domingo, 21 de janeiro de 2018

SIMBOLISMO, ESOTERISMO E O SALÃO ROSACRUZ NA ARTE FRANCESA DO FINAL DO SÉCULO XIX




 Por Rick Cobban, FRC*

No início de 1892, um misterioso cartaz apareceu nas ruas de Paris. Mostrava três figuras femininas, uma delas nua e mergulhada no lodo da vida diária, com lama pingando da ponta de seus dedos; as duas outras subindo uma escada ce­lestial. A segunda dama veste roupas escuras e ocupa o plano intermediário. Ela oferece um lírio a uma figura quase transparente que está mais acima na escada e que deixou para trás a poluição da vida. Essa última figura representa o idea­lismo puro. Em sua mão leva um coração ardente. Os degraus estão salpicados de flores de Maria: rosas e lírios. Muitas nuvens e estrelas giram acima dos picos das montanhas no alto da escada. O quadro é emoldurado por um padrão de rosas crucificadas colocadas sobre altares. A parte de baixo do cartaz anuncia a abertura o primeiro Salão da Rosacruz” – Robert Pincus-Witten.

O Salão Rosacruz

É possível que o cartaz de Carlos Schwabe anunciando o primeiro Salão Rosacruz possa já ser bem conhecido de muitos leitores da revista “O Rosacruz”. Entretanto, a história do fermento artístico e esotérico que cerca o Salão Rosacruz é bem menos conhecida. Entre 1892 e 1897, um indivíduo extraor­dinário organizou os “Salões da Rosacruz”, uma série de seis famosas exposições de arte. Esse indivíduo era Josephin Péladan. Ele foi impregnado pelo profundo misticismo dos rosacruzes de Toulouse através de seu irmão Adrien Péladan. Juntamente com Papus e Stanislas de Guaita, Péladan foi um dos fun­dadores da Ordem Cabalista da Rosacruz. Em 17 de fevereiro de 1891, anunciou em uma carta endereçada a Papus e publicada no periódico L’Initiation que iria quebrar seus vínculos com aquela ordem. Isso aconteceu devido a diferenças de compreensão sobre o propósito e a direção da atividade Rosacruz. Foi assim que, em maio de 1891, fundou seu próprio grupo, a “Ordem Rosacruz do Templo e do Graal’’.
Esta ordem se organizava em três graus: cavalariços, cavaleiros e comandantes. Como seu Grande Mestre, Péladan era conhecido como Sâr Merodak Péladan em seu círculo interno Rosacruz. Vestindo ex­travagantes trajes cerimoniais roxos e com barba e cabelos cortados da forma que des­crevia como “estilo Assírio”, Péladan se tor­nou uma figura excêntrica ao mesmo tem­po respeitada, admirada e ridicularizada pela sociedade parisiense. A atividade de sua Ordem estava sediada na França, mas se estendia até a Bélgica. O trabalho eso­térico era realizado simultaneamente com suas atividades públicas artísticas e literá­rias. Péladan acreditava que a arte e a mú­sica conseguiam elevar a alma e promover um mundo mais caridoso e espiritual. O Manifesto da Rosa-Cruz e o Regulamento e Monitoramento do Salão Rosacruz foram publicados em 1891.
A primeira exposição do Salão Rosacruz foi inaugurada em março de 1892 na famo­sa Galeria Durand-Ruel. Foi uma das mais bem sucedidas exposições do ano. Dois mil convites foram distribuídos para o público em geral, assim como convites especiais para pessoas particulares. Mais de 22.600 cartões de visita foram distribuídos. Na rua, do lado de fora do Salão, a polícia foi for­çada a controlar o trânsito de veículos que traziam visitantes à exposição. Os mais anti­gos da sociedade parisiense visitaram a ex­posição. Grandes artistas, escritores e poetas como Puvis de Chavannes, Gustave Moreau, Émile Zola e Paul Verlaine passaram pela “grande amostra artística do ano”, segundo Remy de Gourmont, no Mercure de France.
Os mais bem conhecidos artistas simbo­listas que se apresentaram nos seis Salões foram Carlos Schwabe, Fernand Khnopff, Jean Delville, Armand Point, Felicién Rops e Alexandre Séon entre centenas de artis­tas que exibiam suas obras. Naturalmente, o padrão dos trabalhos exibidos variava muito. Na melhor das hipóteses, as obras de arte exibidas eram ricas de significado simbólico. O exame de uma pintura – Eu tranco a porta para mim mesmo (1891) – de Fernand Khnopff pode demonstrar os vários níveis de significado simbolizados na arte da Rosacruz. As pessoas que viram essa pintura compreenderam o que estavam prontas para compreender. Uma figura andrógina é apre­sentada em uma das salas. Algumas pessoas viram apenas a imagem da caracterização popular de uma femme-fatale como sendo sedutora e casta ao mesmo tempo. Uma in­terpretação mais criteriosa revela uma visão mais mística da personalidade-alma em contemplação se voltando para dentro de si mesma e se afastando do mundo objetivo.
A figura andrógina simboliza a alma fora da dualidade e da força que o Mago ganhou sobre a vida e a morte em isolamento meditativo. A variedade do trabalho exibido pode ser visto na pintura de Jean Delville, Tesouros de Satã (1895) e de Armand Point, A Ninfa (1897), que revela a diversidade e as ambições dos exibidores do Salão.
A natureza contraditória da ambição de Péladan pela arte exibida e a necessidade que tinha de orientar o Salão através de seu manifesto e regulamentos criou problemas tanto para a Ordem quanto para o Salão Rosacruz. Uma das questões mais contun­dentes da visão elitista que Péladan tinha da atividade Rosacruz pode ser encontrada na seguinte declaração: “A Arte, este rito inici­ático ao qual deveriam ser admitidos apenas os predestinados, está se tornando banal para agradar a multidão”.
Esta atitude está demonstrada nas expectativas e críticas complexas de Péladan aos artistas e trabalhos que seriam exibidos dentro do Salão Rosacruz. As leis inflexíveis do Salão eram reforçadas e desencorajavam alguns artistas a se manterem envolvidos. Entretanto, outros artistas eram inspira­dos. Jean Delville organizou exposições sobre Arte Simbolista e sobre o trabalho de Péladan na Bélgica.
A visão de Péladan para a arte do Salão Rosacruz pode ser resumida na seguinte máxima: “A obra de arte é uma fuga: a natureza fornece os motivos; a alma do artista cria o resto”: Em muitos aspectos, essa declaração poderia ser o pensamento orientador para o desenvolvimento de muitos aspectos do modernismo do século XX. De fato, muitos artistas que poderiam mais tarde desempe­nhar papéis no desenvolvimento do moder­nismo exibiram suas obras em um ou mais desses seis Salões. Georges Roualt se tornou um dos grandes pintores independentes do Fauvismo; Émile Bernard, uma luz dos Nabis; Émile-Antoine Bourdelle, um escultor de expressão romântica; e Ferdinand Hodler desenvolveu o Expressionismo. Jan Toorop se tornou um pintor de liderança da Art Nouveau enquanto que Felix Vallotton criou sua versão do realismo objetivo.

