Por Bento Prado Jr.
I
Falar sobre a filosofia no Brasil é tarefa particularmente
embaraçosa. Poderíamos definir esta dificuldade em termos aristotélicos: como
saber o que é uma coisa, se não sabermos ao certo se ela é? A
esta dificuldade fundamental soma-se outra, mais geral, relativa ao próprio
sentido da noção de filosofia nacional: não está, nesta noção, essencialmente,
prejudicado o ideal de universidade inerente à filosofia? Certamente houve, e
ainda há, historiadores preocupados em recortar a história do pensamento
segundo as fronteiras dos “espíritos das nações”. A tarefa do historiador
consistiria, dessa perspectiva, em ultrapassar a diversidade dos estilos e dos
temas que separa aparentemente os pensadores e as gerações, em direção de uma
“visão do mundo” mais ou menos constante. Não cabe aqui a discussão da
pertinência desta perspectiva: indicamo-la para abandoná-la em seguida. O que
nos interessa nela é apenas o contraponto para atribuir um sentimento
mínimo e provisório à noção de filosofia nacional e situar corretamente a área
da questão relativa à filosofia do Brasil.
A ideia de filosofia nacional recobre habitualmente dois
preconceitos nem sempre discerníveis: um preconceito psicologista e um
preconceito historicista. A filosofia é aí pensada como a expressão de
uma alma ou de um espírito cuja natureza permanece inalterada ao longo da
História. É a identidade do espírito que garante a continuidade da História e
que faz com que as várias filosofias pareçam suceder-se dentro de um mesmo
tempo, como as frases sucessivas de um único discurso. A ênfase no eixo
diacrônico e a tese da expressão estão intimamente entretecidas na raiz da
ideia de filosofia nacional. Mas, na cumplicidade entre esses pressupostos, o que
se perde é a autonomia da história da filosofia e a natureza do próprio
discurso filosófico: a filosofia apenas exprime algo que a precede e não
podemos distingui-la jamais da mera ideologia.
Significa isto que todo estudo de uma cultura nacional seja necessariamente
historicista e psicologista? Certamente não, e a prova disto pode ser
encontrada na própria bibliografia relativa à história da cultura brasileira.
Referindo-nos à Formação da Literatura Brasileira de Antonio Candido e,
mais precisamente, aos conceitos que propõe em sua “Introdução”. O que nós ai
encontramos é o esboço de uma compreensão da literatura brasileira – de sua
história e de sua identidade – que se
coloca para além das dificuldades do psicologismo e do historicismo. E isto só
é possível através da distinção essencial que A. Candido aí estabelece entre a
simples manifestação literária e a literatura propriamente dita.
Nesta oposição, a noção de literatura significa algo a mais do que a simples
coleção das obras ou das manifestações literárias: ela significa essencialmente
um Sistema. Nem é, tampouco, a unidade da língua que confere
sistematicidade a uma literatura. É como se a leitura se localizasse menos na
língua que lhe serve de suporte, ou na soma das obras que constituem a sua matéria
do que no espaço branco que as articula, separando-as. Há literatura e existe
um tal sistema quando ler um autor significa interpretar a distância que o
separa dos demais. Não é, assim, uma “alma nacional” que se exprime nesse
sistema – é, ao contrário, nele que os indivíduos e os grupos interpretam e reinterpretam
suas “almas”. Antipsicologista, esta perspectiva é também anti-historicista: é
só no interior de um sistema sincrônico desse tipo que a história assume
sentido positivo e que a diacronia se torna inteligível. É só quando se
estabelece um sistema desse tipo que é possível a :
(…)
formação da continuidade literária – espécie de transmissão da tocha entre
corredores, que assegura no tempo o movimento conjunto, definindo os
lineamentos de um todo1.
É essa distinção ou esta atitude que permite, por exemplo, a A.
Candido, ao contrário da rotina dos manuais, datar a instauração da literatura
brasileira, a iniciar a sua história real a partir de meados do século XVIII.
Se nos voltarmos, com o mesmo espírito, da literatura para a
filosofia brasileira, a nossa conclusão será diferente: o seu registro de
nascimento ainda não foi lavrado. Há obras, é certo, e nenhuma “escola”
filosófica, provavelmente, deixa de estar representada nas “manifestações filosóficas”
de nosso país. Sem diminuir o interesse dessas obras – pois há notáveis –, cabe
assinalar que resenhá-las não implicaria nenhuma informação para o leitor
europeu; sem contar com o fato de que um “panorama” dessa ordem não caberia nos
limites de um artigo. Aqui também se faz marxismo, fenomenologia,
existencialismo, positivismo etc.: mas, quase sempre, o que se faz é divulgação.
Essas obras e esses trabalhos não se organizam no tempo próprio de uma
tradição, nem se articulam no interior de um sistema próprio: é de fora,
sempre, que lhe vem a sua coesão. E é por isso que um historiador das ideias no
Brasil afirma que o pensador brasileiro, mantendo a sua postura de consumidor,
conserva ainda os traços de Macunaíma, o curioso personagem do romance de Mário
de Andrade:
Macunaíma
trata de fartar-se de todas as comezainas, de todas as frutas. Fala de
indumentária, mas veste-se pouco (…) canta todas as canções e dança todas as
músicas. É o herdeiro ladino mais ignorante de todas as culturas, todos os instintos.
