segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

O ACELERADO CRESCIMENTO DOS TEMPLOS EVANGÉLICOS E A TRANSIÇÃO RELIGIOSA NO BRASIL

 
 

Por José Eustáquio Diniz Alves

 

O Brasil está passando por um processo de transição religiosa que se desdobra em quatro movimentos: declínio absoluto e relativo das filiações católicas; aumento acelerado das filiações evangélicas; crescimento do percentual das religiões não cristãs; aumento absoluto e relativo das pessoas que se declaram sem religião.

Em termos da configuração religiosa, o século XXI será completamente diferente dos 500 anos anteriores, como mostrei em diversos artigos publicados nos últimos 20 anos (ver links abaixo). Segundo os dados dos censos demográficos do IBGE, os católicos representavam 99,7% da população brasileira em 1872 e cerca de 98% em 1900. Portanto, os católicos tinham o monopólio da fé nos primeiros 400 anos da história brasileira. Mas a liderança católica entrou em declínio no século XX e a percentagem de católicos caiu para 73,9%. Já no ano 2000. Os evangélicos passaram de cerca de 1% em 1900 para 15,4% no ano 2000. As pessoas que se autodeclaram sem religião chegaram a 6,4% e as demais religiões ficaram com 4,3% no ano 2000.

A redução do percentual de católicos brasileiros se acelerou bastante nas últimas décadas. O número de católicos era de 121,8 milhões (83%) em 1991, 124,9 milhões (73,6%) em 2000 e 123,3 milhões em 2010. Percebe-se que o número absoluto de católicos atingiu o valor máximo no ano 2000 e, pela primeira vez na história brasileira, o número absoluto de católicos caiu na década inaugural do século XXI. Além disto, o decrescimento relativo que estava em 1% por década, passou a cair 1% ao ano.

Concomitantemente, entre 1991 e 2010, os evangélicos passaram a crescer 0,63% ao ano, as outras religiões cresceram 0,38% ao ano e os sem religião cresceram 0,43% ao ano. Portanto, o Brasil está ficando mais diversificado em termos religiosos e o monopólio católico está sendo substituído, pelo menos por enquanto, por uma maior pluralidade.

A queda das filiações católicas é um fato histórico sem precedentes entre os grandes países e a rapidez da queda surpreende muitos estudiosos. É certo que a Igreja Católica tem uma tremenda dívida com diversos setores da sociedade brasileira, particularmente com os indígenas, os negros e as mulheres que sempre foram excluídas das estruturas misóginas da hierarquia eclesiástica. As práticas, os rituais e os ensinamentos do catolicismo tinham boa receptividade junto à população quando o Brasil era um país pobre, rural, tradicional, com baixas taxas de escolaridade e com restrita mobilidade social e espacial.

O declínio católico ocorreu concomitantemente à aceleração de três mudanças estruturais que transformaram a sociedade brasileira. A primeira está relacionada com as alterações no âmbito econômico. O Brasil deixou para trás a estrutura primário-exportadora, com um grande setor de subsistência e com o predomínio de relações informais de trabalho, baixa monetarização da economia e reduzida integração regional. A segunda grande mudança na configuração da sociedade brasileira aconteceu com a transição urbana, pois a maioria da população que estava atada aos condicionantes da vida agrária e rural se deslocou progressivamente para o meio urbano e para as grandes cidades. A terceira grande mudança no comportamento de massa no Brasil está relacionada com o aprofundamento da transição demográfica (redução das taxas de mortalidade e natalidade), além de mudanças na configuração das famílias (como mostra a teoria da Segunda Transição Demográfica).

É quase certo que o Brasil vai apresentar uma configuração religiosa mais plural, já na primeira metade do século XXI, do que aquela que prevaleceu nos 500 anos do país ou nos 200 anos da Independência, como mostrei no livro “Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século XXI” (Alves, 2022). Os últimos dados divulgados pelo IBGE são do censo 2010 e as informações do censo 2022 ainda não foram disponibilizados.

Porém, a transição religiosa no Brasil em vez de ser avaliada pela ótica das filiações religiosas, pode também ser avaliada pela expansão dos templos. Segundo estudo realizado pelo pesquisador Victor Augusto Araújo Silva, do Centro de Estudos da Metrópole (CEM/Cepid) e da Universidade de São Paulo (USP) houve uma multiplicação de templos evangélicos de 1920 a 2019, conforme mostra o gráfico abaixo. De 17.033 templos evangélicos, em 1990, o Brasil passou a contar com 109.560, em 2019. Um aumento de 543%. Apenas em 2019, último ano do levantamento do estudo, 6.356 templos evangélicos foram abertos no Brasil — uma média de 17 por dia. 

  


 Um outro estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), usando dados da Rais (Relação Anual de Informações Sociais), do Ministério do Trabalho e Emprego, levantou as informações de pessoas jurídicas inscritas na categoria “atividades de organizações religiosas”. Em 2021, as 87,5 mil igrejas evangélicas com CNPJ representavam sete em cada dez estabelecimentos religiosos formalizados no país, enquanto católicas representavam apenas 11% do total. O restante se dividia entre outras religiões e espaços sem classificação precisa, em grande parte composto por associações comunitárias, beneficentes ou educacionais, conforme mostra o gráfico abaixo. 

