sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

O OCULTO DEUS “DE AMOR” QUE SE DESVELARÁ PARA PUNIR QUEM NÃO O CONHECE!?

 




Por Montesquieu

 

CARTA 35

 

Usbek a Gemchid, seu primo, dervixe do brilhante Mosteiro de Tabriz

 

Que pensas dos cristãos, sublime dervixe? Crês que no dia do juízo serão como os infiéis turcos, que servirão de asnos para os judeus, levando-os a trote para o inferno? Sei muito bem que não irão para a morada dos profetas e que o grande Ali não veio para eles. Mas porque não tiveram a felicidade de encontrar mesquitas em seu país, crês que sejam condenados a castigos eternos? E que Deus os puna por não terem praticado uma religião que ele não lhes deu a conhecer?

[...]

 

De Paris, 20 da lua de Zilkagé, 1713.

 

 

REFERÊNCIA:
MONTESQUIEU. Cartas Persas. v. I. Tradução de Antônio Geraldo da Silva. Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal, n. 47. São Paulo: Editora Escala, 2006. p. 94-95; grifo nosso; colchetes nossos.

terça-feira, 17 de dezembro de 2024

A QUEDA DO INICIADO

 


Quando um discípulo de Buda deixa de o ser [por Buda]

 

Na estação das chuvas, muitos discípulos se estabeleceram na comarca de Vriji, desolada pela fome. Um dos discípulos propôs aos seus irmãos que se elogiassem mutuamente perante o povo dizendo: “Este monge é um santo, teve visões celestes, possui faculdades sobrenaturais e pode fazer milagres.” E os aldeões dirão: “Certamente é uma felicidade que estes santos varões venham entre nós na estação da chuva. Deste modo o povo nos dará oferendas de boa vontade e não sofreremos fome.”

Quando o Buda soube disto, mandou que Ananda reunisse todos os discípulos e disse-lhes:

– Dizei-me, ó discípulos, quando é que um discípulo deixa de o ser?

Sariputra respondeu-lhe:

[...]

– O bom discípulo não deve vangloriar-se de virtude, nem de nenhuma qualidade sobre-humana. O discípulo que, por egoísmo ou proveito pessoal, se envaidece de possuir faculdades extraordinárias, de ter visões celestes, ou de agir por meio de milagres, não é discípulo de Sakyamuni.1

– Assim, ó discípulos, não vos deveis valer de feitiços nem de orações, porque são inúteis, já que tudo está regido pela lei do carma. Quem tenta fazer milagres, não compreendeu a doutrina do Tathagata.2

 

(BUDA apud GEORGES DA SILVA; HOMENKO, 1982, p. 122-123; colchetes nossos)

 

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Dhammapada [por Buda; versos selecionados]

 

19.          Falar muito e recitar os textos sagrados, mas não agir consoante a eles, este incauto assemelha-se a um vaqueiro que só conta o gado alheio. Não é discípulo do Bem-aventurado.

74.          “Que os leigos e religiosos me julguem perfeito, que a mim obedeçam e se submetam às minhas menores ordens” – assim pensa e fala o insensato, e seus desejos e orgulho crescem sem cessar.

259.      Não é recitando os textos que alguém é sustentáculo da Doutrina; mas o que, embora pouco instruído na Doutrina, a realiza e não a negligencia, este, sim, é um sábio.

312.      Não há grandes frutos a esperar de um dever cumprido negligentemente, de um voto vacilante, ou de uma castidade hesitante.

313.      O que devemos fazer, façamo-lo com decisão e energia; a indolência abre a porta para a paixão. Um insensato peregrino só levanta o pó da estrada, o perigoso pó dos desejos.

394.      Para que te servem os cabelos trançados e o manto de pele de antílope com que te abrigas, ó insensato, se ocultas uma selva de paixões no coração e teu aspecto é só aparência!

 

(BUDA, 2004, p. 21, 27, 44, 50 e 59)

 

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Atthaka – Sermão de Buda a Tissametteiya sobre a luxúria – Tissametteiya Sutta [por Buda]

 

Tissametteiya: – Senhor, que tens para nos ensinar sobre a luxúria, para que possamos levar conosco tuas palavras até mesmo aos mais seguros confins das florestas?