II
É incontestável, assim, que não há no Brasil um conjunto de obras
filosóficas que componha um sistema ou uma tradição autônoma. Mas, justamente
por isso, talvez possamos falar de uma experiência particular da filosofia no
Brasil, que tem essa carência como horizonte. Talvez, a maneira mais adequada
de descrever a situação da filosofia do Brasil seja a de mostrar como os
pensadores assumem essa carência da cultura nacional e como interrogam, através
dela, a possibilidade de sua própria filosofia.
Talvez pudéssemos caracterizar inicialmente essa experiência como a
experiência de uma temporalidade invertida: nela a reflexão precede a
percepção, a filosofia precede a própria filosofia. Aqui, a coruja de Minerva
levanta voo ao amanhecer. Isto quer dizer que a consciência do vazio cultural
faz com que até mesmo o historiador das ideias tenha uma preocupação
essencialmente prospectiva: o que ele busca no passado são os germes do que ele
acredita que a filosofia deve ser no futuro. É como se tentássemos, na inspeção
de um passado não-filosófico, adivinhar os traços de uma filosofia que está por
vir. Nessa busca do tempo perdido, há algo de patético, algo como uma Nação à
procura do seu próprio “espírito”. Adiante, procuraremos mostrar o equívoco que
acreditamos encontrar na raiz das tentativas desse tipo – por ora, limitamo-nos
a expô-las.
Muitos são os estudos sobre a filosofia no Brasil e cada um traz
consigo não só uma imagem diferente do que foi a história de nosso pensamento,
como também uma ideia diversa da natureza da própria filosofia e das tarefas do
filósofo num país subdesenvolvido. Na impossibilidade de traçar um mapa
completo de todos os trabalhados dessa área e conscientes da injustiça de não
lembrar outras tantas tentativas significativas, deter-nos-emos na consideração
de duas obras típicas: a de João Cruz Costa e a de
Álvaro Vieira Pinto2. Embora os estilos sejam radicalmente opostos e
recorram a métodos diferentes, os dois autores colocam, em última instância,
como veremos, o mesmo problema: que é a que deve ser a filosofia no Brasil? Um
pouco da “atmosfera”, pelo menos, da filosofia em nosso país poderá ficar
patente através da resenha desses ensaios:
1. Nas obras de João Cruz Costa, o exame da filosofia brasileira é
feito sob o signo de historicismo, do qual não podem escapar, segundo
ele, mesmo aqueles que o contestam. A caracterização da natureza do pensamento
brasileiro, o desenho de seu perfil atual, só é possível, nessa perspectiva,
através da recuperação de sua origem. É assim o legado colonial que
serve de matriz primitiva para esse pensamento e é a sua estrutura que governa
nossa experiência e explica as contradições de nossa aventura intelectual. A
história do pensamento no Brasil passa então a ser interpretada como a história
da domesticação de uma nova experiência pelas formas oferecidas pela
cultura portuguesa.
Mas qual é a experiência da filosofia que a herança lusíada
prefigura ou propicia? Essa herança é descrita, inicialmente, de maneira
negativa e aparece, antes de mais nada, como obstáculo à filosofia. Pois
é exatamente no momento que se inicia a colonização do Brasil que os jesuítas
e a Contra Reforma fecham o pensamento português ao sopro de renovação que
atravessa a Europa e que viria a instaurar o pensamento e a ciência moderna. É
o humanismo formalista e livresco dessa nova escolástica que domina e
cristaliza a cultura da metrópole e que estende a sua hegemonia à nova colônia.
O
humanismo artificial, que foi infligido a Portugal, impressionou com tal força
a sua inteligência que alguns de seus traços se notam ainda na nossa: o formalismo
em que esta ainda se debate, vem – cremos – dessa origem. A retórica, o gramaticismo,
a erudição livresca são traços que herdamos da formação, dita humanista,
derivada do século XVI português3.
Transplantado para os trópicos, esse escolasticismo assume feição
nova e o seu formalismo se torna tanto mais radical quanto se destaca sobre o
fundo da nova paisagem. O desenraizamento e a alienação
peculiares dessa atitude persistem, segundo João da Cruz Costa, até nas
produções contemporâneas, sob a forma do entusiasmo pelo jargão esotérico da
última filosofia da moda. Aí já temos os traços fundamentais de uma espécie de
psicossociologia do pensador brasileiro: é na fascinação pela retórica
da filosofia que ele esquece e esconde a sua condição real e é com palavras que
constrói o seu palácio imaginário. E é a própria cultura que deixa, assim, de
ser instrumento de decifração da experiência e de crítica, para tornar-se qualidade,
marca de privilégio ou de distinção de classe, para transformar-se em realidade
camuflada. É praticamente, apenas em meados do século XIX e, mais
profundamente, depois da primeira guerra mundial que começa a ser usada, não
apenas como campo de rêverie do exilado no trópico, mas como forma de
crítica da realidade brasileira. Essa mutação é, aliás, contemporânea do
surgimento da preocupação com a “realidade brasileira”: segundo João Cruz
Costa, o espírito livresco e formalista só começa a entrar em recesso quando a filosofia
se volta para sua radicação histórica e o filósofo liga a sua tarefa teórica
aos destinos da Nação.