 

 

Dos 124,5 mil estabelecimentos religiosos em 2021, havia 14,3 mil católicos, 23 mil dos evangélicos tradicionais, 64,5 mil dos evangélicos pentecostais e neopentecostais e somente a Assembleia de Deus possuía 17,3 mil templos, mostrando uma capilaridade muito maior do que a igreja católica.

O fato é que os estabelecimentos religiosos dos evangélicos se multiplicam com muito mais rapidez do que os estabelecimentos católicos. Este é um indicador evidente da transição religiosa no Brasil, pois os templos são locais fundamentais para a fidelização das pessoas que seguem uma determinada religião. Como mostrei no livro sobre os 200 anos da Independência (Alves, 2022) os evangélicos devem ultrapassar os católicos em número de fiéis por volta de 2032. Vamos poder atualizar esta projeção assim que forem divulgados os dados do censo demográfico de 2022.

Não restam dúvidas de que o Brasil está passando por quatro movimentos da transição religiosa: declínio absoluto e relativo das filiações católicas; aumento acelerado das filiações evangélicas; crescimento do percentual das religiões não cristãs; aumento absoluto e relativo das pessoas que se declaram sem religião. Os números mais exatos saberemos em breve.

 
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
 
Referências:
 
ALVES, J. E. D; NOVELLINO, M. S. F. A dinâmica das filiações religiosas no Rio de Janeiro: 1991-2000. Um recorte por Educação, Cor, Geração e Gênero. In: Patarra, N.; Ajara, C; Souto, J. (Org.). A ENCE aos 50 anos, um olhar sobre o Rio de Janeiro. RJ, ENCE/IBGE, 2006, v. 1, p. 275-308
 
ALVES, JED, BARROS, LFW, CAVENAGHI, S. A dinâmica das filiações religiosas no brasil entre 2000 e 2010: diversificação e processo de mudança de hegemonia. REVER (PUC-SP), v. 12, p. 145-174, 2012.
 
ALVES, JED, CAVENGHI, S. BARROS, LFW. A transição religiosa brasileira e o processo de difusão das filiações evangélicas no Rio de Janeiro, PUC/MG, Belo Horizonte, Revista Horizonte – Dossiê: Religião e Demografia, v. 12, n. 36, out./dez. 2014, pp. 1055-1085 DOI–10.5752/P.2175-5841.2014v12n36p1055
 
ALVES, JED. A vitória da teologia da prosperidade, Folha de São Paulo, 06/07/2012
 
ALVES, JED. Os Papas, os pobres e a perda de hegemonia dos católicos no Brasil, Ecodebate, RJ, 31/07/2013
 
ALVES, JED. “A encíclica Laudato Si’: ecologia integral, gênero e ecologia profunda”, Belo Horizonte, Revista Horizonte, Dossiê: Relações de Gênero e Religião, Puc-MG, vol. 13, no. 39, Jul./Set. 2015
 
ALVES, JED, CAVENAGHI, S, BARROS, LFW, CARVALHO, A.A. Distribuição espacial da transição religiosa no Brasil, Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 29, n. 2, 2017, pp: 215-242
 
ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século XXI, Escola de Negócios e Seguro (ENS), (com a colaboração de Francisco Galiza), maio de 2022.
 
CARVALHO, Rone. O que explica multiplicação de templos evangélicos no Brasil, BBC, 12 julho 2023
 
DE NEGRI, Fernanda; MACHADO, Weverthon; CAVALCANTE, Eric Jardim. Crescimento dos estabelecimentos evangélicos no Brasil nas últimas décadas. Rio de Janeiro: Ipea, nov. 2023. (Diset: Nota Técnica, 123). DOI: http://dx.doi.org/10.38116/diset123
 
[CC BY-NC-SA 3.0][ O conteúdo da EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, à EcoDebate com link e, se for o caso, à fonte primária da informação]
 
REFERÊNCIA:
ALVES, José Eustáquio Diniz. O acelerado crescimento dos templos evangélicos e a transição religiosa no Brasil. EcoDebate, ed. 4.088, 20 dez. 2023. Disponível em: https://www.ecodebate.com.br/2023/12/20/o-acelerado-crescimento-dos-templos-evangelicos-e-a-transicao-religiosa-no-brasil/. Acesso em: 25 dez. 2023.

LIVROS-TEXTOS E INTRODUÇÕES AO ESOTERISMO OCIDENTAL

 

Wouter J. Hanegraaff

Joao Florindo Batista Segundo

Eugênia Ribeiro Teles

 

DOI: https://doi.org/10.23925/1677-1222.2023vol23i2a12

 

Palavras-chave: esoterismo ocidental, o oculto, Antoine Faivre, Kocku von Stuckrad, Ulrike Peters, David S. Katz, Arthur Versluis, Nicholas Goodrick- Clarke, Hartmut Zinser

 

Resumo

Tradução de artigo originalmente publicado em Religion, 43:2, p. 178-200, 2013. Tradução gentilmente autorizada pelo Professor Wouter J. Hanegraaff.  A tradução mantém as normas formais do original, suspendendo as regras redacionais da REVER.

