quinta-feira, 8 de junho de 2023

“A VIDA SECRETA DAS ÁRVORES” – PARTE 1

 


 

Por Peter Wohlleben

 
 

Por isso, a árvore armazena água durante o inverno, estação em que chove mais do que suficiente na Europa Central e a árvore praticamente não consome água, pois quase todas as plantas param de crescer nessa época.

 

Quando o solo está seco e as agulhas da copa exigem mais água, a tensão na madeira ressecada fica alta demais. Ela estala e crepita até surgir uma fissura de quase 1 metro de comprimento que vai da casca até os tecidos mais profundos e fere a árvore gravemente. Em pouco tempo esporos de fungos penetram a ferida, alcançam a parte mais interna da árvore e começam a causar destruição.

 

Com isso, chegamos ao centro da escola das árvores, lugar em que impera a violência, pois a natureza é uma professora rígida. Quem não for atento e não se adaptar vai sofrer as consequências. Fissuras na madeira, na casca, no câmbio (camada cilíndrica de células extremamente sensível encoberta pela casca e que se estende em volta do alburno, a parte do tronco que conduz a água): a situação da árvore é grave. Ela precisa reagir, e não só tentando fechar os ferimentos.

 

Nas florestas naturais, é quando uma poderosa árvore-mãe morre de velhice que as outras em seu entorno perdem seu suporte. Isso porque, como resultado, surgem lacunas no dossel de folhas, e as faias e os abetos que antes estavam numa posição confortável de repente perdem o equilíbrio. E, como são lentas, essas árvores levam de três a 10 anos para voltar a se equilibrar.

 

Voltando à ideia de escola, se as árvores são capazes de aprender (e basta observá-las para saber que são), surge a seguinte questão: onde e como armazenam o conhecimento adquirido? Afinal, elas não têm cérebro para guardar informações e gerenciar seus processos. A pergunta vale para todas as plantas, por isso vários pesquisadores são céticos e muitos especialistas acreditam que a capacidade de aprendizado da flora não passa de fantasia.

 

Existe outra pesquisa com água que investiga mudanças de comportamento, mas traz uma nova informação: quando as árvores sentem muita sede, começam a gritar. Não podemos ouvir os gritos, pois eles se dão em uma frequência ultrassônica. Cientistas do Instituto Federal de Pesquisa sobre Floresta, Neve e Paisagem, na Suíça, gravaram os sons e nos explicaram da seguinte forma: quando o fluxo de água enviado das raízes até as folhas é interrompido no tronco, ocorrem vibrações. É um processo totalmente mecânico e não tem nenhum significado. Ou será que tem? Sabemos apenas como esses sons são produzidos, e, comparando com a forma como o homem produz som, concluímos que os processos não são tão diferentes. No nosso caso, o ar passa pela traqueia e faz as cordas vocais vibrarem. Quando penso nos resultados da pesquisa sobre as raízes que estalam, seria totalmente cabível concluir que essas vibrações eram algo mais – gritos de sede, talvez até um alerta às colegas de que a água está acabando.

 

Os fungos se encaixam em algum ponto entre os dois reinos. Suas paredes celulares são formadas de quitina, substância que os aproxima dos insetos e não existe em plantas. Além disso, não realizam fotossíntese e dependem de ligações orgânicas de outros seres vivos dos quais se alimentam.

 

Se concluírem [os fungos] que a árvore é útil, começam a produzir hormônios que orientam o crescimento celular do vegetal de maneira favorável a eles. Para obter açúcar, o fungo ainda oferece alguns serviços adicionais. Um deles é a filtragem de metais pesados, que prejudicam as raízes, mas pouco os afetam.

 

Dessa forma, é natural, por exemplo, que o césio radioativo ainda existente no solo de Tchernóbil por causa da explosão nos reatores em 1986 possa ser encontrado em concentrações mais altas nos cogumelos. O pacote dos fungos também oferece serviços de saúde – o micélio combate espécies intrusas, inclusive ataques de bactérias ou outros fungos.