Mas nem tudo, na herança colonial, é formalismo e obstáculo ao
pensamento crítico. Mesmo a libertação do espírito livresco acha-se prefigurada
na matriz do pensamento português. Reportando-se à história da cultura
portuguesa, João Cruz Costa lembra o realismo e o pragmatismo como características que nem a pedagogia jesuítica
conseguiu apagar inteiramente:
Desde
muito cedo, pois, o pensamento português se apresentou marcado por uma
finalidade prática. Ele gravitará em torno de uma problemática realista,
de objeto preciso, limitado, concreto. O sentido do útil,
do imediato é o que de preferência aí transparece. É como dirá o poeta João de
Barros: “o terrestre amor das realidades humanas, o profundo sentido
realista da existência”. Não fugiu a este sentido prático da existência o
próprio jesuíta4.
É este pragmatismo originário que nos convida a mudar a estratégia
da nossa leitura: é preciso “descascar” as obras filosóficas para ler o seu
sentido verdadeiro. Por debaixo de sua linguagem universalizante e de sua
aparente intenção teórica é preciso desenterrar a intenção prática imediata e a
referência a uma situação histórica precisa. Mesmo quando a sua linguagem é
celeste, esse filosofia fala do sólido mundo terreno: o que implica que a única
leitura possível dessas obras é a leitura ideológica. É o pragmatismo
lusitano, que se perpetua na vocação essencialmente política e ideológica, que
João Cruz Costa rastreia ao longo da história das ideias no Brasil.
Como interpretar, dessa perspectiva, o sentido do êxito do
ecletismo na primeira metade do século XIX brasileiro? João Cruz Costa no-lo
apresenta como a ideologia exigida pela circunstância peculiar ao Segundo
Império. Nos discursos do Frei Francisco de Mont’Alverne, no elogio de Cousin –
que, segundo o “verbosíssimo frade” , “se levantou como um Deus, no meio do
caos”, e “reconstruiu a filosofia, apresentando as verdades, de que o espírito
humano esteve sempre de posse” –, o que se estabelece é, na realidade, a
justificação teórica das necessidades políticas da classe dominante no período
que vai da abdicação de Pedro I até a Maioridade de Pedro II. A “paz
filosófica” instituída pelo ecletismo é o fundamento da “paz política” desejada
pelos moderados, cujos interesses estão expressos na frase de um político da
época: “Nada de excessos. Queremos a Constituição, não queremos a revolução”.
Da mesma maneira, quando na segunda metade do século XIX o surto do
positivismo, do spencerismo e do evolucionismo, permite uma revisão global de
todas as áreas da cultura nacional, ele exprime a presença de uma nova
consciência política: essa renovação intelectual corresponde às primeiras
tentativas da burguesia para assumir o comando econômico e político da nação. É
nos seguintes termos que João Cruz Costa caracteriza, por exemplo, o fundamento
histórico da difusão do positivismo:
Deste
modo, na segunda metade do século XIX, ao mesmo tempo em que se acentuava o
antagonismo econômico entre os tradicionais burgueses, proprietários de terra –
que governavam o país como se governassem suas fazendas –, e os representantes
de nossos interesses, acentuava-se também a simpatia pelas ideias novas que as
transformações havidas desde os princípios do século haviam posto em
circulação. A partir de 1870, esta nova burguesia assume papel de
importância sobretudo no setor intelectual. É dessa burguesia, formada por
militares, médicos e engenheiros – mais próximos das ciências positivas, graças
à índole de suas profissões – que irá surgir o movimento positivista no Brasil.
Alguns dos que irão aderir ao movimento são homens desiludidos do ecletismo
espiritualista que se ensinava entre nós e que se confundia com uma retórica
palavrosa e inútil (…) São homens que se voltam para a ciência e que nela creem
encontrar resposta satisfatória e soluções definitivas para todos os problemas.
Em outros, ajunta-se ainda o antagonismo que se estabelecia entre as crenças
religiosas tradicionais e as tendências republicanas as quais haviam dado a sua
adesão5.
Se examinarmos globalmente a interpretação que Cruz Costa nos
oferece da história das ideias no Brasil, verificamos que ela é comandada
essencialmente por uma dialética que opõe formalismo a realismo, especulação a pragmatismo,
transoceanismo a radiação da cultura nacional, metafísica a crítica social.
Este sistema de oposições define, é claro, não apenas o fio condutor da
interpretação do passado, mas projeta também uma concepção da própria filosofia,
seu ideal e seu programa. Nesse programa, o trabalho filosófico deve passar
necessariamente pela análise crítica da realidade nacional e a reflexão não
pode jamais abandonar o seu referente histórico, sob a pena de transformar-se
em mero galimatias. Necessidade que se revela de maneira mais que evidente nas
Américas:
A
inteligência nos países americanos – como escreve Alfonso Reyes – não teve
tempo de romper com os estímulos da ação, como aconteceu nos países de velhas
civilizações, nos quais podem edificar-se torres de marfim e teorias
extravagantes, segundo as quais o homem de pensamento que participe da vida de
seu século tem que ser um clérigo traidor.
Para
nós, a filosofia autêntica sempre esteve ligada à ação. Tinha razão, pois, a
nosso ver, Clóvis Bevilácqua quando dizia que se algum dia pudermos alcançar
mais significativa produção filosófica, ela não surgirá dos cimos da metafísica6.