 

LINK PARA O ARTIGO COMPLETO:


sábado, 23 de dezembro de 2023

CONHEÇA OS MOTIVOS PARA O ENCOLHIMENTO DOS HARE KRISHNAS

 


 

Por  Octavio da Cunha Botelho

 

Para os muitos ocidentais que não conhecem as tradições antigas da Índia, a exótica International Society for Krishna Consciousnes (ISKCON), mais conhecida popularmente como Movimento Hare Krishna, parece uma recente e artificial adaptação de tradições hindus, intencionalmente destinada a provocar o sentimento de exotismo nos ocidentais, sem nenhuma linhagem tradicional. Também, outros pensam que suas doutrinas e suas práticas representam o Hinduísmo como um todo. No entanto, a realidade é diferente, a origem do movimento se encontra numa antiga tradição vishnuísta (culto ao deus Vishnu) conhecida como tradição Gaudiya Vaishnava, iniciada nos estados de Bengala e de Orissa, Índia, no século XVI e.c., por um santo devoto do deus Krishna conhecido como Sri Chaitanya Mahaprabhu (1486-1533).

[...]

  Mais precisamente, o Movimento Hare Krishna é a ramificação ocidental de um centro missionário da religião gaudiya vaishnava denominado Gaudiya Math, fundado por Srila Bhaktisiddhanda Saraswati Thakura, em 1920, na cidade de Mayapura, no estado de Bengala, Índia.

[...]

   O estremecimento das estruturas do Movimento teve início logo após a morte de seu fundador, Sri Bhaktivedanta Pabhupada, em 1977. Nas palavras de E. Burke Rochforf Jr: “Logo após a morte de Prabhupada, os Hare Krishnas enfrentaram contínuos problemas de sucessão. Questões surgiram quase imediatamente sobre se sucessores de Prabhupada na verdade tinham sido iniciados por ele para atuarem como gurus na sua ausência. Dentro de uma década, a maioria dos onze gurus sucessores de Prabhupada foram obrigados a sair do movimento por causa de transgressões e/ou comportamento ilegal. Em seguida, um número de reformas foi implantado para limitar a volatilidade da instituição dos gurus, os Hare Krishnas agora têm aproximadamente cem gurus iniciando discípulos pelo mundo. Apesar das mudanças, contudo, a controvérsia persiste sobre o papel e a autoridade dos gurus Hare Krishnas e a instituição dos gurus como um todo” (Rochford Jr., 2005: 103).

[...]

Destas ações judiciais mencionadas acima, as que mais abalaram a reputação e a estrutura da instituição foram as ações promovidas pelos ex-alunos dos colégios internos para crianças (gurukulas), alegando abuso infantil.

[...]

O motivo que levou os monges Hare Krishnas a cometerem estas crueldades com as crianças tem um fundo ideológico e é explicado por E. Burke Rochford Jr. assim: “Como o número de casamentos e de filhos começou a crescer nos meados dos anos 1970, a vida familiar foi definida pela elite de renunciantes dos Hare Krishnas como um símbolo de fraqueza espiritual. Como um grupo politicamente marginal e estigmatizado, os pais de família foram deixados incapazes de afirmar sua autoridade de pais sobre suas vidas e de seus filhos. As crianças foram abusadas em parte porque elas não eram valorizadas pelos líderes, e mesmo, muito frequentemente, por seus próprios pais, que aceitavam as justificativas teológicas e outras mais oferecidas pela liderança para permanecerem não envolvidos nas vidas de seus filhos” (Rochford, 1998).

[...]

As consequências de todas estas turbulências foram que a prática da sankirtan (distribuição de livros, revistas e incenso em troca de doações) foi abolida e as gurukulas (escolas internos para crianças) foram fechadas. Com o fim da sankirtan, os monges Hare Krishna tiveram de procurar emprego no mercado de trabalho para se sustentarem, uma vez que a renda obtida da prática de distribuição em troca de doações foi paralisada. Também, com o fechamento das gurukulas, os filhos dos adeptos passaram a estudar em escolas públicas, tal como a maioria das crianças. Enfim, o resultado foi que, a partir de então, o tão conservador e exótico Movimento Hare Krishna foi obrigado a se submeter a um processo de secularização, o qual resultou numa radical transformação no perfil e no estilo de vida de seus adeptos, o que explica, em grande parte, o motivo da diminuição da sua visibilidade, em vista da amenização do seu caráter exótico (Rochford Jr., 2005: 101-8 e 2007: 97-114).

[...]