 

Portanto, como os fungos também dependem de estabilidade, compensam no subsolo quase todas as conquistas de uma espécie de árvore, apoiando as “perdedoras” e evitando seu desaparecimento completo.

 

[…] o pinheiro da espécie Pinus strobus com seu parceiro Laccaria bicolor, cogumelo de duas cores que, em caso de falta de nitrogênio no solo, solta um veneno que mata pequenos animais, como os colêmbolos, insetos que, ao morrer, liberam o nitrogênio de seus corpos e se transformam em adubo involuntário para a árvore e o fungo.

 

Nessa época, a água sobe pelo tronco com tanta força que é possível ouvi-la com o auxílio de um estetoscópio. No noroeste dos Estados Unidos, é dessa forma que se faz a coleta de xarope do bordo, extraído durante o derretimento da neve. Só nesse momento é possível coletá-lo, pois a árvore não tem folhas nos galhos, portanto não é capaz de transpirar.

 

Dessa forma, não se conhece o mecanismo de transporte de água das árvores […].

 

[…] cientistas de três institutos (Universidade de Berna; Instituto Federal de Pesquisa sobre Florestas, Neve e Paisagem; e Instituto Federal de Tecnologia em Zurique, todos na Suíça) realizaram um estudo mais profundo e registraram um leve chiado dentro das árvores, emitido sobretudo à noite, quando grande parte da água está no tronco, pois a copa deixa de realizar a fotossíntese e mal transpira. Nesse momento as árvores acumulam tanta água que o diâmetro de seus troncos chega a aumentar. A água fica praticamente parada nos condutores internos.

 

Como se quisesse exibir a ferida, a árvore começa a permitir a proliferação de musgo nas fendas, onde a água da chuva fica retida por mais tempo e proporciona a umidade necessária ao desenvolvimento do musgo. Dessa forma, para estimar a idade das matas de faias basta olhar para a cobertura verde nos troncos: quanto mais houver, mais antigas serão.

 

Nesse ambiente modificado pelo homem [terras cultiváveis], longe da acolhedora atmosfera da floresta, a faia mal alcança os 200 anos, ao passo que o carvalho ultrapassa os 500 anos sem dificuldade, por exemplo, ao lado de casas de fazenda ou em campo aberto.

 

Uma ferida profunda no tronco ou uma fenda aberta por um raio não prejudicam um carvalho, pois sua madeira é permeada de substâncias inibidoras de fungos, os taninos, que inibem o processo de decomposição e repelem a maioria dos insetos. Além disso, esse meio de defesa tem um efeito colateral para o homem: melhora o gosto do vinho armazenado em barris.

 

Também deve ser bem úmido, sobretudo no verão. Não pode esquentar demais no verão nem esfriar demais no inverno. A precipitação de neve deve ser apenas moderada, mas em quantidade que encharque o solo ao derreter. As tempestades de outono devem ser atenuadas por uma encosta de montanha, e a floresta não deve ter muitos fungos e insetos que ataquem a casca e a madeira.

 

Como o período de desenvolvimento das plantas na Sibéria, no Canadá e na Escandinávia costuma durar poucas semanas, a faia não conseguiria aprontar seus brotos antes do fim da estação, e o inverno é tão rigoroso que eles congelariam.

 

No entanto, a estratégia de manter as agulhas no inverno é extremamente arriscada, pois elas acumulam neve e ficam tão pesadas que a árvore pode quebrar. Para evitar isso, o abeto conta com duas estratégias. A primeira é formar um tronco absolutamente reto, que evita a perda de equilíbrio. A segunda é mudar a angulação dos galhos. No verão, eles ficam na horizontal. No inverno, quando a neve se deposita nos galhos, eles vão se inclinando para baixo, até ficarem uns sobre os outros, como telhas. Assim, apoiam-se mutuamente.

 

Mas o teixo não só é resistente como precavido. Desde que nasce, investe mais energia na ampliação de suas raízes do que qualquer outra espécie. […] Além disso, o teixo vive mais do que a maioria das espécies concorrente: pode passar dos mil anos.

 

O que é exatamente uma árvore? Segundo o dicionário, é um vegetal lenhoso de caule principal ereto e indiviso (o tronco).

