. Segundo alguns autores, haveria centenas de Maçons organizados em Lojas, mas clandestinamente. Neste ínterim, recorde-se o caso do Areópago de Itambé, fundado em 1796 e que será tema de nosso próximo artigo.

E aí chegamos ao personagem mais polêmico dessa história: Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, que muitos autores asseguram com veemência que era maçom, muito embora nada de concreto foi encontrado até agora.


Tiradentes jovem, sem barba e com o uniforme dos Dragões de Minas em pintura de Washington Rodrigues (1940).



A primeira menção à participação de maçons na Conjuração Mineira partiu da pena de Joaquim Felício dos Santos em suas “Memórias do Distrito Diamantino”, de 1868, onde afirma: “Tiradentes e quase todos os conjurados eram pedreiros livres”, sem apresentar qualquer comprovação do fato. E ao longo do tempo, tal afirmação tomou ares de verdade; porém, atualmente, dá-se importância sobremaneira à documentação comprobatória dos fatos históricos e dentre os autores atentos à exatidão das fontes, pode-se citar os seguintes, por sinal todos Irmãos: João Alberto de Carvalho (do Oriente de Minas Gerais), José Castellani, Frederico Guilherme Costa (ambos da Loja de Pesquisas do GOB) e Nicola Aslan, dentre outros.

Historicamente, o que se tem comprovado sobre Tiradentes é que nasceu em 1746, na Fazenda do Pombal, entre São José e São João Dei Rei (MG). Filho de um pequeno fazendeiro, ficou órfão de mãe aos nove anos e de pai, aos onze, pelo que, não chegou a concluir o curso primário. Sob a guarda do seu padrinho, Sebastião Ferreira Dantas, um cirurgião, teve deste ensinamentos em Medicina e Odontologia. Ainda jovem, ficou conhecido pela habilidade com que arrancava os dentes estragados das pessoas, advindo daí o apelido de Tira-dentes. Em 1780, tornou-se Soldado e um ano depois, foi promovido a Alferes. Por ser mazombo (palavra depreciativa, designativa do filho de português nascido no Brasil) não inspirava confiança à Coroa, pelo que permaneceu por muito tempo no posto de Alferes, sem chance de promoção.

Envolveu-se então na Inconfidência Mineira e segundo os relatos, foi iniciado na Maçonaria pelo Poeta e Juiz Cruz e Silva, amigo de vários inconfidentes e a quem o militar teria salvado a vida em circunstâncias desconhecidas.

Os novos estudos apresentam um Tiradentes sem barba, sem liderança, sem glória e segundo Maxwell, como o “bode expiatório” da conspiração (op.cit., p. 222). “Na verdade, o alferes provavelmente nunca esteve plenamente a par dos planos e objetivos mais amplos do movimento” (p.216). Por ser um militar de baixa patente (abaixo da de Tenente), é natural acreditar que não lideraria coronéis, brigadeiros, padres e desembargadores, que eram os verdadeiros líderes do movimento. E semi-alfabetizado que era, Tiradentes estava longe de acompanhar os Maçons envolvidos na Inconfidência, homens cultos e que em sua maioria regressaram recém-formados de Coimbra, em Portugal (onde também se formou o maçom Arruda Câmara, fundador do Areópago de Itambé).

As cartas de denúncia existentes nos autos da Devassa, informando que Maçons estavam envolvidos no movimento são apresentadas como evidência documental. Também se presume a participação da Maçonaria pela bandeira do movimento e o dístico maçônico “Libertas quae sera tamen” em torno do triângulo. Conta-se que os maçons brasileiros foram encorajados na tentativa de libertação, pela história dos Estados Unidos da América, onde os maçons George Washington, Benjamin Franklin e Thomas Jefferson saíram vitoriosos na luta com a Coroa inglesa.

Os planos brasileiros, entretanto, não deram certo: presos os conjurados graças à delação de Silvério dos Reis em 15 de março de 1789, Tiradentes foi recolhido no Rio de Janeiro, na Cadeia Velha. Seu processo prolongou-se por dois anos, sendo sentenciado à morte e enforcado no dia 21 de abril de 1792 (um sábado), no Rio, no local conhecido como Campo da Lampadosa, atualmente Praça Tiradentes. Com a Independência, em 1822 Tiradentes foi reconhecido como mártir da Inconfidência Mineira e em 1865, proclamado Patrono Cívico da nação brasileira.