 

PARA LER O TEXTO COMPLETO:

https://observadorcriticodasreligioes.wordpress.com/2014/01/02/conheca-os-motivos-para-o-encolhimento-dos-hare-krishnas/

 
REFERÊNCIA:
BOTELHO, Octávio da Cunha. Conheça os Motivos para o Encolhimento dos Hare Krishnas. 02 jan. 2014. Disponível em: https://observadorcriticodasreligioes.wordpress.com/2014/01/02/conheca-os-motivos-para-o-encolhimento-dos-hare-krishnas/. Acesso em: 23 dez. 2023. Colchetes nossos; trechos selecionados.

PARA SABER MAIS:
 
The Cost of Silence -- Children of the Hare Krishnas -- Child Abuse in 2016. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gHDgvFIBz60&t=2001s. Acesso em: 23 dez. 2023.

OS SAÍDOS DA CAVERNA E OS AVESSOS À LUZ

 

 

Teresa Filósofa é um livro “libertino”, publicado em 1748, supostamente de autoria do marquês d’Argens.

 

RAZÃO QUE O ABADE T... APRESENTA PARA NÃO FAZÊ-LO [comunicar o seu saber ao público, conforme solicitado pela Srª C...]

  
Por anônimo
  

– Eu vos disse a verdade, madame – retomou o Abade. – Mas tomemos muito cuidado para não revelar aos tolos verdades que eles não sentiriam ou das quais abusariam. Elas devem ser conhecidas somente por pessoas que sabem pensar e cujas paixões estão de tal forma equilibradas entre si que eles não são subjugados por nenhuma. Essa espécie de homens e de mulheres é muito rara: de cem mil pessoas, não existem vinte que se acostumam a pensar, e dessas vinte, mal encontrareis quatro que, de fato, pensam por si mesmas ou que não sejam levadas por alguma paixão dominante. Por isso é preciso ser extremamente circunspecto sobre o gênero de verdades que hoje examinamos. Como poucas pessoas percebem a necessidade que existe de nos ocuparmos da felicidade dos nossos vizinhos para assegurar aquela que nós mesmos buscamos, devemos dar a poucas pessoas provas claras da insuficiência das religiões, que não impedem de fazer agir e de conter um grande número de homens em seus deveres e na observação das regras que, no fundo, somente são úteis ao bem da sociedade sob o véu da religião, pelo temor das penas e pela esperança das recompensas eternas que ela lhes anuncia. São esse temor e essa esperança que guiam os fracos: o número deles é grande. São a honra, o interesse público, as leis humanas que guiam as pessoas que pensam: na verdade, o seu número é bem pequeno.

 
 
REFERÊNCIA:
Teresa Filósofa. Tradução de Maria Carlota Carvalho Gomes. Porto Alegre: L&PM, 2011. E-book.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

RELIGIÃO, PSEUDOCIÊNCIA E A NORMALIZAÇÃO DO ABSURDO

 


 

Por Allan Kardec

 

A raça negra é perfectível? Segundo algumas pessoas, esta questão é julgada e resolvida negativamente. Se assim é, e se esta raça é votada por Deus a uma eterna inferioridade, segue-se que é inútil nos preocuparmos com ela e que devemos nos limitar a fazer do negro uma espécie de animal doméstico, preparado para a cultura do açúcar e do algodão. Entretanto a Humanidade, tanto quanto o interesse social, requer um exame mais cuidadoso. É o que tentaremos fazer. [...] A frenologia nos servirá de ponto de partida. Exporemos sumariamente as suas bases fundamentais para melhor compreensão do assunto.

La race nègre est-elle perfectible? Selon quelques personnes, cette question jugée est résolue négativement. S’il en est ainsi, et si cette race est vouée par Dieu à une éternelle infériorité, la conséquence est qu’il est inutile de s’en préoccuper, et qu’il faut se borner à faire du nègre une sorte d’animal domestique dressé à la culture du sucre et du coton. Cependant l’humanité, autant que l’intérêt social, requiert un examen plus attentif: c’est ce que nous allons essayer de faire; [...]. La phrénologie nous servira de point de départ; nous en exposerons sommairement les bases fondamentales pour l’intelligence du sujet.

[...]

O exame frenológico dos povos pouco inteligentes constata a predominância das faculdades instintivas e a atrofia dos órgãos da inteligência. Aquilo que é excepcional nos povos avançados é a regra em certas raças. Por quê? Será uma injusta preferência? Não; é sabedoria. A Natureza é sempre previdente; nada faz de inútil. Ora, seria inútil dar um instrumento completo a quem não tenha os meios para dele se servir. Os Espíritos selvagens são ainda crianças, se assim podemos nos exprimir. Neles muitas faculdades ainda estão latentes.

L’examen phrénologique des peuples peu intelligents constate la prédominance des facultés instinctives, et l’atrophie des organes de l’intelligence. Ce qui est exceptionnel chez les peuples avancés est la règle chez certaines races. Pourquoi cela? Est-ce une injuste préférence? Non, c’est de la sagesse. La nature est toujours prévoyante; elle ne fait rien d’inutile; or, ce serait une chose inutile de donner un instrument complet à qui n’a pas les moyens de s’en servir. Les Esprits sauvages sont des Esprits encore enfants, si l’on peut s’exprimer ainsi; chez eux, beaucoup de facultés sont encore latentes.

