quarta-feira, 15 de maio de 2024

SOBRE A RELAÇÃO ENTRE A NATUREZA E A OBRA DE ARTE

 

 

Por João Florindo Batista Segundo

 

Tradicionalmente, a filosofia ocidental sempre considerou o belo da natureza como superior à obra artística, a qual, em Platão, por exemplo, seria mera representação das formas naturais que, por sua vez, eram cópias das formas ideais presentes no mundo suprassensível (a reminiscência conduziria às formas perfeitas).

Pouco depois de Platão, Aristóteles apresentou sua crítica à ideia de uma participação na Beleza suprema, dando ênfase a uma ordenação artística das formas de modo harmônico e visualizável. Tal harmonia é decorrente da vitória contra o caos da vida.

É somente a partir do idealismo alemão que o belo da Arte sobrepujou essa relação de inferioridade ante a natureza. Agora, mesmo aquilo que era considerado grotesco, feio e medonho ingressa no rol do que é produção artística e objeto de estudo da Estética.

Kant, nesse sentido, foi um dos precursores, ao apresentar e destacar o papel do juízo do gosto do observador da obra de arte. A sensação de prazer ou de desprazer do contemplador/leitor liberta-se da comparação da obra de arte com as formas ideais suprassensíveis e da necessidade de constatar uma luta contra o caos do mundo: o que importa agora é a construção da Beleza no íntimo do espírito do contemplador.

Além de estar liberta dos ideais platônicos e aristotélicos, a obra de arte também está além do artista e é mais confiável que ele, por se deixar ser livremente interpretada e indicar o trajeto para novas experiências do viver em um mundo porvir, como afirma Adorno.

Na arte contemporânea, descortina-se a harmonia naquilo que é surpreendentemente desprezível e tudo o que outrora era reles monturo e entulho adquire sua cidadania, sem nenhuma necessidade de replicar o mundo natural ou de tentar ordená-lo. A arte inaugura o mundo e dá à fealdade o seu espaço para se apresentar e permitir ao contemplador a participação em algo que transcende os fins imediatos da vida.

Em Adorno, a arte nos apresenta um modelo de comportamento alternativo à dominação da natureza externa (o mundo natural) e de nossa natureza interna que são impostas pela sociedade em seu progressivo processo de racionalização.


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