Mais tarde, proclamada a República (1889), havia a necessidade da construção de uma nova identidade nacional (e rápido, pois importante lembrar que a primeira bandeira republicana foi uma cópia auriverde da americana!). Pensou-se em eternizar o primeiro Presidente, Marechal Deodoro da Fonseca (maçom), mas o escolhido foi Tiradentes, filho do estado que detinha na época a maior força republicana e grande poderio econômico, Minas. E como o governo português proibiu que se fizesse qualquer pintura ou escultura de Tiradentes, sua imagem se perdeu nas brumas do tempo, pelo que Décio Vilares (artista responsável pelo desenho da Bandeira do Brasil) criou sua já famosa representação barbado, semelhante à de Cristo. Em 21 de abril de 1890, comemorou-se pela primeira vez o Dia de Tiradentes (primeiro feriado republicano) e o Apostolado Positivista distribuiu pelas ruas panfletos com o desenho de Décio. A ideia era fazer o povo brasileiro pensar que tal qual Jesus morreu pela humanidade, Tiradentes morreu para salvar o Brasil, pelo que seria motivo de orgulho e exemplo a ser seguido.



Primeira e criativa (?) bandeira do Brasil República, cuja validade durou cinco dias (15-19/11/1889). Foi hasteada na redação do jornal "A Cidade do Rio", após a Proclamação e no navio "Alagoas", que conduziu a Família Imperial ao exílio.


Agora o mais curioso de tudo isso é que há alguns anos circula a hipótese de que Tiradentes não foi ao cadafalso. Com a promessa de que os Irmãos livrariam sua cabeça se condenado à morte, ele admitiu voluntariamente ser o líder do movimento e no dia do suplício, com a ajuda deles, foi trocado por um ladrão, o carpinteiro Isidro Gouveia, que fora condenado à morte em 1790 e assumiu a identidade de Tiradentes em troca de ajuda financeira à sua família oferecida a ele pela Ordem. Quando Gouveia foi conduzido ao cadafalso, testemunhas que presenciaram a sua morte se diziam surpresas porque ele aparentava ter bem menos que seus 45 anos.

No livro “Narrativa da perseguição”, de 1811, Hipólito José da Costa descreve a diferença física entre Tiradentes e o homem que foi executado em 1792 (Hipólito só não narra como fugiu da prisão, em Portugal, onde passou mais de dois anos recolhido simplesmente por ser maçom; teria sido outra proeza dos Maçons?). Para confundir ainda mais as mentes e gera dúvidas, o escritor Martim Francisco Ribeiro de Andrada em sua obra “Contribuindo”, de 1921, narra que “Ninguém, por ocasião do suplício, lhe viu o rosto, e até hoje se discute se ele era feio ou bonito...”. Afinal, o enforcado foi ou não visto pelo público presente à execução?

O corpo do ladrão Gouveia foi esquartejado, sendo o tronco entregue à Santa Casa de Misericórdia e enterrado como indigente. A cabeça e os membros foram salgados para retardar a decomposição, acondicionados em sacos de couro e enviados para as Minas Gerais, sendo pregados em pontos do Caminho Novo e os pedaços expostos pela estrada até Vila Rica (atual Ouro Preto), como forma de intimidação a futuras ideias libertárias. A cabeça foi oculta, para que não se descobrisse a farsa, enquanto os demais inconfidentes foram absolvidos ou condenados ao exílio. Porém, tradicionalmente conta-se que a cabeça foi exposta em Vila Rica, no alto de um poste defronte à sede do governo, porém foi furtada. O local de sua residência também foi salgado, para que não nascessem plantas ali.


Tiradentes esquartejado, pintura do paraibano Pedro Américo (1893).



Com a ajuda dos Irmãos Maçons, dentre os quais Cruz e Silva (que também era um dos juízes da Devassa), Tiradentes teria embarcado incógnito na nau Golfinho, em agosto de 1792, com destino a Lisboa. Com ele seguiram sua namorada, conhecida como Perpétua Mineira e os filhos de Isidro Gouveia. Em uma carta encontrada na Torre do Tombo, em Lisboa, seu autor, o Desembargador Simão Sardinha, que conhecera Tiradentes no Brasil, narra ter-se encontrado, na Rua do Ouro, em dezembro de 1792, com alguém idêntico ao inconfidente e que ao reconhecê-Io, fugiu correndo. Outros relatos dão conta de que em 1806, Tiradentes teria voltado ao Brasil, onde abriu uma botica na casa da namorada, na Rua dos Latoeiros (hoje Rua Gonçalves Dias) e de que faleceu em 1818.