[...]

Assim, as raças são perfectíveis pelo corpo, pelo cruzamento com raças mais aperfeiçoadas, que trazem novos elementos, aí enxertando, por assim dizer, os germes de novos órgãos. Esse cruzamento se faz pelas migrações, as guerras e as conquistas.

Les races sont aussi perfectibles par le corps, mais ce n’est que par le croisement avec des races plus perfectionnées, qui y apportent de nouveaux éléments, qui y greffent pour ainsi dire les germes de nouveaux organes. Ce croisement se fait par les émigrations, les guerres et les conquêtes.

[...]

Assim, como organização física, os negros serão sempre os mesmos; como Espíritos, trata-se, sem dúvida, de uma raça inferior, isto é, primitiva; são verdadeiras crianças às quais muito pouco se pode ensinar. Mas, por meio de cuidados inteligentes é sempre possível modificar certos hábitos, certas tendências, o que já constitui um progresso que levarão para outra existência e que lhes permitirá, mais tarde, tomar um envoltório em melhores condições. Trabalhando em sua melhoria, trabalha-se menos pelo seu presente que pelo seu futuro e, por pouco que se ganhe, para eles é sempre uma aquisição.

Les nègres donc, comme organisation physique, seront toujours les mêmes; comme Esprits, c’est sans doute une race inférieure, c’est-à-dire primitive; ce sont de véritables enfants auxquels on peut apprendre bien peu de chose; mais par des soins intelligents on peut toujours modifier certaines habitudes, certaines tendances, et c’est déjà un progrès qu’ils apporteront dans une autre existence, et qui Ieur permettra plus tard de prendre une enveloppe dans de meilleures conditions. En travaillant à Ieur amélioration, on travaille moins pour leur présent que pour leur avenir, et quelque peu que l’on gagne, c’est toujours pour eux autant d’acquis; chaque progrès est un pas en avant qui facilite de nouveaux progrès.

[...]

Por isso as raças selvagens, mesmo em contato com a civilização, permanecerão sempre selvagens; porém, à medida que as raças civilizadas se espalham, as selvagens diminuem, até desaparecerem completamente, como aconteceu com a raça dos Caraíbas, dos Guanches e outras. Os corpos desapareceram; quanto aos Espíritos, em que se transformaram? Muitos deles, talvez, se encontrem entre nós.

Voilà pourquoi les races sauvages, même au contact de la civilisation, restent toujours sauvages; mais à mesure que les races civilisées s’étendent, les races sauvages diminuent, jusqu’à ce qu’elles disparaissent complètement, comme ont disparu les races des CaraÏbes, des Guanches et autres. Les corps ont disparu, mais que sont devenus les Esprits? Plus d’un est peut-être parmi nous.

  

REFERÊNCIAS:

KARDEC, Allan. Frenologia Espiritualista e Espírita - perfectibilidade da raça negra. Revista Espírita. Jornal de Estudos Psicológicos. Disponível em: https://www.sistemas.febnet.org.br/gerenciador/pdfRepository/2009-11-20-30.45f1619bf43ffc6b3c4e21170fd9bdf4.pdf. Acesso em: 14 dez. 2023. Grifos nossos; trechos selecionados.
 

KARDEC, Allan. Revue Spirite 1862 » Avril » Phrénologie spiritualiste et spirite - Perfectibilité de la race nègre. Disponível em: https://www.ipeak.net/site/estudo_janela_conteudo.php?idioma=2&origem=5253. Acesso em: 14 dez. 2023.
 

PARA SABER MAIS:

Publicação original, em francês (p. 96-ss online e 101-ss do PDF baixado):

https://archive.org/details/IAPSOP-revue_spirite_v5_1862/page/96/mode/2up

 

FÉLIX, Franklin. O racismo de Kardec e o calcanhar de Aquiles dos espíritas. Carta Capital16 fev. 2022. Acesso em: 22 dez. 2023.

https://www.cartacapital.com.br/blogs/dialogos-da-fe/o-racismo-de-kardec-e-o-calcanhar-de-aquiles-dos-espiritas/

domingo, 10 de dezembro de 2023

EXAME DAS RELIGIÕES PELAS LUZES NATURAIS

 



Teresa Filósofa é um livro “libertino”, publicado em 1748, supostamente de autoria do marquês d’Argens.


Por anônimo
 

Por que então eles não são inteiramente inocentes? – disse a Sra. C... – Pois vos esforçastes em dizer que eles não ferem absolutamente o interesse da sociedade, que somos levados a isso por uma necessidade tão natural a certos temperamentos, tão carente de alívio quanto as necessidades da fome e da sede... Vós me demonstrastes muito bem que agimos somente pela vontade de Deus, que a natureza não passa de uma palavra vazia de sentido e é somente o efeito, do qual Deus é a causa. Mas da religião, o que direis? Ela nos proíbe os prazeres concupiscentes fora do casamento. Será isto ainda uma palavra vazia de sentido?

