segunda-feira, 23 de maio de 2022

A PERFEIÇÃO DA YOGA

 


Por A. C. Bhaktivedanta Swami Prabhupāda

 

O Senhor Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, fala sobre o mais elevado sistema de yoga no Sexto Capítulo do Bhagavad-gītā. Ele explica ali o sistema de haṭha-yoga. Lembre-se, por favor, que estamos pregando este movimento da consciência de  Kṛṣṇa baseados na autoridade do Bhagavad-gītā. Nada do que fazemos é inventado. O sistema de bhakti-yoga é autorizado, e se você quer conhecer Deus, tem de adotar este sistema de bhakti-yoga, porque no Sexto Capítulo do Bhagavad-gītā conclui-se que o yogī mais elevado é aquele que, internamente, está sempre pensando em Kṛṣṇa.

 Kṛṣṇa, a autoridade suprema, recomendou o sistema óctuplo de yoga. O primeiro passo neste sistema de yoga é escolher um local sagrado e muito isolado. A meditação óctupla não pode ser executada numa cidade moderna. Tal coisa não é possível. Na Índia, portanto, aqueles que levam a sério a prática da yoga vão a Hardwar, um local bem isolado nos Himalaias, onde permanecem a sós e seguem um processo muito estrito de comer e dormir. Atividade sexual está fora de cogitação. Essas regras e regulações devem ser seguidas à risca. Fazer uma mera exibição de ginástica não é a perfeição da yoga. Yoga significa controle dos sentidos. Se você satisfaz seus sentidos irrestritamente mas simula uma exibição de prática de yoga, jamais será bem sucedido. Você tem de escolher um local sagrado; então, você deve sentar-se com os olhos semicerrados e concentrar-se na ponta de seu nariz. Você não pode mudar sua postura. Há muitas regras e regulações que realmente não podem ser seguidas atualmente.

Mesmo há cinco mil anos, quando as condições no mundo eram diferentes, este sistema de yoga era impraticável. Mesmo uma personalidade tão elevada como Arjuna, que pertencia à família real, que era grande guerreiro e amigo íntimo de Kṛṣṇa, vivendo constantemente com Ele, após ouvir Kṛṣṇa expor-lhe este processo de yoga em diálogo face a face, disse: “Meu querido Kṛṣṇa, não é possível seguir-Te”. Ele admitiu francamente: “Para mim essas regras e regulações e a prática do controle da mente são impossíveis”. Isto leva a pensar: há cinco mil anos uma personalidade como Arjuna expressou sua incapacidade de praticar este sistema óctuplo de yoga, como, então, poderemos segui-lo agora?

Nesta era, as pessoas têm vida muito curta. A média de duração de vida na Índia é de trinta e cinco anos. Pode ser que em seu país seja mais que isso. Mas, na verdade, ao passo que seu avô podia viver cem anos, você não pode. As coisas estão mudando. A duração de vida vai se reduzir mais ainda. Há predições nas escrituras de que nesta era a duração de vida do homem, sua misericórdia e sua inteligência estão se reduzindo. Os homens não são muito fortes e a duração de suas vidas é curtíssima. Estamos sempre perturbados e praticamente não temos conhecimento da ciência espiritual.