Segundo artigo da Folha de São Paulo de 21 de abril de 1998 confirma-se assim a alegação de Martim Francisco (irmão de José Bonifácio de Andrada e Silva) de que outra pessoa foi executada no lugar de Tiradentes e que após o esquartejamento do cadáver, desapareceram com a cabeça, para impossibilitar a identificação do corpo.


Manuscrito de outubro de 1780, com assinatura de Tiradentes no cargo de Alferes Comandante. Junto ao documento  está a declaração  de autenticidade a pedido do então proprietário, Francisco de Gusmão Castello Branco, por parte do  Archivo Nacional, em 11 de novembro  de 1922. O documento medindo 15x21,5 cm  é um Recibo de Víveres  para montaria da Companhia da qual era comandante. Foi redigido pelo soldado Antonio Roiz (Rodrigues) de Souza, que também assina o documento. Ainda não localizamos a assinatura do Antônio Xavier da Silva.



A polêmica foi reforçada em 1969, quando o historiador carioca Marco Correa estava em Lisboa, onde viu fotocópias de uma lista de presença na galeria da Assembleia Nacional francesa de 1793, em que constava próximo à assinatura de José Bonifácio a de um certo Antônio Xavier da Silva. Funcionário do Banco do Brasil, pelo que se formara em grafotécnica e tendo estudado a assinatura de Tiradentes, concluiu que se tratava da assinatura do inconfidente. Essa assinatura estava ao lado da de José Bonifácio, pelo que curioso lembrar que tão logo declarado o Brasil independente, como vimos, Tiradentes foi homenageado, em época em que José Bonifácio detinha grande prestígio (inclusive foi o primeiro Grão Mestre do Grande Oriente do Brasil, fundado em 17 de junho daquele ano, voltando à função de 1831 a 1837).

Segundo o Presidente Floriano Peixoto (maçom), Tiradentes disse “Se dez vidas eu tivesse, dez vidas eu daria pelo Brasil”. Contudo, talvez outra vida foi dada em troca da sua. Em verdade, como bem escreveu Hermann Hesse “Sem dúvida, ignoramos tudo aquilo que ficou oculto, e não devemos nos esquecer de que os fatos históricos, ao serem consignados, por mais que isso se faça com sobriedade e boa vontade, permanecem sempre poesia, e sua terceira dimensão é a ficção”.



REFERÊNCIAS:


1 - ASLAN, Ítalo Barroso. Tiradentes...Maçom? “O Pesquisador Maçônico”, ano II. Número 13. Março de 2002. In Correio Filosófico. João Pessoa: ano IV, nº 46, jul. 2012

2 - CALLEGARI. Jeanne. São Tiradentes – imagem real do herói pode ser outra. 2007. Disponível em <http://guiadoestudante.abril.com.br/estudar/historia/sao-tiradentes-imagem-real-heroi-pode-ser-outra-435167.shtml> Acesso em 25 ago. 2012.

3 - CAMARGO, Guilhobel Aurélio. O martírio de Tiradentes, uma farsa criada por líderes da Inconfidência Mineira. Revista Universo Maçônico. ano V, n. 18, 2012, pp. 60-61.

4 - GOB. História do Grande Oriente do Brasil. Disponível em <http://sgec.gob.org.br/index.php/pesquisas-historicas-maconicas/58-histoira-do-grande-oriente-do-brasil/208-historia-do-grande-oriente-do-brasil> Acesso em 02 set. 2012.

5 - HESSE, Hermann, O jogo das contas de vidro. Rio de Janeiro: Record, 2003.

6 - PINCA, Laura. Tiradentes, o bode expiatório. MONTFORT Associação Cultural. Disponível em <http://www.montfort.org.br/index.php?secao=veritas&subsecao=historia&artigo=tiradentes> Acesso em 02 set. 2012.

7 - SILVA, Carlos Eduardo Lins da. Morte de Tiradentes tem contestação. Folha de São Paulo, São Paulo, 21 abr. 1999.

8 - Tiradentes quadro a quadro – dez faces de Joaquim José da Silva Xavier. Disponível em <http://www.brasilazul.com.br/dez-faces-de-tiradentes.asp> Acesso em 29 ago. 2012.

9 - Tiradentes: um herói inventado. 21/07/2010. Disponível em <http://imperiobrasileiro-rs.blogspot.com.br/2010/04/tiradentes-um-heroi-inventado.html> Acesso em 27 ago. 2012

10 - UNIVERSO MAÇÔNICO. A inconfidência mineira, uma tradição inventada. Disponível em < http://www.revistauniversomaconico.com.br/historia/a-inconfidencia-mineira-e-a-maconaria-uma-tradicao-inventada> Acesso em 02 set. 2012.

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