O quê, madame? – respondeu o Abade –, não vos lembrais, portanto, que, absolutamente, não somos livres, que todas as nossas ações são necessariamente determinadas? E se não somos livres, como podemos pecar? Mas já que quereis, entremos seriamente em matéria sobre o capítulo das religiões. Conheço a vossa discrição, a vossa prudência, e temo tanto menos me explicar quanto protesto diante de Deus pela boa-fé com que procurei separar a verdade da ilusão. Eis o resumo de meus trabalhos e de minhas reflexões sobre essa importante matéria.

“Deus é bom, digo eu. Sua bondade me assegura que, se eu procurar ardorosamente saber se é um culto verdadeiro que ele exige de mim, ele não me enganará, evidentemente chegarei a conhecer esse culto, de outra forma Deus seria injusto. Ele me deu a razão para eu me servir dela. Em que poderia melhor empregá-la?

“Se um cristão de boa-fé não quiser examinar a sua religião, por que ele quererá (assim como o exige) que um maometano de boa-fé examine a sua? Tanto um quanto outro acreditam que sua religião lhes foi revelada por Deus, um por Jesus Cristo, o outro por Maomé.

“A fé somente nos vem porque homens nos disseram que Deus fez a revelação de certas verdades. Mas, da mesma forma, outros homens o disseram aos sectários das outras religiões. Em quais acreditar? Para sabê-lo, é preciso portanto examinar, pois tudo o que nos vem dos homens deve ser submetido à nossa razão.

“Todos os autores das diversas religiões espalhadas sobre a terra se vangloriaram de que Deus as tinha revelado para eles. Em quais acreditar? Examinemos qual é a verdadeira. Mas como tudo é preconceito da infância e da educação, para julgar de maneira sadia, é preciso sacrificar a Deus qualquer preconceito e, em seguida, examinar com a luz da razão uma coisa da qual depende a nossa felicidade ou a nossa desgraça durante nossa vida e durante a eternidade.

“Primeiramente observo que há quatro partes no mundo, que no máximo a vigésima parte de uma dessas quatro partes é católica, que todos os habitantes das outras partes dizem que adoramos um homem, o pão, que multiplicamos a Divindade, que quase todos os padres se contradisseram em seus escritos, o que prova que não estavam inspirados por Deus.

“Todas as mudanças de religião, desde Adão, feitas por Moisés, por Salomão, por Jesus Cristo e, em seguida pelos padres, demonstram que essas religiões não passam de obra dos homens. Deus jamais varia! Ele é imutável.

“Deus está em todo lugar. Contudo, a Sagrada Escritura diz que Deus buscou Adão no paraíso terrestre: Adam, ubi es[8], que Deus passeou ali, que falou sobre Jó com o diabo.

“A razão me diz que Deus não está sujeito a nenhuma paixão. Entretanto, no Gênese, no capítulo VI, fazem Deus dizer que se arrependeu de ter criado o homem, que a sua cólera não foi ineficaz. Deus parece tão fraco, na religião cristã, que não pode reduzir o homem ao ponto que gostaria: ele o pune pela água, em seguida pelo fogo, o homem continua o mesmo; ele envia profetas, os homens ainda são os mesmos; ele tem somente um filho único, ele o envia, contudo os homens não mudam em nada. Quantas coisas ridículas a religião cristã atribui a Deus!

“Todos estão de acordo que Deus sabe o que deve acontecer durante a eternidade. Mas Deus – diz-se – somente conhece o resultado de nossas ações depois de ter previsto que abusaríamos de sua misericórdia e que cometeríamos essas mesmas ações. Desse conhecimento, todavia, resulta o fato de que Deus, fazendo-nos nascer, já sabia que estaríamos infalivelmente perdidos e eternamente infelizes.

“Vemos na Sagrada Escritura que Deus enviou profetas para avisar os homens e exortá-los a mudar de conduta. Ora, Deus, que sabe tudo, não ignorava que os homens não mudariam, absolutamente, de conduta. Portanto a Sagrada Escritura supõe que Deus é um ser enganador. Podem essas idéias estar de acordo com a certeza que temos da bondade infinita de Deus?

“Supõe-se que Deus, que é todo-poderoso, tenha um rival perigoso no diabo que, incessantemente, mesmo contra a sua vontade, lhe tira três quartos do pequeno número de homens que ele escolheu, pelos quais seu Filho se sacrificou, sem se preocupar com o resto do gênero humano. Que lastimáveis absurdos!

“Segundo a religião cristã, pecamos somente pela tentação. É o diabo – dizem – que nos tenta. Deus tinha somente que aniquilar o diabo, estaríamos todos salvos: há muita injustiça ou impotência de sua parte!

