sexta-feira, 17 de maio de 2024

ENTRE A PAIXÃO VIOLENTA E A LANGUIDEZ: A BOA TRISTEZA, EM MICHEL DE MONTAIGNE

 


 

Por João Florindo Batista Segundo

 

No ensaio Da tristeza, inicialmente, Michel de Montaigne (1533-1592) parece apresentar ao leitor as consequências da tristeza sobre a mente e o corpo do ser humano. Porém, ao longo do texto, ele também expõe as consequências negativas provocadas por um extravasamento de felicidade.

É de se pensar então sobre que tipo de emoção o ensaísta francês do século XVI está realmente a advogar.

Observemos quando ele afirma em relação à tristeza que “um embrutecimento sombrio, surdo e mudo [...] se apodera de nós quando as ocorrências nos esmagam ultrapassando o que nos é dado suportar” (Montaigne, 2016, p. 48), ao passo que, em relação à paixão (geralmente considerada como algo bom), as pessoas ficam com o pensamento e o corpo abatidos, daí “a inesperada e fortuita impotência que surpreende o amante tão fora de propósito” (ibid., p. 49).

De fato, ele desafia as concepções tradicionais da tristeza e da alegria, ao demonstrar que o excesso de ambas pode levar a estados físicos e mentais semelhantes de completa perda de controle e até mesmo, à morte. No final do texto, o autor arremata: “Quanto a mim, sou pouco predisposto a essas paixões violentas; tenho uma sensibilidade naturalmente grosseira e a torno mais espessa ainda e empedernida mediante raciocínios diários” (ibid., p. 50).

Diante dessa afirmação, compreendemos que Montaigne se inclinava para a melancolia, que, nas palavras de Rüdiger van der Heiden, é “a paz triste da sabedoria profunda” (apud Calazans, 2012, p. 145). Esse estado emocional está além da tristeza comum e é fruto da reflexão sobre aspectos mais profundos da vida e da existência.

Lembremos que no Renascimento, a melancolia por vezes era associada à sabedoria e à criatividade, concepção explorada com maestria na gravura Melancolia I, do pintor e ilustrador alemão Albrecht Dürer (1471-1528).

Fica claro que, para o filósofo francês, a vida humana é decepcionante e que nenhum empreendimento resulta em satisfação plena. Por outro lado, não nos cabe desesperar ante essa constatação, até porque, tanto as alegrias quanto as tristezas que o mundo nos apresenta são passageiras.

Alega o ensaísta que raciocinava diariamente sobre esse estado de coisas e uma das consequências da melancolia é dirigir-se à introspecção e ao autoexame, o que ajudava a compreender seus desejos e necessidades.

E ao afirmar que lhe faltavam paixões violentas, certamente Montaigne, pelo menos a essa altura, vivia sem se preocupar com recompensa ou reconhecimento, sem fazer comparações e sem se irritar com as injustiças do acaso; de fato, em última instância, essas alterações de humor não mudam a ordem das coisas e só conduzem à morte prematura. Ressaltemos que da sabedoria não pode resultar autodestruição, pois autodestruir-se não requer sabedoria.

Por fim, podemos destacar que a perspectiva de Montaigne demonstra seu profundo conhecimento dos meandros do ser humano, além de ser especialmente relevante nos tempos contemporâneos, em que a sociedade, via de regra, estigmatiza emoções que considera “negativas”.

 

REFERÊNCIAS: 

CALAZANS, José Carlos. A Melancolia de Albercht Dürer (1471-1528). Revista Lusófona de Ciência das Religiões. ano XI, n. 16/17, p. 135-152. 2012. Disponível em: https://revistas.ulusofona.pt/index.php/cienciareligioes/article/view/3818. Acesso em: 27 set. 2023.
 
MONTAIGNE, Michel de. Da Tristeza. In: MONTAIGNE, Michel de. Ensaios. Tradução e notas de Sérgio Millet; revisão técnica e notas adicionais de Edson Querubim; apresentação de André Scoralick. 1. ed. São Paulo: Editora 34, 2016. p. 47-50.

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