quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

QUIETUDE E CONTEMPLAÇÃO

 


Por Henry David Thoreau

  

Não li livros no primeiro verão; carpi feijão. Não, muitas vezes fiz coisa melhor do que isso. Havia momentos em que eu não podia sacrificar o florescer daquele presente a qualquer trabalho, fosse da cabeça ou das mãos. Gosto de uma ampla margem para minha vida. Às vezes, numa manhã de verão, depois de tomar meu banho costumeiro, eu ficava sentado à minha porta ensolarada desde o nascer do sol até o meio-dia, enlevado num devaneio, entre os pinheiros, as nogueiras e os sumagres, em serena solidão e quietude, enquanto as aves cantavam ao redor ou cruzavam a casa num voo silencioso, até que, com o sol batendo em minha janela ocidental ou o ruído da carroça de algum viajante na estrada à distância, eu era lembrado do passar do tempo. Eu crescia naquelas sazões como o milho à noite, e eram muito melhores do que teria sido qualquer trabalho com as mãos. Não era um tempo subtraído à minha vida, e sim um tempo muito acima e além de meu quinhão normal. Entendi o que os orientais querem dizem com contemplação e renúncia à atividade. De modo geral, eu não me importava como transcorriam as horas. O dia avançava como que para iluminar algum trabalho meu; era de manhã, e eis que de repente era o entardecer, e eu não tinha feito nada de memorável. Em vez de cantar como os pássaros, eu sorria silenciosamente à minha sorte incessante. Como o pardal que gorjeava pousado na nogueira diante de minha porta, eu também tinha meu chilreio ou abafado cacarejo, que ele podia ouvir vindo de meu ninho. Meus dias não eram dias da semana, trazendo o sinete de alguma divindade pagã, e tampouco eram picotados em horas e esfolados pelo tiquetaque de um relógio; pois eu vivia como os índios puris, que, segundo dizem, “têm uma palavra só para ontem, hoje e amanhã, e expressam a variação de sentido apontando atrás para ontem, apontando em frente para amanhã e ao alto para o dia em curso”. Sem dúvida, para meus concidadãos isso era pura ociosidade; mas, se as aves e as flores tivessem me testado pelo critério delas, eu nada ficaria a dever. Um homem deve encontrar as ocasiões próprias em si mesmo, certamente. O dia natural é muito calmo, e dificilmente lhe reprovará a indolência. 

  
REFERÊNCIA:
THOREAU, Henry David. Walden. Tradução de Denise Bottmann. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2010. E-book.

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