Não é, assim, uma infelicidade que a inteligência americana não
tenha rompido com os “estímulos da ação”: o que João Cruz Costa aponta, através
das palavras de Alfonso Reyes, é que na juventude da civilização americana
podemos encontrar algo a mais do que uma simples imaturidade. O que ocorre aqui
é uma súbita inversão, no qual o simples negativo passa a positivo: o que era
pensado como carência e vazio cultural passa a ser pensado como liberdade
diante do peso da tradição. A metafísica – ruptura com os estímulos da ação ou esquecimento
da origem –, fruto de uma consciência serva da tradição, dificilmente pode
florescer no novo continente. Se “para nós a filosofia autêntica sempre esteve
ligada à ação”, podemos estar seguros de que dificilmente cairemos nas ilusões
das “teorias extravagantes” que encerram o filósofo numa torre de marfim.
Se acompanharmos, assim, o movimento de análise de João Cruz Costa,
na passagem da sua reconstrução da história das ideias no Brasil à ideia de
filosofia que nos propõe, verificamos que o pragmatismo herdado da cultura
portuguesa vem finalmente transformar-se numa filosofia engagée, que não
quer esquecer a sua radicação na práxis.
2. Embora num estilo inteiramente diverso, a obra de Álvaro Vieira
Pinto visa o mesmo problema. Aqui também a discussão da especificidade do
pensamento brasileiro parte da consideração da radicação histórica da filosofia
e de sua eficácia política. Aqui também encontramos a formulação de um projeto
essencialmente prático: a filosofia no Brasil não deve ser a mera reprodução da
metafísica europeia, ela deve transformar-se numa forma autônoma de compreender
e de dirigir o destino da nação. Mais do que isso, a condição de consumidor de
cultura e de filosofia, que caracteriza o pensador brasileiro, é aí diretamente
interpretada em termos políticos: o subdesenvolvimento econômico e a
dependência cultural se superpõem e a filosofia europeia assume a fisionomia do
imperialismo. Assim como o judeu ou o negro para Sartre, o pensador brasileiro
deve, para Álvaro Vieira Pinto, assumir a sua “brasilidade” para atingir a sua
“autenticidade”, para passar da condição de “objeto” à condição de “sujeito”
autônomo, da alienação à liberdade. Os laços que unem o pensamento nacional ao
pensamento europeu são aqueles que definem a dialética do Mestre e do Escravo.
Como já se pode adivinhar, agora não mais nos encontramos diante da
tentativa de caracterizar o pensamento brasileiro através do exame da história
das ideias. Aqui, se se pode falar de uma “história”, encontramo-nos diante de
uma história “pura”, diante de uma espécie de Fenomenologia do Espírito. Não se
trata de descobrir o estilo de um pensamento através da análise das obras em
que se objetivou, mas de traçar a dialética que deve percorrer a consciência no
“elemento” de uma cultura dependente. Não é mais o
historicismo que fornece a perspectiva de Álvaro Vieira Pinto, mas um
hegelianismo interpretado à luz da filosofia contemporânea, saturado de
existencialismo e de marxismo.
O hegelianismo transparece no projeto de examinar o problema da
filosofia no Brasil à luz de uma teoria da gênese da consciência: do movimento
que a conduz das trevas da passividade à compreensão clara e à dominação da totalidade.
Consciência e Totalidade, tais são as categorias a que recorre Álvaro Vieira
Pinto para descrever a odisseia do pensamento nacional, o itinerário que o
conduz de sua primitiva alienação à autonomia a que começa a ter acesso. Como
em Hegel, a consciência é apenas o lugar onde a “substância” pode
tornar-se transparente para si mesma, ela não é exterior ao Ser ou ao Todo de
que é consciência. Mas, aqui, a “substância” é a Nação que, na situação do
subdesenvolvimento, permanece opaca a si mesma, incapaz de alçar-se ao nível do
Saber; o tema real deste discurso é o subdesenvolvimento especulativamente
definido como inadequação entre o em-si e o para-si.
Mas, nesta dialética, na qual a noção de Ser foi substituída pela
ideia de Nação, a tarefa da mediação não pode ser desempenhada pelo conceito.
A mediação ou a reconciliação entre o em-si e o para-si, entre a verdade
objetiva e a certeza subjetiva, entre a realidade nacional e a consciência
política que lhe corresponde, só pode ser desempenhada por uma ideologia,
pela ideologia do desenvolvimento. Nesta ideologia, em que os interesses
da nação como um todo vêm à luz, é a própria nação que realiza o seu destino e
se encarna como universal concreto:
Existencialmente,
a nação é sempre singular e concreta. Logo é mera exigência abstrata e sem
sentido real, pedir ao filósofo que pense em geral, ou seja, de modo válido
indistintamente, a realidade histórica. Não lhe é dado conceber a realidade
senão fundando-se no ponto do espaço e na época em que viva; por isso, perde
todo senso a exigência de universalidade abstrata, só se justifica a pretensão
de universalidade concreta. Desde que a nação a qual pertenço é única, pois
para mim não há outra, é por isso mesmo universal. É o universal concreto7.