Buda: – O homem lascivo é ignobil, meu caro Metteiya – falou o Bhagavat –, e todo aquele que negligencia meu preceito é insensato.

Aquele que, já tendo vivido no recolhimento, passa agora a ceder à luxúria, é chamado pelos outros de vulgar e por eles comparado a um carro desgovernado.

Um homem assim perde todo o respeito de que, até então, se havia feito merecedor. Ao verdes isto, deveis esforçar-vos para evitar a luxúria.

Vendo-se acusado e censurado, o homem lúbrico entra em depressão e sua melancolia é tão grande quanto a do condenado.

Atormentado pelos comentários alheios, o homem licencioso mais ainda se prejudica quando recorre à mentira.

A princípio, quando ainda recluso, era ele julgado um sábio, mas agora que se entrega à devassidão, chamam-no tolo.

Compreendendo o perigo da sensualidade, deve o sábio, em sua nobreza, ater-se rigorosamente, do princípio ao fim de sua vida, ao recolhimento.

Deve ele, portanto, ir sempre só em suas peregrinações, pois que este é o tipo de vida que enobrece.

Mas que nunca julgue ele ser o melhor dos homens, mesmo que já se encontre no limiar do Nirvana.

Em sua tranqüilidade, depois que já venceu os desejos dos sentidos, o sábio permanece livre e atinge a outra margem.

É ele invejado pelos que ainda se acham escravizados às ilusões dos sentidos.

 

(BUDA, 2004, p. 72-73)

 

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Os anarthas provenientes de bhakti [por Śrīla Viśvanātha Cakravartī]

  

Assim como, juntamente com uma planta principal, muitas ervas daninhas crescem; através do cultivo de bhakti, surge o que às vezes pode ser equivocadamente entendido como brotos da trepadeira de bhakti, mas que não o são de fato – trata-se de desejos mundanos por adoração e respeito por parte de outros, aceitação de posições confortáveis, fama e assim por diante. Tudo isso macula a consciência do praticante. Vicejando desta maneira, estes anarthas3 oriundos da bhakti-yoga4 impedem o crescimento da trepadeira cujo cultivo sim é de interesse, a trepadeira do amor a Deus.

 

(THAKURA, 2019, p. 63)

 

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Bhagavad-gītā, Capítulo 2, verso 62

 

Para quem medita nos objetos dos sentidos, surge o apego. Do apego, surge o desejo. Do desejo, surge a ira.

 

[Comentário de Śrīla Viśvanātha Cakravartī:]

 

Uma pessoa que pensa nos objetos dos sentidos desenvolve apego (saṅga) a eles. E desse apego, ela desenvolve forte desejo (kāma) por esses objetos. Do desejo, a ira nasce devido a obstrução por parte de alguém ou parte de algo para a realização do desejo.

 

(VYASADEVA, 2019, p. 95)

 

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Bhagavad-gītā, Capítulo 2, verso 63

 

Da ira, surge a desorientação. Da desorientação, surge a perda da memória. Da perda da memória, vem a perda da inteligência. Com a perda da inteligência, o sujeito é completamente arruinado.

 

[Comentário de Śrīla Viśvanātha Cakravartī:]

 

Da ira, desenvolve-se ausência de discriminação do que deve ser feito e do que não deve ser feito (saṁmohaḥ). Da confusão, desenvolve-se a perda da lembrança dos benefícios pessoais derivados das instruções escriturais (smṛti-vibhramaḥ). Daí vem a perda da determinação em seguir com as práticas espirituais (buddhi-nāśa). Então, cai-se no poço do saṁsāra.5

 

(VYASADEVA, 2019, p. 95 e 96)

 

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Bhagavad-gītā, Capítulo 2, versos 62 e 63

 

[Comentário de Chandramukha Swami:]

 

Os sentidos são fortes e impetuosos e têm o poder de arrastar a mente de qualquer um – especialmente no que diz respeito ao impulso sexual. Portanto, deve-se entender que sem uma ocupação constante nas atividades espirituais é absolutamente impossível controlar os sentidos. Isto corre porqsue os sentidos exigem ocupações práticas. Portanto, se não estiverem espiritualmente ocupados, os sentidso certamente se precipitarão em atividades para desfrute material.