Por exemplo, nas centenas e milhares de universidades em todo o mundo não há departamento de conhecimento onde se ensine a ciência da alma. Na verdade, somos todos almas espirituais. Aprendemos no Bhagavad-gītā que estamos transmigrando de um corpo a outro, mesmo em nossas vidas atuais. Todos nós tivemos alguma vez o corpo de um bebê. Onde está esse corpo? Esse corpo se foi. Atualmente, sou um homem velho, mas me lembro de que uma vez fui um bebê. Ainda lembro quando tinha cerca de seis meses de vida; eu estava deitado no colo de minha irmã mais velha, que estava tricotando, e eu brincava. Posso me lembrar disso, de modo que é possível qualquer pessoa se lembrar de que teve um corpo pequeno. Onde estão esses corpos? Todos eles já se foram. Este é um corpo diferente. Explica-se no Bhagavad-gītā que quando eu abandonar este corpo, terei de aceitar outro corpo. Isto é muito simples de ser entendido. Já troquei de corpos tantas vezes, não apenas da infância para a juventude, mas, segundo a ciência médica, nossos corpos estão mudando a cada segundo, imperceptivelmente. Este processo indica que a alma é permanente. Embora eu tenha trocado de corpo tantas vezes, posso lembrar meu corpo de bebê e meu corpo infantil — sou a mesma pessoa, a mesma alma. Analogamente, quando eu, finalmente, mudar de corpo, terei de aceitar outro. Esta fórmula simples é exposta no Bhagavad-gītā. Todos podem refletir sobre isso, e seria preciso pesquisar cientificamente esta área. Recentemente, recebi uma carta de um professor de Toronto, em que ele sugeria que existe corpo e existe alma. Eu me correspondi com ele. Na verdade, isso é um fato. A alma existe. Há muitas provas disso, não apenas na literatura védica, mas mesmo pela experiência comum. A alma existe, e está transmigrando de um corpo a outro, mas, infelizmente, não se estuda seriamente este assunto nas universidades. Isso não é nada bom. O Vedānta-sūtra diz: “Esta forma de vida humana destina-se à busca do espírito, a Verdade Absoluta”. O sistema de yoga é usado para se buscar os princípios espirituais dentro deste mundo material. Este processo de busca é recomendado no Bhagavad-gītā pelo próprio Kṛṣṇa. Quando Arjuna disse: “O sistema que estás recomendando, o sistema de haṭha-yoga, não é possível para mim”, Kṛṣṇa garantiu-lhe que ele era o maior de todos os yogīs. Ele apaziguou-o dizendo-lhe que não se afligisse por não ser capaz de praticar haṭha-yoga. Ele disse-lhe: “De todos os diferentes tipos de yogīs — haṭha-yogīs, jñãna-yogīs, dhyãna-yogīs, bhakta-yogīs, karma-yogīs – tu és o melhor yogī”. Kṛṣṇa diz: “De todos os yogīs, aquele que está constantemente pensando em Mim internamente, meditando em Mim no coração, é o yogī de primeira classe”.

Quem pode pensar sempre em Kṛṣṇa dentro de si mesmo? Isso é muito fácil de entender. Só se você ama alguém é que pode pensar sempre nele dentro de você; de outro modo, não é possível. Se você ama alguém, então naturalmente você pensa sempre nele. Isso é descrito no Brahma-saṁhitā. Alguém que tenha desenvolvido amor a Deus, Kṛṣṇa, pode pensar nEle constantemente. Quando falo de Kṛṣṇa, você deve entender que Ele é Deus. Outro nome de Kṛṣṇa é Śyāmasundara, que significa que Ele é negro como uma nuvem, mas é belíssimo. Em um verso do Brahma-saṁhitā se diz que um santah, uma pessoa santa, que tenha desenvolvido amor por Śyāmasundara, Kṛṣṇa, pensa no Senhor constantemente dentro de seu coração. Na realidade, quando se chega ao ponto de samādhi no sistema de yoga, pensa-se, sem cessar, na forma Viṣṇu do Senhor dentro do coração. A pessoa absorve-se neste pensamento.

 Kṛṣṇa, Śyāmasundara, é o Viṣṇu original. Isso é afirmado no Bhagavad-gītā. Kṛṣṇa inclui Brahmā, Viṣṇu, Śiva e todos os demais. Segundo a escritura védica, Ele Se expande primeiramente como Baladeva, Baladeva expande-Se como Saṅkarṣaṇa, Saṅkarṣaṇa expande-Se como Nārāyaṇa e Nārāyaṇa expande-Se como Viṣṇu (Mahā-Viṣṇu, Garbhodakaśāyī Viṣṇu e Kṣīrodakaśāyī Viṣṇu). Essas são afirmações védicas. Podemos compreender que Kṛṣṇa é o Viṣṇu original, Śyāmasundara.