Mas, através desta nova versão da ideia hegeliana de Universal
Concreto nós deslizamos para fora do universo hegeliano: ela nos conduz
para uma filosofia de tipo existencial, em que é essencial a tese da finidade
da consciência. Pois se a nação é universal porque “para mim não há outra
coisa”, essa universalidade também é para mim, isto é, repousa da finidade
da minha perspectiva. O que se pensa, aqui, portanto, sob o nome de
“universal concreto” é, em última instância, a noção de situação, tal
como definem os filósofos da existência. A recusa da universalidade abstrata
não significa aqui a substituição da perspectiva do Verstand, do
entendimento “separador” pela Vernunft, razão totalizadora e absoluta,
mas a substituição da perspectiva objetivista da explicação pela
perspectiva da compreensão. O concreto não é mais, também, o objeto do
saber conceitual que percorreu a totalidade das mediações, mas é o objeto de
uma experiência vivida: o concreto emigrou do campo do Logos para o
domínio do Lebenswelt. O grande adversário da “ideologia do
desenvolvimento” seria aquilo que Merleau-Ponty chamava de “la pensée de
survol” e a tarefa do pensador, que promove essa ideologia, é a de fazer o
pensamento coincidir com o “ponto-de-vista nacional”:
A
consciência ingênua (aquela que não coincide com o ponto-de-vista concreto e
vê a nação “de fora”) (…) não problematiza a realidade nacional, que lhe
aparece como facilmente redutível aos conceitos de que dispõe, geralmente
recebidos da maneira tradicional de julgar. A consciência crítica, porém,
considera-se um desafio, a que cumpre responder, mas, e isto é o que a
caracteriza, para fazê-lo, serve-se da lógica que induz da própria realidade onde
se oferece tal problema. Ora, essa lógica, como tivemos ocasião de indicar, não
é nem formal nem abstrata, antes é a forma e a lei da reflexão que abrange e exprime o mundo a partir de um contexto
histórico e social definido, mais concretamente ainda, de um ponto-de-vista
nacional, aquele a que pertence o pensador8.
Mas esse glissement das significações, que nos conduz da
dialética hegeliana à compreensão existencial, da objetividade do conceito à
subjetividade da consciência, não é o último: a dialética da consciência, não é
o último: a dialética da consciência finita vem finalmente superpor-se a uma
dialética materialista. Pois, a realidade de que se fala e que a
consciência nacional deve recuperar e interiorizar é, finalmente, o processo
da produção. A liberdade a que essa consciência pode ter acesso, ao
eliminar a sua “ingenuidade” ou a sua alienação, é a liberdade do planejamento
de sua vida material. O filósofo não é mais aqui o funcionário da
humanidade, que deve tornar possível a tomada de consciência radical do
sentido da experiência humana em sua totalidade: ele é o assessor de um
governo “desenvolvimentista”. A tarefa do filósofo não é outra senão a de
destruir os obstáculos ideológicos que se opõem ao desenvolvimento.
Mas, nesta superposição de perspectivas filosóficas diversas, é a
dimensão da existência que acaba por ser privilegiada: pois a dialética da
“realidade nacional” tem sempre sua raiz num projeto, isto é, numa
dialética da consciência. Não se busca aqui a dialética que engloba ou dissolve
as estruturas objetivas que comandam a existência material, mas aquela
dialética interna através da qual a consciência crê poder coincidir consigo
mesma e, como Narciso diante de sua própria imagem, recuperar o Mundo no
silêncio de sua intimidade. A constituição da filosofia “nacional”, mesmo
estando ligada a uma tarefa essencialmente política, teria algo da ternura com
que uma subjetividade complacente se descobre e se fascina pela sua incrível
identidade.
III
Como pensar estas duas maneiras de situar o problema da filosofia
no Brasil e da ideia de filosofia que nos propõem?
No caso de Álvaro Vieira Pinto, como vimos, a filosofia é pensada
simultaneamente como expressão e como crítica da “realidade
nacional”. Mas é justamente a simultaneidade desses dois traços que torna
difícil esta ideia da filosofia. Pensá-la como expressão significa dissolvê-la
sobre o fundo da pré-história, recusar-lhe a autonomia da teoria. A filosofia
nada mais é, assim, do que uma formulação mais refinada daquilo que já está
presente no nível da experiência e não representa nenhuma ruptura radical em
relação ao senso comum. Álvaro Vieira Pinto descreve, é verdade, a conversão da
“atitude ingênua” na “consciência crítica”, e sabemos que a filosofia é, para
ele, essa conversão. Mas a oposição aí estabelecida é mais de natureza ética ou
existencial do que de ordem epistemológica: trata-se antes de uma rejeição tal
como a que se pode estabelecer entre a autenticidade e a inautenticidade, do
que da relação que se estabelece entre ciência e percepção. O que é essencial é
que não se define o estatuto teórico da filosofia e que não se pode
distingui-la da ideologia. De resto, a indistinção entre teoria e ideologia é
explicitamente assumida por Álvaro Vieira Pinto. Não se trata, apenas, de
reconhecer que o discurso filosófico é susceptível de um uso ideológico ou de
que todo conceito, na medida em que mergulha na prática social, se transforma
em instrumento: trata-se de afirmar que a filosofia não deve aspirar a outro
destino, que ela deve ser ideologia.