 

No entanto, em minhas viagens à Lapônia, encontrei espécimes bem diferentes dessa descrição que me fizeram parecer um gigante. São árvores-anãs da tundra, que muitos pisoteiam sem se dar conta. Às vezes, não medem mais de 20 centímetros após 100 anos.

 

O que acontece com um toco de centenas de anos mantido vivo por suas camaradas, como o que encontrei na reserva? Ele é uma árvore? Se não é árvore, o que é? A situação complica ainda mais quando desse toco surge um novo tronco. Isso é comum em muitas florestas, pois séculos atrás as árvores frondosas foram cortadas por carvoeiros. Dos tocos cresceram novos troncos, que formam a base de muitas das florestas atuais.

 

Cientistas pesquisaram abetos ancestrais no condado sueco de Dalarna. O mais velho tinha formado uma espécie de arbusto plano que cercava um único tronco curto.

 

O resultado da pesquisa dos abetos é simplesmente incrível: 9.550 anos. Os troncos em si eram mais jovens, mas os galhos novos dos últimos séculos não foram considerados árvores, mas, sim, parte do todo.

 

O abeto derrubou muitas teorias científicas. Primeiro porque ninguém sabia que ele vivia mais de 500 anos; segundo porque se acreditava que ele havia chegado ao norte da Suécia apenas 2 mil anos após o recuo dos glaciares.

 

Atualmente a maioria dos botânicos se mostra cética sobre a existência de um local de processamento de inteligência, memória e emoções [nas árvores], mesmo levando em conta esse comportamento. Entre outras coisas, irritam-se com a simples transposição das descobertas de situações semelhantes em pesquisas com animais e temem que isso ameace os limites entre os reinos vegetal e animal.

 

Às vezes imagino que teríamos mais consideração pelas árvores e por outros vegetais se tivéssemos certeza de que em muitos aspectos eles são semelhantes aos animais.

 

Até metade da biomassa de uma floresta se encontra no subsolo, e a maioria dos seres vivos que habitam essa área não pode ser vista a olho nu.

 

Uma floresta poderia simplesmente abrir mão dos habitantes de grande porte. Cervos, corças, javalis, animais de rapina e até grande parte dos pássaros não fariam tanta falta ao ecossistema. Mesmo se todos desaparecessem ao mesmo tempo, a floresta continuaria crescendo sem grandes percalços. No entanto, se os seres subterrâneos desaparecessem, a situação seria outra.

 

Os processos geológicos (como a Era do Gelo e suas temperaturas extremamente frias) quebraram as pedras, e as geleiras as moeram até virarem areia e pó, de forma que, ao fim, restou um substrato básico solto. Com o derretimento do gelo, a água levou esse material para depressões e vales, ou ele foi arrastado por tempestades e depositado em camadas de muitos metros de espessura.

 

Tempos depois, a vida surgiu na forma de bactérias, fungos e plantas, que se transformavam em húmus ao morrer. […] Com isso, as camadas de húmus continuaram crescendo e formaram os precursores do linhito (carvão fóssil rico em detritos vegetais).

  

[…] ácaros, colêmbolos e poliquetas não são tão simpáticos quanto orangotangos ou jubartes. Na floresta, esses seres ínfimos e estranhos formam a base da cadeia alimentar e podem ser considerados o plâncton terrestre.

 

Algumas espécies de gorgulho, em sua maioria habitantes do solo, perderam a capacidade de voar, pois se acostumaram ao ritmo lento das árvores e à sua existência quase eterna. Ao longo de um ano inteiro se locomovem no máximo 10 metros, e não é necessário mais que isso.

 

Abetos em vez de faias, douglásias no lugar de carvalhos, árvores jovens substituindo antigas: as novas florestas não agradam ao paladar dos animais, que morrem de fome.

  

REFERÊNCIA:

WOHLLEBEN, Peter. A vida secreta das árvores. Tradução de Petê Rissatti. Rio de Janeiro: Sextante, 2017. E-book. Trechos selecionados. Grifos nossos.

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