“Uma porção bastante grande dos ministros da religião católica pretende que Deus nos dá mandamentos, mas sustenta que não poderíamos cumpri-los sem a graça, que Deus dá a quem lhe agrada e que, contudo, Deus pune aqueles que não os observam! Que contradição! Que impiedade monstruosa!

“Existe algo tão miserável quanto dizer que Deus é vingativo, ciumento, irado, quanto ver que os católicos dirigem as suas preces aos santos, como se esses santos estivessem em todo lugar assim como Deus, como se esses santos pudessem ler nos corações dos homens e ouvi-los?

“Que ridículo dizer que devemos fazer tudo para a maior glória de Deus. Será que a glória de Deus pode ser aumentada pela imaginação, pelas ações dos homens? Podem eles aumentar alguma coisa Nele? Ele não se basta a si mesmo?

“Como homens puderam imaginar que a Divindade achava-se mais honrada, mais satisfeita, por vê-los comer um arenque e não uma calhandra[9], uma sopa de cebola e não uma sopa de toucinho, um linguado e não uma perdiz, e que essa mesma Divindade os condenaria para sempre se em certos dias eles dessem preferência à sopa de toucinho?

“Fracos mortais! Acreditais poder ofender a Deus! Acaso poderíeis pelo menos ofender a um rei, um príncipe, que seriam razoáveis? Eles desprezariam vossa fraqueza e vossa impotência. Anunciam-vos um Deus vingador e vos dizem que a vingança é um crime. Que contradição! Asseguram-vos que perdoar uma ofensa é uma virtude e ousam vos dizer que Deus se vinga de uma ofensa involuntária por uma eternidade de suplícios!

“Se existe um Deus, há um culto. Contudo, antes da criação do mundo, devemos convir, havia um Deus e nenhum culto.

Aliás, desde a criação, existem animais que não prestam nenhum culto a Deus. Se não existisse nenhum homem, sempre haveria um Deus, criaturas e nenhum culto. A mania dos homens é a de julgar ações de Deus por aquelas que lhes são próprias.

“A religião cristã dá uma falsa idéia de Deus, pois a justiça humana, segundo ela, é uma emanação da justiça divina.

Ora, segundo a justiça humana, somente poderíamos censurar as ações de Deus para com seu Filho, para com Adão, para com os povos a quem nunca se fez pregações, para com as crianças que morrem antes do batismo.

“Segundo a religião cristã, é preciso tender para a maior perfeição. O estado de virgindade, segundo ela, é mais perfeito do que o do casamento. Ora, é evidente que a perfeição da religião cristã tende à destruição do gênero humano. Se os esforços, os discursos dos padres tivessem sucesso, em sessenta ou oitenta anos o gênero humano estaria destruído. Pode essa religião ser de Deus?

“Existe algo de mais absurdo do que mandar padres, monges, outras pessoas orarem por si? Julga-se Deus como se julgam reis.

“Que excesso de loucura acreditar que Deus nos fez nascer para somente fazermos o que é contranatural, o que pode nos tornar infelizes nesse mundo, exigindo que recusássemos tudo o que satisfaz os sentidos, os apetites que ele nos deu! O que mais poderia fazer um tirano obstinado em nos perseguir desde o instante do nascimento até o da nossa morte?

“Para ser perfeito cristão é preciso ser ignorante, acreditar cegamente, renunciar a todos os prazeres, às honras, às riquezas, abandonar os seus pais, os seus amigos, guardar a sua virgindade, numa palavra, fazer tudo o que é contrário à natureza. Contudo, essa natureza, com certeza, opera somente pela vontade de Deus. Que contradição a religião supõe num ser infinitamente justo e bom!

“Uma vez que Deus é o criador e o senhor de todas as coisas, devemos utilizá-las com a finalidade para a qual Ele as criou e nos servirmos delas segundo o fim que Ele se propôs ao criá-las. Tanto que, pela razão, pelos sentimentos interiores que Ele nos deu, podemos conhecer seus desígnios e os seus objetivos e conciliá-los com o interesse da sociedade estabelecida entre os homens no país que habitamos.

“O homem não é feito para ser ocioso: é preciso que ele se ocupe com alguma coisa que tenha por fim o seu próprio benefício, conciliado com o bem geral. Deus não quis somente a felicidade de alguns em particular, Ele quer a felicidade de todos. Portanto devemos nos prestar mutuamente todos os serviços possíveis, contanto que esses serviços não destruam algumas ramificações da sociedade estabelecida: é este último ponto que deve dirigir as nossas ações. Conservando-o, no que fazemos, em nosso estado, cumprimos todos os nossos deveres. O resto não passa de quimera, ilusão, preconceitos.


ORIGEM DAS RELIGIÕES

 

“Todas as religiões, sem nenhuma exceção, são obra dos homens. Não existe uma que não tenha tido os seus mártires, os seus pretensos milagres. O que provam a mais os nossos, a mais do que os das outras religiões?