Mas não se trata, apenas, de uma superposição que torna
problemática a concepção da filosofia: a própria noção de ideologia se torna
ambígua. Ela não mais significa a consciência deformada ou interessada que os
indivíduos e os grupos podem ter da realidade social, em virtude de sua própria
posição no interior da sociedade: ela significa, também, uma forma de
consciência privilegiada, algo como uma subjetividade
“boa” ou eficaz. Não que não se possa falar de uma ideologia ou de uma forma de
consciência privilegiada – basta pensarmos no caso do marxismo – mas, no caso
do marxismo, o privilégio é justificado (ao menos é essa sua pretensão) de
maneira objetiva e científica, o que garante a distância entre ciência e
ideologia. É a superposição entre a teoria marxista da ideologia e a psicologia
existencialista da autenticidade que dá forma a essa concepção peculiar de
ideologia que encontramos na obra de Álvaro Vieira Pinto. É dessa superposição
que derivam as dificuldades implícitas na sua definição e que envolve a
combinação, em seu recesso, de voluntarismo e espontaneísmo, impulso e
operação, tendência e programa. É o que aparece, por exemplo, no simples
projeto de “construir uma ideologia”: que se “construa” uma teoria, ou que se
analise uma ideologia é coisa compreensível: mais bizarra parece ser a ideia de
elaborar uma visão não-científica da realidade.
Mas todas essas dificuldades derivam, em última análise, do fato de
que é uma metafísica da consciência que encontramos na obra de Álvaro Vieira
Pinto: uma filosofia que é incapaz de distinguir entre a consciência, pura e
simples, e o conhecimento. A ênfase no polo da consciência Aí aparece com a
função de abandonar a metafísica objetivista e o empirismo que se denuncia, com
justiça, nas raízes de certos trabalhos na área das ciências humanas. Mas, como
já observou um crítico agudo do livro de Álvaro Vieira Pinto, é o próprio ideal
da objetividade e de racionalidade que se abandona quando se mergulha no “perspectivismo”
protagórico que, desdenhando a universalidade “meramente formal”, só reconhece
a substancialidade da “verdade-para-a-consciência-nacional”.9
Arrogando-se
o direito de constituir uma “lógica” particular e apropriada a cada situação
dada, não se recusa apenas a universalidade “abstrata” da lógica formal, é a própria
ideia de universalidade que entrou em férias. Da inseparabilidade da teoria
e da prática, chega-se à possibilidade de alterar as categorias segundo as
exigências da prática atual, de adotar as categorias “que nos convêm...” Marx,
porém, não é Protágoras. Quando induz suas próprias categorias a partir da
análise de uma formação socioeconômica dada, apresenta-as como universais. Se
esta universalidade não tem mais o mesmo conteúdo que o da lógica formal,
guarda ainda o mesmo sentido. Se agora se afirma que as categorias do
pensamento universalista devem ser adaptadas a cada realidade nacional e
a cada um de seus momentos, então é preciso dar exemplos desta adaptação;
distinguir antes de tudo os conceitos heurísticos das ciências humanas e os
conceitos ideológicos puros. Pois a palavra “adaptação” terá sentido diferente
quando se tratar: a) da teoria aristotélica do juízo; b) do teorema de Fermat
ou do princípio de Carnot; c) da teoria marxista do valor; d) da intuição
bergsoniana. Cabe ao leitor decidir em que casos a adaptação é absurda, é
fecunda ou inútil. Na ausência destas distinções, a “consciência crítica”
arrisca-se a cair no subjetivismo10.
Mas não é apenas O conhecimento racional e a teoria –
análise científica ou crítica filosófica – que perde seu estatuto ou sua
especificidade no interior deste subjetivismo. O mesmo, poderíamos dizer,
ocorre com a prática política, embora esta filosofia tenha essencialmente a
preocupação de fundamentá-la. Pois, se a consciência “autêntica” é uma
consciência nacional, se a nação é um universal concreto, a essência da
política emigra para o espaço que separa as nações, nas suas relações de
dependência ou de contestação: esses “organismos” desconhecem toda contradição
interna. Toda crise interna só poderá ser entendida como a interiorização da
relação de subordinação que a nação suporta em relação ao exterior e uma ideia
como a de classe social não pode receber significação política
essencial. Assim como reduzir o conhecimento à mera tomada de consciência, esta
metafísica reduz a política à técnica do desenvolvimento.
2. Na obra de
João Cruz Costa não encontramos a exposição de uma metafísica assim discutível
e sim uma minuciosa história das ideias. Mas nem por isso essa história deixa
de implicar uma séria de pressupostos de natureza filosófica. E é precisamente
a natureza dessa filosofia implícita – do historicismo a que já aludimos – que
deve ser analisada e discutida.
O pressuposto básico desta exegese do pensamento brasileiro é o da
permanência, através do tempo, de um mesmo horizonte – a história que descreve
e, em última instância, a história de uma mesma experiência,
interpretada por uma mesma consciência. As mudanças que aponta se
inscrevem sobre o fundo unitário de um mesmo processo ou de um mesmo progresso.