 

(SWAMI, Chandramukha, s./d., p. 38)

 

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Bhagavad-gītā, Capítulo 2, versos 62 e 63

 

[Comentário de Ithamar Theodor:]

 

Esta seção, portanto, elabora o tópico da restrição dos sentidos e sua relação com a iluminação; tendo em vista a importância deste assunto, as ideias centrais são articuladas:

1) O indivíduo fixo em iluminação estável é capaz de retirar seus sentidos de seus objetos como uma tartaruga recolhe seus membros para dentro do seu casco.

2) Os sentidos arrastam a mente dele, mesmo que ele seja sábio e se esforce para contê-los.

3) Os desejos surgem da contemplação mental dos objetos dos sentidos.

4) Quando a mente segue os sentidos errantes, ela leva a inteligência embora, como o vento leva embora um barco no mar.

5) O estado de iluminação requer sentidos contidos e indiferença aos desejos.

6) Aquele que é livre de paixões alcança a paz.

[...]

Quando os sentidos são vitoriosos, ocorre uma cadeia de eventos, levando à destruição da tentativa de libertação deste mundo e, consequentemente, a pessoa retorna ao saṁsāra. Como uma ocorrência na cadeia de eventos leva a outra, ela é causal e é composta de oito fases: começa com a contemplação dos objetos dos sentidos, depois surge o apego por eles, o desejo surge em seguida, que é seguido pela ira. A ira é seguida pela ilusão que é seguida pelo esquecimento, o que causa a perda da inteligência e, subsequentemente, o indivíduo retorna ao saṁsāra e fica, portanto, arruinado. Isso nos lembra uma cadeia causal similar budista chamada pratītya-samutpāda ou “origem dependente”, composta de 12 fases, começando com a ignorância e resultando na velhice e na morte. Ao contrário do indivíduo descontrolado que é, por fim, derrotado, a alma vitoriosa que é capaz de restringir os sentidos, a mente e seus desejos, torna-se subsequentemente indiferente aos desejos externos e conquista a paz interior.

 

(THEODOR, 2021, p. 69-71; colchetes nossos)

 

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Bhagavad-gītā, Capítulo 3, versos 37 e 39

 

É a luxúria (kāma) (que se converte em) ira (krodha), nascida (samudbhavaḥ) no modo da paixão (raja-guṇa). A luxúria é devoradora (mahā-aśana) e altamente pecaminosa (mahā-pāpmā). Saiba que é a inimiga neste mundo.

[...]

Ó Kaunteya, o discernimento (jñāna) de um jñānin (pessoa culta) é coberto (āvṛtam) pelo eterno inimigo (nitya-vairin) na forma da luxúria (kāma-rūpa), que é insaciável (duṣpūra) e arde como o fogo (anala).

 

[Comentário de Purushatraya Swami:]

 

A pessoa dominada por raja-guṇa6 e tama-guṇa7 é uma presa fácil das paixões irracionais, que entram imperceptivelmente na consciência. Uma vez entranhadas na consciência, é dificilimo removê-las. A única possibilidade de limpar a consciência é pela prática sincera e empenhada de um processo genuíno de autorrealização espiritual. O policiamento da consciência para evitar a infiltração de “paixões irracionais” deve ser um projeto vitalício.

 

(SWAMI, Purushatraya, 2023, p. 111-112; colchetes nossos)

 

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Bhagavad-gītā, Capítulo 3, verso 37

 

[Trecho da explicação de Śrīla Prabhupāda:]

 

Quando uma entidade viva entra em contato com a criação material, seu amor eterno por Kṛṣṇa se transforma em luxúria, em associação com o modo da paixão. Ou, em outras palavras, o sentimento de amor a Deus transforma-se em luxúria, assim como o leite em contato com tamarindo azedo se transforma em iogurte. E depois, quando a luxúria não se satisfaz, ela se converte em ira; a ira transforma-se em ilusão, e a ilusão continua a existência material. Portanto, a luxúria é o pior inimigo da entidade viva, e é unicamente a luxúria que induz a entidade viva pura a permanecer envolvida no mundo material. A ira é a manifestação do modo da ignorância; estes modos se exibem como ira e outras variações. Portanto, se os modos da paixão, ao invés de se degradarem aos modos da ignorância, elevam-se aos modos da bondade através do método prescrito para vida e ação, então a pessoa pode se salvar da degradação da ira, através do apego espiritual.