Este é o sistema perfeito. Qualquer pessoa que esteja pensando sempre em Kṛṣṇa dentro de si mesma é um yogī de primeira classe. Se você quer a perfeição na yoga, não se satisfaça apenas com a prática de códigos. Você precisa aprofundar-se mais. Na verdade, a prática de yoga é alcançada quando você está em samādhi, pensando sempre na forma Viṣṇu do Senhor dentro de seu coração, sem perturbar-se. Portanto os yogīs vão a um local isolado, e, controlando todos os sentidos e a mente, absorvendo-se em pensar na forma de Viṣṇu, eles atingem o samādhi. Isto chama-se perfeição da yoga. Na realidade, este sistema de yoga é muitíssimo difícil. Talvez seja possível para algum homem solitário, mas para a massa popular em geral ele não é recomendado nas escrituras: harer nāma harer nāma harer nāmaiva kevalam / kalau nāsty eva nāsty eva nāsty eva gatir anyathā. “Nesta era de Kali, deve-se cantar o santo nome do Senhor para se alcançar a salvação. Não há outra maneira. Não há outra maneira. Não há outra maneira” (Bṛhan-Nāradīya Purāṇa).

O sistema de yoga, tal como se recomendava na Satya-yuga, a Era Dourada, consistia em meditar sempre em Viṣṇu. Na Tretā-yuga, podia-se praticar yoga executando-se grandes sacrifícios, e na era seguinte, Dvāpara-yuga, podia-se atingir perfeição através da adoração no templo. A era atual chama-se Kali-yuga. Kali-yuga significa a era da desavença e discórdia. Ninguém concorda com ninguém. Todos têm suas próprias teorias; todos têm suas próprias filosofias. Se eu não concordo com você, você luta comigo. Este é o sintoma de Kali-yuga. O único método recomendado nesta era é cantar o santo nome. Simplesmente cantando os santos nomes de Deus, pode-se atingir a auto-realização perfeita que se atingia através do sistema de yoga na Satya-yuga, através da execução de grandes sacrifícios na Tretā-yuga e através de grandiosas adorações no templo na Dvāpara-yuga. Essa perfeição pode ser atingida pelo simples método de hari-kīrtana. Hari significa a Suprema Personalidade de Deus; kīrtana significa glorificar.

Este método é recomendado nas escrituras, e nos foi dado por Caitanya Mahāprabhu há quinhentos anos. Ele apareceu em uma cidade conhecida como Navadvīpa, a qual está localizada a cerca de oitenta quilômetros ao norte de Calcutá. As pessoas ainda hoje visitam essa cidade. Nós temos lá um centro e um templo. Caitanya Mahāprabhu apareceu ali, e começou este movimento de saṅkīrtana de massa, que é praticado sem discriminação. Ele predisse que este movimento de saṅkīrtana se espalharia por todo o mundo e que o mantra Hare Kṛṣṇa seria cantado em toda aldeia e cidade na superfície do globo. No cumprimento da ordem do Senhor Caitanya Mahāprabhu, seguindo-Lhe os passos, vamos introduzindo este movimento de saṅkīrtana, cantando Hare Kṛṣṇa, e o resultado é que somos bem sucedidos em toda a parte. Estou pregando especialmente em países estrangeiros, em toda a Europa, Américas, Japão, Canadá, Austrália, Malásia, etc. Tenho introduzido este movimento de saṅkīrtana e atualmente temos centros em todo o mundo. Todos os oitenta centros estão sendo recebidos com grande entusiasmo. Não importei esses rapazes e moças da Índia; eles, porém, estão levando este movimento muito a sério porque ele atrai diretamente a alma.

Passamos por diferentes fases em nossa vida – o conceito corpóreo de vida, o conceito mental de vida, o conceito intelectual de vida e o conceito espiritual de vida. Na realidade, estamos interessados no conceito espiritual. Aqueles que são seduzidos pelo conceito corpóreo não passam de cães e gatos. Se aceitamos que “eu sou este corpo”, então não passamos de cães e gatos porque este é o conceito de vida deles. Devemos compreender que “eu não sou este corpo”, como Kṛṣṇa quis convencer Arjuna no começo de Seu ensinamento do Bhagavad-gītā: “Antes de mais nada, tenta compreender o que és. Por que estás te lamentando fundamentado no conceito de vida corpórea? Tens de lutar. Decerto terás de lutar contra teus irmãos, cunhados e sobrinhos, e estás te lamentando. Mas, antes de mais nada, analisa se és o corpo ou não”. Esse é o começo do Bhagavad-gītā Kṛṣṇa tentou fazer Arjuna compreender que ele não era o corpo. Esta instrução não era exclusivamente para Arjuna, mas para todos. Antes de mais nada, temos de aprender que “eu não sou este corpo”, que “sou alma espiritual”. Esta é a instrução védica.