É por isso que podemos reconhecer nessa história – embora sua matéria seja
antes a ideologia do que a ciência – a marca de Léon Brunschvicg, que foi seu
mestre. Mas é justamente o caráter unitário que se acredita descobrir na
história da Razão ou da Consciência que é susceptível de discussão: e que seria
oportuno contrapor, ao modelo de Brunschvicg, aquele proposto nas análises da
história do pensamento feitas por G. Canguilhem. Pois é nessas análises que a
ideia de progresso ou de enriquecimento é substituída pela ideia de
descontinuidade e transformação. É aí que se percebe que:
L’histoire
des “idées” ou des “sciences” ne doit plus être le relevé des innovations, mais
l’analyse descriptive des différentes transformations effectuées11.
Mas qual é a necessidade de substituir uma perspectiva pela outra?
O que é que nos impede de manter a perspectiva de uma história linear das
ideias ou das ciências? O que se perde, dessas perspectiva, é a heterogeneidade
dos campos epistemológicos nos quais gravitam os diversos discursos e
onde eles vão buscar as suas regras de formação. Sem a descrição desse horizonte,
não é possível sequer a interpretação ideológica. Tomemos um exemplo concreto:
o conselheiro de D. João VI, Silvestre Pinheiro Ferreira, polígrafo português
que permaneceu no Brasil de 1809 a 1821, e que no Rio de Janeiro pontifica
sobre filosofia, desde a Teoria do Discurso até a Cosmologia. Falando da
introdução no Brasil, por volta dos últimos anos do século XVIII, de compêndios
como o de Antônio Genovesi, João Cruz Costa nos diz que esse manual:
(…)
vai influenciar em certo momento o próprio Silvestre Pinheiro Ferreira, que não
se dava muito bem com o tenebroso barbarismo dos heráclitos da Alemanha nem
com a fantasmagoria dos ecléticos de França (…) Cético em relação aos
sistemas de filosofia, inimigo declarado deles, Genovesi estava talhado a
servir ao traço fundamental do espírito do pensamento português, voltado para a
prática, para uma concepção muito terrena do sentido da filosofia12.
Será o pragmatismo lusitano que está na raiz desta recusa do
“tenebroso barbarismo dos heráclitos da Alemanha” e da “fantasmagoria dos
ecléticos de França”? Será a psicologia nacional que impede a Silvestre
Pinheiro compreender as aulas de Fichte e de Schelling a que assiste na
Alemanha? Com efeito, é com humor que caracteriza a filosofia desses discípulos
de Kant:
Nem
um só encontramos que não dissesse que ele só entendia Kant. Por este modo, o
em que todos concordavam é que ninguém o entendia13.
É possível, ao menos, formular uma outra hipótese14: não
é o pensador português que não compreende o idealismo alemão, e sim o pensador ilustrado;
não é o filósofo pragmático que recusa esse “barbarismo”, é o pensador que não
abandonou o campo da epistéme clássica (no sentido que Foucault atribui à palavra), que não sabe e não
pode movimentar-se no campo aberto pela modernidade. Com efeito, mostrou-se
como, na obra de Silvestre Pinheiro, a Gramática Geral, a História Natural, a
Análise das Riquezas, a Teoria dos Sinais, enfim, guardam a figura que lhes
havia dado o pensamento clássico. Se deslocássemos Condillac de seu tempo e o
fizéssemos assistir aulas de Schelling, não poderia ele também pensar no
“tenebroso barbarismo dos Heráclitos da Alemanha”?
Mais difícil ainda nos parece interpretar a situação atual do
pensamento no Brasil, suas perplexidades e suas contradições, sobre o fundo da
matriz fundamental do legado colonial. Certamente não somos capazes de
explicitar o horizonte da contemporaneidade como é possível fazer para um pensamento
passado, e menos ainda de circunscrever, com precisão, os seus pontos
críticos. De tudo que se afirmar a esse respeito, poderemos dizer com Foucault?
Bien
sûr, ce ne sont pas lá des affirmations, tout au plus des questions auxquelles,
il n’est pas possible de répondre; il faut les laisser em suspens là où eles se
posent em sachant seulement que la possibilité de les poser ouvre sans doute
sur une pensée future15.
Mas o que podemos dizer é que o legado colonial, ou a “psicologia”
do pensador do país subdesenvolvido, não é mais determinante do que a coerção
exercida sobre seu pensamento pela “positividade” que visa, pelos conceitos de
que lança mão e pelas exigências próprias do discurso que desdobra. São esses
elementos que aparecem como regra de suas opções e limite de seu discurso, são
essas estruturas que, contemporâneas, proíbem ou libertam uma proposição, que
fazem a partilha ente o que deve ser dito e o que deve ser calado. É certo que
ele pode e deve pensar seu país e sua história – mas nesse caso o país e a
história serão um objeto, como outros, e não uma “estrutura transcendental” ou
um a priori subjetivo. Pensar de outra maneira é tornar novamente
impossível a distinção entre experiência e ciência, entre ideologia e
filosofia, é esquecer as exigências mais essenciais da própria filosofia.