 

(PRABHUPĀDA, 1976, p. 154-155)

 

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Bhagavad-gītā, Capítulo 3, verso 39

 

[Trecho da explicação de Śrīla Prabhupāda:]

 

Está dito no Manu-smṛti que não se pode satisfazer a luxúria com  nenhuma quantidade de prazer dos sentidos, da mesma forma que o fogo nunca se extingue através de um suprimento constante de combustível. No mundo material, o sexo é o centro de todas as atividades, e desse modo este mundo material é chamado maithunya-āgāra, ou seja, as algemas da vida sexual. Nas penitenciárias comuns os criminosos são mantidos atrás das grades; similarmente, os criminosos que são desobedientes às leis do Senhor são algemados pela vida sexual.

 

(PRABHUPĀDA, 1976, p. 157)

 

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Śrīmad-Bhāgavatam, Canto 11, Capítulo 28, verso 28

 

Assim como uma doença mal tratada reaparece e causa repetidos sofrimentos ao paciente, a mente que não se purificou por completo de suas tendências pervertidas permanecerá apegada a coisas materiais e repetidas vezes atormentará o yogī imperfeito.

 

(ŚRĪMAD-BHĀGAVATAM, 1995, p. 682)

 

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Śrīmad-Bhāgavatam, Canto 6, Capítulo 1, versos 58-67
[A História de Ajāmila; trecho selecionado]

   

58-60. Certa vez, esse brāhmaṇa Ajāmila, seguindo a ordem de seu pai, foi à floresta colher frutas, flores e duas espécies de gramíneas, chamadas samit e kuśa. No caminho de volta para casa, deparou-se com um śūdra, um homem de quarta classe muitíssimo luxurioso e que desavergonhadamente abraçava e beijava uma prostituta. O śūdra sorria, cantava e alegrava-se como se esse seu comportamento fosse digno. Tanto o śūdra quanto a prostituta estavam embriagados. Os olhos da prostituta giravam de embriaguez, e sua roupa se afrouxara. Foi nesse estado que Ajāmila os viu.

61. O śūdra, cujo braço estava decorado com pó de cúrcuma, abraçava a prostituta. Quando Ajāmila a viu, os desejos luxuriosos, que estavam adormecidos em seu coração, emergiram, e, iludido, deixou-se ficar sob o controle deles.

62. Tanto quanto possível, ele, pacientemente, tentava lembrar-se das instruções dos śāstras de que não deveria nem mesmo olhar para uma mulher. Com a ajuda desse conhecimento e de seu intelecto, ele tentou controlar seus desejos luxuriosos, mas, devido à força do Cupido dentro de seu coração, não conseguiu controlar a mente.

63. Da mesma maneira que o Sol e a Lua são eclipsados por um planeta inferior, o brāhmaṇa perdeu todo o seu bom senso. Agarrando-se a essa situação, ele sempre pensava na prostituta e, dentro de pouco tempo, convidou-a para trabalhar como criada em sua casa e, então, abandonou todos os princípios reguladores em que se alicerça a vida bramânica.

64. Assim, para satisfazer a prostituta com vários presentes materiais, Ajāmila passou a gastar todo o dinheiro que herdara de seu pai, de modo que ela permanecesse satisfeita com ele. Enfim, para satisfa­zer a prostituta, abandonou todas as suas atividades bramânicas.

65. Porque sua inteligência se deixou trespassar pelo olhar luxurioso da prostituta, o brāhmaṇa Ajāmila, tornando-se sua vítima, entregou-se a atos pecaminosos na associação dela. Ele inclusive chegou a abandonar a companhia de sua belíssima e jovem esposa, que viera de uma respeitabilíssima família de brāhmaṇas.

66. Embora nascido em família brāhmaṇa, esse patife, destituído de inteligência devido à associação com a prostituta, ganhava dinheiro de uma maneira ou outra, fosse de modo honesto ou desonesto, e usava o mesmo para manter os filhos e filhas da prostituta.

