A universidade de Paris é a filha mais velha dos
reis da França, e muito velha, pois tem mais de novecentos anos1; por
isso de vez em quando sonha. Contaram-me que ela teve, há algum tempo, uma
grande discussão com alguns doutores por causa da letra Q2
que a Universidade queria que fosse pronunciada como K. A discussão se
acalorou tanto, que alguns chegaram a ser despojados de seus bens; foi
necessária a intervenção do Parlamento para acabar com a intriga e deu
permissão, por meio de uma sentença solene, a todos os súditos do rei da França
para pronunciar essa letra como melhor lhes aprouvesse. Era realmente bonito
ver os dois organismos mais respeitáveis da Europa ocupados em decidir sobre a
sorte de uma letra do alfabeto! Parece, meu caro, que as cabeças dos maiores
homens se reduzem quando estão reunidas e que, onde há mais sábios, há menos
sabedoria. Os grandes organismos se apegam sempre tão fortemente às minúcias, aos
usos inúteis, que o essencial sempre vem somente em segundo plano. Ouvi dizer que
um rei de Aragão3, tendo feito a união dos Estados de Aragão e da
Catalunha, as primeiras sessões foram realizadas para decidir em que língua as decisões
seriam transcritas; a disputa foi renhida; os Estados teriam rompido mil vezes,
se não tivessem imagino um expediente que consistisse em que o pedido fosse
feito em catalão e a resposta fosse dada em aragonês.
De Paris, 25 de lua de Zilkagé,
1718.
1 – Montesquieu segue a
tradição popular que fazia remontar a fundação da Universidade a Carlos Magno
(747-814); na verdade, foi fundada e organizada entre 1150 e 1170 (nota do tradutor).
2 – Quer falar da querela
de Ramus (nota do autor).
3 – Foi em 1620 (nota do
autor).
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