IV
Indicamos, no início deste artigo, como a ideia de “filosofia
nacional” pode recobrir uma concepção bastante discutível da História da
Filosofia, fundada num psicologismo e num historicismo dogmáticos, e, em última
instância, numa metafísica da consciência. Mas, quando a ideia de filosofia
nacional deixa de ser um instrumento nas mãos do historiador para
transformar-se num ideal ou num programa do próprio filósofo, as dificuldades
se multiplicam ao infinito. Esse programa só pode encontrar as suas
justificativas fora da filosofia, na ideologia do nacionalismo. De um
nacionalismo que não se entende como etapa, que se detém na preocupação
com a autonomia, que não suspeita que a autonomia nacional pode exigir
mudanças mais radicais, que acredita que ela pode ser promovida através de uma
harmoniosa aliança entre as classes: de um nacionalismo, enfim, que parece ter
sido desqualificado na história mais recente dos países latino-americanos, em
benefício de uma teoria e de uma prática mais radicais.
Talvez a expectativa de uma “filosofia brasileira” esteja, de fato,
essencialmente associada a essa perspectiva política, cuja inconsistência veio
à luz com o golpe militar de 1º de Abril de 1964. Talvez seja por essa razão,
ainda, que a preocupação com a filosofia brasileira ou com a sua história seja
tão rara ente as mais jovens gerações de estudiosos de filosofia, os nossos
alunos que, há sete anos, alimentados pela literatura do Instituto Superior de
Estudos Brasileiros do governo “desenvolvimentista” de Juscelino Kubitschek,
exigiam cursos sobre “lógica brasileira”, leem hoje preferencialmente Marx e
Heidegger, Althusser e Foucault e protestam menos – ou de maneira diferente –
contra o caráter “técnico” dos cursos que recebem. Se isto for verdade, a
“atmosfera” que procuramos descrever nestas páginas já não será tão atual. Mas
as “atmosferas” só se tornam visíveis e descritíveis quando já não são
“vividas” sem distância e iniciam o seu eclipse.
* Este
texto foi publicado, em tradução italiana, em Aut-Aut, Rivista di Filosofia
e Cultura, nº 109-110, Milão, 1969. Mais recentemente(numa conferência
proferida no campus de Araraquara da UNESP, a qual não cheguei a dar
forma literária final) tive oportunidade de nuançar muito meu comentário à obra
do mestre João Cruz Costa. Hoje, sem dúvida, não mais poderia reconhecer-me no páthos
“estruturalo-gauchista” de bom tom no ano de 1968, e minha crítica de
então aparece-me hoje antes como um confirmação da acuidade do “golpe de vista”
histórico de Cruz Costa, para usar a linguagem de Paulo Eduardo Arantes e para
a qual eu era cego na ocasião. Se me permito publicar, tal e qual, o texto de
1968, sem acrescentar a indispensável revisão e autocrítica, é porque o mesmo
Paulo Arantes acaba de publicar um ensaio (“Cruz Costa e herdeiros nos idos de
60”) na revista Filosofia Política, nº 2, onde comenta tanto o meu texto
da Aut-Aut como a reformulação posterior de minha atitude. As críticas
de Paulo Arantes a meu primeiro texto, que endosso integralmente, dispensam, de
minha parte, o prolongamento imediato da discussão.
NOTAS
1 – Antonio Candido, Formação da
Literatura Brasileira, São Paulo, Livraria Martins, vol. 1, p.18.
2 – João
Cruz Costa, antigo professor de Filosofia da Faculdade de Filosofia da
Universidade de São Paulo: referimo-nos, neste artigo, particularmente a seu
livro Contribuição à História das Ideias no Brasil (O desenvolvimento
da filosofia no Brasil), (São Paulo, José Olympio). Álvaro Vieira Pinto,
antigo professor de Filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, foi
também responsável pelo departamento de Filosofia do Instituto Superior de
Estudos Brasileiros do Ministério da Educação e Cultura; referimo-nos aqui
especialmente o seu livro Consciência e Realidade Nacional (ISEB, 1960).
3 – João
Cruz Costa, Contribuição à História das Ideias no Brasil, p.36.
4 – João
Cruz Costa, op. cit., p. 438.
5 – João
Cruz Costa, op. cit., p. 142-143.
6 – João
Cruz Costa, op. cit., p. 442.
7 – Álvaro
Vieira Pinto, Consciência e Realidade Nacional, vol. 2., p. 361.
8 – Álvaro
Vieira Pinto, op. cit., vol. 1, p. 214.
9 – Referimo-nos
ao ensaio crítico de Gérard Lebrun: “A ‘Realidade Nacional’ e seus equívocos”,
de que nos utilizamos largamente neste artigo.
10 –
Gérard Lebrun, “A ‘Realidade Nacional’ e seus equívocos”, Revista Brasiliense,
nº 44, p. 49.
11 – Michel
Foucault, Réponse à une question, “Esprit”, nº 5, mai 1968, p. 857.
12 – João
Cruz Crosta, op. cit., p. 73.
13 – João
Cruz Crosta, op. cit., p. 70.
14 – É
a hipótese formulada na tese de doutoramento, inédita, de Maria Beatriz Marques
Nizza da Silva: Metodologia da História do Pensamento, (Análise Concreta: o
pensamento de Silvestre Pinheiro Ferreira). Nesta tese, a autora mostra a
solidariedade essencial que une o pensamento de Silvestre Pinheiro à rede do
pensamento clássico.
15 – Michel
Foucault, Les Mots et les Choses, Paris, Gallimard, p. 192.
REFERÊNCIA:
PRADO JÚNIOR, Bento. Alguns Ensaios: Filosofia, Literatura e
Psicanálise. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 153-171.
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