67. Esse brāhmaṇa irresponsável levou toda a sua longa vida transgredindo todas as regras e regulações da escritura sagrada, vivendo extravagantemente e comendo alimentos preparados por uma prostituta. Portanto, ficou cheio de pecados, impuro e viciado em atividades proibidas.

 

(ŚRĪMAD-BHĀGAVATAM, 2024)

  

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12º, Grão-mestre Arquiteto [por Albert Pike]

 

Não há bênçãos que a mente não possa converter no mais amargo dos males; e não há provações que ela não possa transformar nas mais nobres e divinas bênçãos. Não há tentações das quais a virtude atacada não possa ganhar força, em vez de cair diante delas, vencida e subjugada. É verdade que as tentações têm um grande poder, e a virtude frequentemente cai; mas o poder dessas tentações não está em si mesmas, mas na fraqueza de nossa própria virtude e na fraqueza de nossos próprios corações. Confiamos demais na força de nossas muralhas e bastiões, e permitimos que o inimigo faça suas abordagens, por trincheira e paralela, em seu tempo-livre. [...]

Mas para o impuro, o desonesto, o hipócrita, o corrupto e o sensual, as ocasiões surgem todos os dias, em todas as cenas e por meio de todas as vias de pensamento e imaginação. Ele está preparado para capitular antes que a primeira abordagem seja iniciada; e envia a bandeira branca quando o avanço do inimigo chega à vista de seus muros. Ele cria ocasiões; ou, se as oportunidades não surgem, os maus pensamentos surgem, e ele escancara os portões de seu coração e dá as boas-vindas a esses maus visitantes, e os entretém com uma hospitalidade pródiga.

[...]

[...] A longo prazo, a mente será feliz apenas na proporção de sua fidelidade e sabedoria. Quando é infeliz, plantou os espinhos em seu próprio caminho; ela os agarra e grita em alta reclamação; e essa reclamação é apenas a mais sonora confissão de que os espinhos que cresceram ali, ela os plantou.

 

(PIKE, 2016, p. 261-262; tradução nossa; colchetes nossos)8

 

NOTAS:

1 Sakyamuni – no budismo Mahayana, é o termo empregado para designar Sidarta Gautama, o Buda histórico; literalmente, “o sábio do país dos Sakyas”.

2 Tathagata – aquele que encontrou a Verdade (tatha: verdade; agata: chegar, alcançar); outro epíteto para Sidarta Gautama.

3 Anarthas – aquilo que é sem valor e que não serve a qualquer propósito útil (an: “não”; artha: “valor”, ou “propósito”).

4 Bhakti-yoga – no hinduísmo Vaishnava Gaudiya, é o sistema do cultivo de bhakti, ou serviço devocional puro, que não é maculado pela gratificação dos sentidos ou especulação filosófica.

5 Saṁsāra – ou Roda da existência continuada, causada pelos desejos insaciáveis do homem, na sua sede de satisfação egoísta.

6 Raja-guṇa – o modo da paixão da natureza material.

7 Tama-guṇa – o modo da ignorância da natureza material; o terceiro e último modo é o da bondade, sattva-guṇa.

8 {There are no blessings which the mind may not convert into the bitterest of evils; and no trials which it may not transform into the noblest and divinest blessings. There are no temptations from which assailed virtue may not gain strength, instead of falling before them, vanquished and subdued. It is true that temptations have a great power, and virtue often falls; but the might of these temptations lies not in themselves, but in the feebleness of our own virtue, and the weakness of our own hearts.} We rely too much on the strength of our ramparts and bastions, and allow the enemy to make his approaches, by trench and parallel, at his leisure. [...]
{But to the impure, the dishonest, the false-hearted, the corrupt, and the sensual, occasions come every day, and in every scene, and through every avenue of thought and imagination. He is prepared to capitulate before the first approach is commenced; and sends out the white flag when the enemy’s advance comes in sight of his walls. He makes occasions; on opportunities come not, evil thoughts come, and he throws wide open the gates of his heart and welcomes those bad visitors, and entertains them with a lavish hospitality.}
[...]
[...] {In the long run, the mind will be happy, just in proportion to its fidelity and wisdom. When it is miserable, it has planted the thorns in its own path; it grasps them, and cries out in loud complaint; and that complaint is but the louder confession that the thorns which grew there, it planted.}

 


REFERÊNCIAS:
 
BUDA. In: SILVA, Georges da; HOMENKO, Rita. Budismo: psicologia do autoconhecimento (o caminho da correta compreensão). São Paulo: Pensamento, 1982.
 