Assim que você chegar ao ponto de estar firmemente convencido de que não é este corpo, você estará na fase brahma-bhūta de compreensão do Brahman. Isso é conhecimento, verdadeiro conhecimento. Avanço de conhecimento para comer, dormir e acasalar-se é conhecimento animalesco. Um cão também sabe comer, dormir, acasalar-se e defender-se. Se nossa educação abrange apenas esses pontos (o cão está comendo de acordo com sua natureza, e nós também, com a diferença apenas de o fazermos num lugar elegante, com comida bem preparada, sobre boa mesa), isso não é avanço. Basicamente isto é ainda comer. De forma semelhante, pode ser que você durma num ótimo apartamento num prédio de seis andares ou num edifício de cento e vinte andares, e pode ser que o cão durma na rua, mas quando ele dorme e quando você dorme, não há diferença. Talvez você nem saiba que está dormindo em um arranha-céu ou no chão, porque pode estar sonhando que alguém o tirou da cama. Você pode esquecer que seu corpo está deitado ali na cama, e no sonho estar voando pelo ar. Portanto, aperfeiçoar o método de dormir não é avanço de civilização. Analogamente, o cão não segue usos sociais para acasalar-se. Sempre que aparece uma cadela, ele faz sexo onde estiver. Pode ser que você faça sexo silenciosamente, em local secreto (embora atualmente as pessoas estejam aprendendo a fazer sexo como cães), mas o sexo é o mesmo. O mesmo princípio aplica-se ao ato de defender-se. Um cão tem dentes e unhas com as quais pode defender-se, e vocês têm bombas atômicas. Mas o objetivo é defender-se, isso é tudo. Portanto, a escritura diz que a vida humana não se destina apenas a esses quatro princípios ou exigências corpóreas da vida. Há outras coisas – um ser humano deve ser inquisitivo para aprender o que é a Verdade Absoluta. Essa educação é que está faltando.

Segundo a civilização védica, um brāhmaṇa é um homem erudito, ou aquele que conhece o espírito. Na Índia, os brāhmaṇas são tidos como homens eruditos, mas de fato não podem chegar a ser brāhmaṇas por nascimento. É de se esperar que eles saibam o que é espírito.

Por nascimento, todos são śūdras, homens de quarta categoria, mas podem reformar-se pelo processo purificatório. Há dez tipos de processos purificatórios. Uma pessoa submete-se a todos esses processos e por fim chega ao mestre espiritual que lhe dá o cordão sagrado como reconhecimento de seu segundo nascimento. Um nascimento é dado pelos pais, e o outro é dado pelo mestre espiritual e o conhecimento védico. Este é o segundo nascimento. Nessa altura o candidato recebe a oportunidade de estudar e compreender o que é Veda. Estudando bem todos os Vedas, ele realmente compreende que é espírito e qual é sua relação com Deus, e então torna-se um brāhmaṇa. Elevando-se além desta plataforma de compreensão do Brahman impessoal, ele chega à plataforma de compreensão do Senhor Viṣṇu, a Suprema Personalidade de Deus; então ele se torna um vaiṣṇava. Este é o processo de perfeição.


REFERÊNCIA:

BHAKTIVEDANTA SWAMI, A. C. Meditação e superconsciência. Mahakala Das (Márcio Lima Pereira Pombo); Advaya Das (José Adailtom Miranda Cavalcanti); Angira Muni Das (Aloiziio Biesek) (trad.). 5. ed. Pindamonhangaba: Bhaktivedanta Book Trust, 1990. p. 1-6.

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