Os Simbolistas

O Simbolismo começou como um movi­mento literário nos romances Là-Bas [Lá Embaixo] e A Rebours [Ao Revés] de J. K. Huysmans com os temas da decadência, o dandismo e o ocultismo. Isso deveria ser contrastado com o romance simbolista de Péladan O Vício Supremo. O herói desse romance é um Mago místico que usa suas habilidades a serviço dos mais altos ideais. O poeta Jean Maréas formalizou o movi­mento Simbolista num manifesto no Le Figaro em 1886. Albert Aurier definiu-o como a pintura de ideias para simbolizar o intangível e o invisível. O Simbolismo era uma reação contra os excessos do Romantismo e ao materialismo do Realismo e do Impressionismo.
Os pintores simbolistas Gustave Moreau e Odilon Redon foram convidados a fazer parte do Salão Rosacruz. Ambos se recusaram dando preferência aos seus modos reclusos. As pinturas simbolistas de Moreau, inspira­das pelo mito e por acontecimentos bíblicos, representaram o astral de “fim de século” do final do século XIX na França. Em suas pintu­ras Salomé e A Voz da Tardinha, visões ador­nadas de joias tomam conta do observador com o poder evocativo do símbolo ao mesmo tempo em que apontam para uma realidade velada. O ensinamento e a arte de Moreau inspiraram artistas como Gauguin e Matisse a alcançarem uma nova síntese em suas artes.
O grande muralista Pierre Puvis de Chavannes não estava interessado em imitar a natureza. Ele captou um astral simbólico universal em cada trabalho, pintando um acontecimento específico. Através de cenas estáticas de grande escala de serenos esque­mas de cores decorativas cuidadosamente esmaecidas, ele criou pinturas de força mo­numental. Um estudo gigantesco para um mural desses – Saint Genevieve Provisioning Paris under Siege [Santa Genoveva Assistindo Paris Durante o Cerco] (1897-98) – pode ser visto na Galeria Nacional de Vitória, em Melbourne. Vemos na pintura O Pobre Pescador (1881) o astral contemplativo evo­cado pelas cores sutis, pela estranha com­posição diagonal e pelo estado de súplica do pescador. Tudo isso leva o observador a um estado de identificação com a espiritualidade da cena. O silêncio metafísico encontrado na arte de Puvis de Chavannes silenciosamen­te lhe conquistou tanto o respeito quanto a influência de todos os pintores interessados em evocar o espiritual em sua arte. A força daquele silêncio só seria encontrada nas pinturas metafísicas do pioneiro italiano do Surrealismo, Giorgio de Chirico.
Compositores como Erik Satie e Claude Debussy estiveram envolvidos num empreendimento simbolista paralelo para criar uma música mais espiritual. Satie compôs uma fanfarra de harpas e trombetas, Les Sonneries de La Rose-Croix, para a cerimô­nia de abertura do Salão da primeira exposição da primavera de 1892. Entretanto, suas obras mais bem conhecidas são Trois Gymnopedies e Gnossiennes. A influência de Erik Satie continua ainda hoje na obra de compositores “minimalistas” modernos como Philip Glass e Michael Nyman.
As gravuras, pinturas e desenhos de Odilon Redon encontram sua inspiração nas imagens de sonhos e do inconsciente. Em seu trabalho, assim como na maioria da arte e da poesia simbólicas, o envolvimento do obser­vador no processo de interpretação e intuição do significado de cada obra é o elemento mais importante. Dessa forma, o observador também entra na experiência mística e visionária.
Muitas vezes Redon acrescentaria um título que é como um poema acompanhando o impacto visual. A impressão litográfica O Olho Flutua para o Infinito como um Balão Estranho (1882) dá testemunho dessa experiência visionária. Para sua pintura Silêncio (1911), Redon representa Harpócrates, o deus do silêncio místico, com o dedo indicador pressionado contra os lá­bios, tão familiar aos místicos Rosacruzes. Ele nos lembra que, em última instância, o maior mistério não pode ser dito. Ele está além do intelecto e de toda representação simbólica.