BUDA. Dhammapada – caminho da lei; Atthaka – o livro das oitavas. Doutrina budista ortodoxa em versos. Tradução, adaptação, prefácio e notas do Dr. Georges da Silva. 7. ed. São Paulo: Pensamento, 2004.
 
PIKE, Albert. Morals and Dogma of the Ancient & Accepted Scottish Rite of Freemasonry. Annotated edition by Arturo De Hoyos. 2. ed. Washington, DC: Supreme Council, 33º, S.J., U.S.A, 2016.
 
PRABHUPĀDA, A. C. Bhaktivedanta Swami. Bhagavad-gītā como ele é. 1. ed. São Paulo: The Bhaktivedanta Book Trust, 1976.
 
ŚRĪMAD-BHĀGAVATAM: com o texto original em sânscrito, sua transcrição latina, sinônimos, tradução e significados elaborados por A. C. Bhaktivedanta Swami Prabhupāda. tomo 11.2. São Paulo: The Bhaktivedanta Book Trust, 1995.

ŚRĪMAD-BHĀGAVATAM: com o texto original em sânscrito, sua transcrição latina, sinônimos, tradução e significados elaborados por A. C. Bhaktivedanta Swami Prabhupāda. Disponível em: https://vedabase.io/pt-br/library/sb/6/1/. Acesso em: 10 out. 2024.
 
THAKURA, Srila Visvanatha Cakravarti. Madhurya kadambini. Tradução de Thiago Costa Braga. Pindamonhangaba: Coletivo Editorial, 2019.
 
THEODOR, Ithamar. Bhagavad-gītā: filosofia, estrutura e significado. Tradução de Sérgio Mendes de Freitas. 1. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2021.
 
SWAMI, Chandramukha. Bhagavad gita para iniciantes – o grande poema filosófico-espiritual da humanidade. s/e., s./d.
 
SWAMI, Purushatraya. Bhagavad-gītā em seis temas: história, filosofia, psicologia, ética, yoga e misticismo. 1. ed. Paraty: Ed. do autor, 2023.
 
VYASADEVA, Srila. Bhagavad-gītā com cometários de Srila Visvanatha Cakravarti. Pindamonhangada: Coletivo Editorial, 2019.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

A SELVA DE OPINIÕES

 

Por Buda

 

Assim, pelo fato de pensar nos assuntos que não devem ser pensados, e de não pensar nos assuntos que devem ser pensados, os obstáculos não surgidos aparecem nele [homem não-esclarecido], e os obstáculos já presentes aumentam.

Assim, sem sabedoria, ele pensa: “Existi no passado?” “Não existi no passado?” “Que fui no passado?” “Como fui no passado?” “O que tendo sido anteriormente, fui num passado remoto?” “Existirei no futuro?” “Não existirei no futuro?” “Que serei no futuro?” “O que serei posteriormente, num futuro remoto?” O presente também o torna perplexo sobre si mesmo: “Existo?” “Não existo?” “Que sou?” “Como serei?” “De onde venho?” “Para onde irei?”

Assim, pensando sem sabedoria, uma das seis opiniões errôneas aparecem nele: “Tenho uma alma?”; esta opinião falsa nasce nele como verdadeira e firme. “Não tenho alma?”; esta opinião falsa nasce nele como verdadeira e firme. “Por meio da alma, eu conheço a alma”; essa opinião falsa nasce nele como verdadeira e firme. “Por meio da alma, eu conheço a não-alma”; esta opinião falsa nasce nele como verídica e firme. Ou ainda esta outra opinião falsa surge nele: “Esta minha alma, que se expressa e sente, recebe aqui e lá o resultado das boas e más ações, ou esta minha alma é permanente, fixa, eterna, imutável, e assim permanece eternamente?”