“As religiões, inicialmente, foram estabelecidas pelo temor: o trovão, os temporais, os ventos, o granizo, destruíam os frutos, as sementes que alimentavam os primeiros homens espalhados na superfície da terra. A sua impotência em evitar esses acontecimentos obrigou-os a recorrer às preces para o que eles reconheciam ser mais poderoso do que eles e que acreditavam estar disposto a atormentá-los. Como conseqüência, homens ambiciosos, grandes gênios, políticos importantes, nascidos em séculos diferentes, em diversas regiões, tiraram partido da credulidade dos povos, anunciaram deuses, em geral estranhos, fantasiosos, tiranos, estabeleceram cultos, começaram a formar sociedades das quais pudessem se tornar os chefes, os legisladores. Eles reconheceram que, para manter essas sociedades, era necessário que cada um dos seus membros, em geral, sacrificasse as suas paixões, os seus prazeres particulares para a felicidade dos outros. Daí a necessidade de fazer considerar um equivalente de recompensas a serem esperadas e penas a serem temidas que determinassem a execução desses sacrifícios. Portanto, esses políticos imaginaram as religiões. Todas prometem recompensas e anunciam penas que levam uma grande parte dos homens a resistir à inclinação natural que têm de se apropriarem do bem, da mulher, da filha de outrem, de se vingarem, falarem mal, manchar a reputação do seu próximo a fim de tornar a sua mais proeminente.”


[8]. Adão, onde estás? (Gênese III, 9). (N. do E.)
[9]. Calhandra: cotovia gorda (N. do E.).

REFERÊNCIA: 
Teresa Filósofa. Tradução de Maria Carlota Carvalho Gomes. Porto Alegre: L&PM, 2011. E-book.

quinta-feira, 19 de outubro de 2023

DA INUTILIDADE DA ARROGÂNCIA

 




Por Śrīla Bhaktivinoda Ṭhākura (1838-1914)

 

Primeiro princípio da rendição
Dainya: humildade
 
Segunda oração
 

Com grande entusiasmo, dediquei meu tempo aos prazeres do estudo mundano, e jamais adorei Vossos pés de lótus, ó Senhor. Agora, sois meu único refúgio.

 

À proporção de minhas leituras, cresciam minhas esperanças de sucesso, uma vez que considerei o conhecimento material como a verdadeira meta da vida. Quão infrutíferas se revelaram tais esperanças quando todo o meu conhecimento se mostrou frágil e débil. Hoje tenho o conhecimento de que toda essa erudição é, em realidade, mera ignorância.

 

Todo o assim chamado conhecimento deste mundo nasce da potência de Vossa energia ilusória, e é um impedimento para a prestação do serviço devocional a Vós. O envolvimento com o conhecimento mundano reduz a alma eterna à condição de um asno, encorajando a mesma a se atrair em paixões por este mundo transitório e inconstante.

 

Aqui está alguém que foi reduzido a tal condição de asno, alguém que há muito tempo carrega sobre suas costas o inútil fardo da existência material. Agora, em minha velhice, devido à carência de aptidão para o desfrute, nada me apraz.

 

A vida, agora, é-me de agonia, agora que minha pretensa erudição se coloca diante de mim em sua verdadeira forma de imprestável ignorância. O conhecimento material mostra-se agora uma flecha de ponta afiada, flecha esta que perfura o meu coração com a intolerável e candente dor da necedade.

 

Ó Senhor, inexiste tesouro digno de ser buscado neste mundo, salvo Vossos pés de lótus. Bhaktivinoda rejeita todo o seu conhecimento mundano e aceita Vossos pés de lótus como a essência de sua vida.

 
 

REFERÊNCIA:
ṬHĀKURA, Śrīla Bhaktivinoda. Śaraṇāgati – devocionário da rendição completa. Tradução de Thiago Costa Braga. Pindamonhangaba: Coletivo Editorial, 2019. p. 29-32.

 


First Principle of Surrender

Dainya: humility

 
Song two
 

With great enthusiasm I spent my time in the pleasures of mundane learning, and never worshiped Your lotus feet, O Lord. Now You are my only shelter.

 

Reading on and on, my hopes grew and grew, for I considered the acquisition of material knowledge to be life's true goal. How fruitless those hopes turned out to be, for all my knowledge proved feeble. Now I know that all such erudition is actually pure ignorance.

 

All the so-called knowledge of this world is born of the flickering potency of Your illusory energy (maya). It is an impediment to the execution of devotional service to You. Indulgence in mundane knowledge verily makes an ass of the eternal soul by encouraging his infatuation with this temporary world.

 

Here is one person who has been turned into such an ass, who for so long has carried on his back the useless burden of material existence. Now in my old age, for want of the power to enjoy, I find that nothing at all pleases me.

 

Life has now become agony, for my so-called erudite knowledge has proven itself to be worthless ignorance. Material knowledge has now become a pointed shaft and has pierced my heart with the intolerable, burning pain of ignorance.

 

O Lord, there is no treasure worth seeking in this world other than Your lotus feet. Bhaktivinoda abandons all his mundane knowledge and makes Your lotus feet the sum and substance of his life.