Os Nabis

Após 1898, os Nabis (Nabis é a palavra he­braica para “profetas”) se tornaram os pro­ponentes principais do simbolismo à medi­da que o Salão Rosacruz começou a entrar para a história. Os artistas de vanguarda do Nabis eram Émile Bernard, Maurice Denis, Paul Serusier, Pierre Bonnard, Eduard Vuillard e Paul Ranson. Era um grupo de artistas com diversos estilos e crenças uni­dos por seu interesse em criar uma nova arte espiritualizada moderna. Eles se reuniam vestindo trajes característicos em suas casas e estúdios para compartilhar refeições e discutir arte, filosofia, religião e misticis­mo. Consideravam a quintessência do ato criativo como espiritualmente elevatório para si mesmos e para todos que obser­vassem sua arte. As teorias e artes criadas pelos Nabis usando a geometria sagrada e a abstração da realidade percebida de fato os tornava profetas da explosão do moder­nismo no século XX. Entretanto, Robert Pincus-Witten destaca que: “Ecos do Salão ainda podiam ser ouvidos. Em 1899, depois que a exposição dos Nabis Homenagem a Odilon Redon provou ser um sucesso no Durand-Ruel, Maurice Denis escreveu a Gauguin no Tahiti pedindo a ele que par­ticipasse de uma exposição de ‘Pintores Simbolistas, Pontilhistas e Rosacruzes’ a ser realizada no ano seguinte”. Infelizmente, naquela época muitos artistas tinham seguido em frente com seus estilos e associações com outros negociantes de arte em Paris. A exposição nunca aconteceu. Os Nabis se reuniram ao redor de Gauguin como o maior representante de seus ideais.

O Simbolismo de Gauguin

No corpo de trabalho que revela o gênio de Paul Gauguin está sua grande obra-prima D’Ou Vennons-Nous? Qui Sommes-Nous? Ou allons-Nous? (1897), que retrata com maior precisão sua compreensão mística da condi­ção humana. Conhecida em português como “De onde Viemos? Quem somos? Para onde vamos?”, ele tirou essa inspiração da visão pura do povo nativo do Tahiti. Nessa pintura, Gauguin queria que os observadores sentis­sem “primeiro emoção e depois compreensão!” Ele representa o ciclo da encarnação desde o nascimento até a morte. Todo o es­pectro da atividade, aspirações, prazeres e te­mores humanos estão representados desde o bebê recém-nascido, à direita, até a aflição da velha que medita sobre o passado, à esquer­da. Uma estátua simbolizando a presença de Deus encara o observador enquanto que uma figura andrógina – talvez simbolizando a alma – tenta alcançar o fruto experimentado do conhecimento e da sabedoria. Ela faz a pergunta básica sobre a origem e o propósito de todos os povos, culturas e de si mesma.
A vida de cada observador vai informar sua profunda apreciação dessa pintura e dar significado a ela. Gauguin evoca associações de significados em vez de simplesmente querer explicar ou ilustrar. “Coloquei toda a minha energia nela mais uma vez antes de morrer”, escreveu, “há uma paixão tão dolorosa na­quelas circunstâncias terríveis, uma visão tão nítida e precisa, que não há qualquer traço de preciosismo, e a vida desabrocha a partir dela”; Gauguin queria que seu trabalho fosse “com­parável aos evangelhos”: Ele alcançou o ideal dos Nabis – a total fusão de conteúdo e for­ma. Meditar sobre essa pintura vai trazer um retorno multiplicado muitas vezes, pois, em seu trabalho, Gauguin estava interpretando o grande mistério da vida.