Isto, ó discípulos, é denominado especulação de opiniões, selva de opiniões, deserto de opiniões, perversão de opiniões, agitação de opiniões e vínculo às opiniões.

Preso a estes vínculos de opiniões, o homem comum e não instruído na Doutrina não está liberto do nascimento, da velhice, da morte, das tristezas, lamentações, sofrimento, aflições, agonias; ele não está livre de dukkha [existência do sofrimento], eu o digo.

 [...]

Assim, por não pensar nos assuntos que não devem ser pensados, e pensar nos assuntos que devem ser pensados, os obstáculos não surgidos não aparecem nele, e os obstáculos já presentes decrescem.

[...]

Observando assim, ele se liberta de três vínculos: da ilusão do eu, da dúvida e da crença na eficácia de regras e rituais (cerimônias).

Tais são os obstáculos que devem ser superados pelo discernimento.

 

REFERÊNCIA:
BUDA. DISCURSO SOBRE TODOS OS OBSTÁCULOS: SABBASAVA SUTTA. In: SILVA, Georges da; HOMENKO, Rita. Budismo: psicologia do autoconhecimento (o caminho da correta compreensão). São Paulo: Pensamento, 1982. p. 140-141. Trechos selecionados. Colchetes nossos.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

TANTAS REGRAS E REGULAÇÕES!

 

In Teresa Filósofa

 

Como homens puderam imaginar que a Divindade achava-se mais honrada, mais satisfeita, por vê-los comer um arenque e não uma calhandra, uma sopa de cebola e não uma sopa de toucinho, um linguado e não uma perdiz, e que essa mesma Divindade os condenaria para sempre se em certos dias eles dessem preferência à sopa de toucinho?

 

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Por Montesquieu

 

Um homem fazia todos os dias esta oração a Deus, “Senhor, nada entendo das discussões que sem cessar se produzem a teu respeito; gostaria de te servir segundo tua vontade, mas todos aqueles que consulto querem que eu te sirva à maneira deles. Quando quero te dirigir minha oração, não sei em que língua devo te falar. Tampouco sei que postura devo tomar: um diz que devo orar de pé, outro quer que fique sentado; outro exige que meu corpo se ponha de joelhos. Isso não é tudo. Há quem determina que eu deva me lavar todas as manhãs com água fria; outros sustentam que tu me olharias com horror, se não mandasse cortar um pequeno pedaço de minha carne. Outro dia me aconteceu que comi um coelho num caravançará; três homens que estavam perto me deixaram tremendo; os três afirmaram que te havia ofendido gravemente; um, porque esse animal era impuro1, outro, porque havia sido sufocado2; outro, enfim, porque não era peixe3. Um brâmane que passava por lá e ao qual pedi que fosse o juiz da questão, me disse: “Não têm razão porque, pelo que parece, não mataste o animal. – Sim, fui eu mesmo – lhe disse. Ah! Cometeste uma ação abominável, retrucou com voz severa, e Deus não te perdoará nunca, quem sabe se a alma de teu pai não tinha passado para esse animal?” Todas essas coisas, senhor, me deixam numa confusão insuperável; não posso mover a cabeça que estou prestes a te ofender, entretanto, gostaria de te agradar e empregar para tanto a vida que de ti recebi. Não sei se me engano, mas acredito que o melhor meio para chegar a isso é viver como bom cidadão na sociedade em que me fizeste nascer e como bom pai na família que me deste.”

 

De Paris, 8 da lua de Shahban, 1713.

 

Notas do autor:
1 Um judeu
2 Um turco
3 Um armênio

 

REFERÊNCIAS:
MONTESQUIEU. Cartas Persas. v. I. Tradução de Antônio Geraldo da Silva. Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal, n. 47. São Paulo: Editora Escala, 2006. p. 114.
 
[D’ARGENS, Jean-Baptiste Boyer] Teresa Filósofa. Tradução de Carlota Gomes. Porto Alegre: L&PM, 2015. p. 99-100.