O legado do Salão Rosacruz

Voltando à vida de Josephin Péladan, ele continuou a dar o melhor de si no sentido de convencer o público do valor de uma arte simbólica misticamente orientada. Ainda usava seus trajes roxos e barba e cabelos no estilo “assírio”: Essa escolha excêntrica de rou­pas, que ele fez de acordo com a ciência da Kaloprosopie, foi caricaturada por jornalistas. No entanto, no final do século XIX, muitos artistas, especialmente os Nabis, adoravam usar roupas extravagantes para manifestar sua rejeição à sociedade burguesa convencional. Até sua morte, em 1918, Péladan continuou sua atividade esotérica e literária, que incluía 90 volumes constituídos por romances, peças teatrais e estudos sobre arte ou esoterismo. A vida de Sâr Péladan foi uma obra de arte. De fato, mais tarde no século XX, o misticismo de Péladan da “Ordem Rosa-Cruz do Templo e do Graal” na Bélgica seria uma das conexões iniciáticas de Émile Dantinne. Usando o nome místico de Sâr Hieronymous, Émile Dantinne desempenharia um papel importante forta­lecendo e unindo Rosacruzes como um dos três Imperators da FUDOSI. Se você obser­var a arte moderna com cuidado, com olhos que veem, vai perceber uma corrente mística que é o legado estético do Simbolismo e do Salão Rosacruz.
No século XXI, a tradição Rosacruz de promover a música e as artes permanece atra­vés de apresentações e exposições nos Centros Culturais da AMORC como, por exemplo, no Museu Egípcio Rosacruz em San Jose e no Centro Cultural Rosacruz em Paris.


* Rick Cobban, há muitos anos, é membro da Loja de Sidney, onde tem servido em várias funções, inclusive nas de Secretário e Tesoureiro. Já serviu como Monitor Regional e Grande Conselheiro para NSW/ACT. Rick é professor de Arte e tem uma apreciação bastante ampla de várias escolas artísticas, especialmente do simbolismo na arte.

Referências: MACKINTOSH, Alastir. Symbolism and Art Nouveau ln Modern Art: Impressionism to Post-Modernism. Britt, David (ed). London Thames and Hudson.1989; HOWE, Jeffrey W. The Symbolist Art of Fernand Khnopff. Ann Arbor. UMI Research Press.1982; MCINTOSH, Christopher. The Rosicrucians: The History and Mithology of an Occult Order. Wellingbourough Crucible.1987; PARSONS, Thomas and Gale, Lain. Post-lmpressionism: The Rise of Modem Art. London, Studio Editions. 1992, PINCUS-WITTEN, Robert. Occult Symbolism ln France: Josephin Péladan and the Salon de la Rose-Croix. New York, Garland.1976; REBISSE, Christian. Rosicrucian History and Mysteries. San Jose, AMORC. 2005; WALTHER, lngo F. Gauguin The Primitive Sophisticate. Koln. Taschen. 2006; WASSERMAN, James. Art and Symbols of the Occult. London. Tiger Books lnternational PLC. 1993.

REFERÊNCIA:

COBBAN, Rick. Simbolismo, Esoterismo e o Salão Rosacruz na arte francesa do final do século XIX. In O Rosacruz. Inverno 2011. n. 277. Curitiba: AMORC-GLP, 2011. p. 44-51.






Josephin Péladan




“Eu tranco a porta para mim mesmo”, 1891, Fernand Khnopff


“A Ninfa”, 1897, Armand Point


Joris-Karl Huysmans


“O Pobre Pescador”, 1881, Pierre Puvis de Chavannes

Silêncio, 1911, Odilon Redon

Paul Gauguin


“De onde viemos? Ouem somos? Para onde vamos?”, 1897, Paul Gauguin


“Retrato de Josephin Péladan”, 1891, Alexandre Séon


Claude Debussy

Erik Satie

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