NA CAVERNA

 


Por Friedrich Nietzsche
 

O conceito de “Deus” foi inventado como antítese do conceito de vida - concentra em si, em espantosa unidade, tudo que é nocivo, venenoso e difamador; todo o ódio contra a vida. Os conceitos de “além” e de “mundo verdadeiro” foram inventados para depreciar o único mundo que existe – para não legar à nossa realidade terrena nenhuma meta, nenhuma razão, nenhum afazer. Os conceitos de “alma”, de “espírito” e, por último, o conceito de “alma imortal” foram inventados para desprezar o corpo, para adoecê-lo, torná-lo “santo”, para contrapor uma espantosa despreocupação em relação a todas as coisas da vida que merecem ser tratadas com seriedade, ou seja, as questões de nutrição e moradia, de regime intelectual, assistência aos doentes, a limpeza e o clima. Em vez de saúde, encontramos a “salvação da alma” – ou seja, a folie circulaire, flutuando entre convulsões e penitência e a histeria da redenção. O conceito de “pecado”, juntamente com o instrumento de tortura que lhe é inerente, que é o conceito de “livre-arbítrio”, foi inventado para confundir e embaralhar nossos instintos e tornar a desconfiança em relação a eles a segunda natureza do homem!

 

The concept “God” was invented as the opposite of the concept life—everything detrimental, poisonous, and slanderous, and all deadly hostility to life, was bound together in one horrible unite in him. The concepts “beyond” and “true world” were invented in order to depreciate the only world that exists—in order that no goal or aim, no sense or task, might be left to earthly reality. The concepts “soul,” “spirit,” and last of all the concept “immortal soul,” were invented in order to throw contempt on the body, in order to make it sick and “holy,” in order to cultivate an attitude of appalling levity towards all things in life which deserve to be treated seriously, i. e. the questions of nutrition and habitation, of intellectual diet, the treatment of the sick, cleanliness, and weather. Instead of health, we find the “salvation of the soul”— that is to say, folie circulaire fluctuating between convulsions and penitence and the hysteria of redemption. The concept “sin,” together with the torture instrument appertaining to it, which is the concept “free will,” was invented in order to confuse and muddle our instincts, and to render the mistrust of them man’s second nature!

 
 
REFERÊNCIA:
NIETZSCHE, Friedrich. Ecce Homo. Portland, Maine: Smith & Sale, Printers, 1911. p. 59-60. Tradução nossa.

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Ó DEUS, ONDE VOCÊ ESTÁ?

 
Crucifixo gigante desaba e mata romeiro de 21 anos em Cevo, Itália (23/04/2014). Foto: ANSA.

 

Por Swanand Kirkire

 

Soube que é Você
Quem governa o mundo.
Ouça meu apelo,
Meu lar me chama.
Deus, onde Você está?
Diga, onde Você está?

 

Você devolve a sanidade
Àqueles que perderam o rumo.
Eu também estou perdido
A Tua orientação, eu peço.
Deus, onde Você está?
Diga, onde Você está?

 

Devo Te venerar nos templos?
Nas mesquistas, mostrar minha fé?
Ou para um gurdwara
Gostarias que eu fosse?
Templos e igrejas,
Procurei em todos os lugares.
Minha esperança se transformou em desespero.

 

Minha esperança se transformou em desespero.
Minha esperança se transformou em desespero.

 

Nenhum ritual eu desprezei para Te encontrar.
Como milhões ao redor do mundo
Eu me submeto sem duvidar.
Deus, onde Você está?
Diga, onde Você está?

 

Você tem muitos nomes
E muitas faces também.
Eu andei todos os inúmeros caminhos que levam a Você.
Em nenhum santuário eu Te encontrei.
O que mais devo fazer para Te encontrar?
Dê uma pista!

 

O que mais devo fazer para Te encontrar?
Dê uma pista!
O que mais devo fazer para Te encontrar?
Dê uma pista!

 

Sigo cegamente
E com reverência estimo
Todos os Teus caprichos e fantasias,
Em mais do que ampla medida.
Deus, onde Você está?
Diga, onde Você está?

  

REFERÊNCIA:
BHAGWAN HAI KAHAN RE TU. Letra: Swanand Kirkire. Música: Shantanu Moitra. Intérprete: Sonu Nigam. Trilha sonora do filme P.K. Direção: Rajkumar Hiran. Índia: Vidhu Vinod Chopra, 2014.
 
PARA OUVIR:
https://www.youtube.com/watch?v=G6SutyLlzws