Por Rick
Cobban, FRC*
“No início de 1892, um misterioso cartaz apareceu nas ruas de Paris.
Mostrava três figuras femininas, uma delas nua e mergulhada no lodo da vida
diária, com lama pingando da ponta de seus dedos; as duas outras subindo uma
escada celestial. A segunda dama veste roupas escuras e ocupa o plano
intermediário. Ela oferece um lírio a uma figura quase transparente que está
mais acima na escada e que deixou para trás a poluição da vida. Essa última
figura representa o idealismo puro. Em sua mão leva um coração ardente. Os
degraus estão salpicados de flores de Maria: rosas e lírios. Muitas nuvens e
estrelas giram acima dos picos das montanhas no alto da escada. O quadro é
emoldurado por um padrão de rosas crucificadas colocadas sobre altares. A parte
de baixo do cartaz anuncia a abertura o primeiro Salão da Rosacruz” –
Robert Pincus-Witten.
O
Salão Rosacruz
É possível que o cartaz de
Carlos Schwabe anunciando o primeiro Salão Rosacruz possa já ser bem conhecido
de muitos leitores da revista “O Rosacruz”.
Entretanto, a história do fermento artístico e esotérico que cerca o Salão
Rosacruz é bem menos conhecida. Entre 1892 e 1897, um indivíduo extraordinário
organizou os “Salões da Rosacruz”, uma série de seis famosas exposições de
arte. Esse indivíduo era Josephin Péladan. Ele foi impregnado pelo profundo
misticismo dos rosacruzes de Toulouse através de seu irmão Adrien Péladan.
Juntamente com Papus e Stanislas de Guaita, Péladan foi um dos fundadores da
Ordem Cabalista da Rosacruz. Em 17 de fevereiro de 1891, anunciou em uma carta
endereçada a Papus e publicada no periódico L’Initiation
que iria quebrar seus vínculos com aquela ordem. Isso aconteceu devido a
diferenças de compreensão sobre o propósito e a direção da atividade Rosacruz.
Foi assim que, em maio de 1891, fundou seu próprio grupo, a “Ordem Rosacruz do
Templo e do Graal’’.
Esta ordem se organizava em
três graus: cavalariços, cavaleiros e comandantes. Como seu Grande Mestre,
Péladan era conhecido como Sâr Merodak Péladan em seu círculo interno Rosacruz.
Vestindo extravagantes trajes cerimoniais roxos e com barba e cabelos cortados
da forma que descrevia como “estilo Assírio”, Péladan se tornou uma figura
excêntrica ao mesmo tempo respeitada, admirada e ridicularizada pela sociedade
parisiense. A atividade de sua Ordem estava sediada na França, mas se estendia
até a Bélgica. O trabalho esotérico era realizado simultaneamente com suas
atividades públicas artísticas e literárias. Péladan acreditava que a arte e a
música conseguiam elevar a alma e promover um mundo mais caridoso e
espiritual. O Manifesto da Rosa-Cruz e o Regulamento e Monitoramento do Salão
Rosacruz foram publicados em 1891.
A primeira exposição do
Salão Rosacruz foi inaugurada em março de 1892 na famosa Galeria Durand-Ruel.
Foi uma das mais bem sucedidas exposições do ano. Dois mil convites foram
distribuídos para o público em geral, assim como convites especiais para
pessoas particulares. Mais de 22.600 cartões de visita foram distribuídos. Na
rua, do lado de fora do Salão, a polícia foi forçada a controlar o trânsito de
veículos que traziam visitantes à exposição. Os mais antigos da sociedade
parisiense visitaram a exposição. Grandes artistas, escritores e poetas como
Puvis de Chavannes, Gustave Moreau, Émile Zola e Paul Verlaine passaram pela “grande
amostra artística do ano”, segundo Remy de Gourmont, no Mercure de France.
Os mais bem conhecidos artistas
simbolistas que se apresentaram nos seis Salões foram Carlos Schwabe, Fernand Khnopff,
Jean Delville, Armand Point, Felicién Rops e Alexandre Séon entre centenas de artistas
que exibiam suas obras. Naturalmente, o padrão dos trabalhos exibidos variava muito.
Na melhor das hipóteses, as obras de arte exibidas eram ricas de significado simbólico.
O exame de uma pintura – Eu tranco a porta
para mim mesmo (1891) – de Fernand Khnopff pode demonstrar os vários níveis
de significado simbolizados na arte da Rosacruz. As pessoas que viram essa pintura
compreenderam o que estavam prontas para compreender. Uma figura andrógina é apresentada
em uma das salas. Algumas pessoas viram apenas a imagem da caracterização popular
de uma femme-fatale como sendo sedutora
e casta ao mesmo tempo. Uma interpretação mais criteriosa revela uma visão mais
mística da personalidade-alma em contemplação se voltando para dentro de si mesma
e se afastando do mundo objetivo.
A figura andrógina simboliza
a alma fora da dualidade e da força que o Mago ganhou sobre a vida e a morte em
isolamento meditativo. A variedade do trabalho exibido pode ser visto na pintura
de Jean Delville, Tesouros de Satã (1895)
e de Armand Point, A Ninfa (1897), que
revela a diversidade e as ambições dos exibidores do Salão.
A natureza contraditória da ambição
de Péladan pela arte exibida e a necessidade que tinha de orientar o Salão através
de seu manifesto e regulamentos criou problemas tanto para a Ordem quanto para o
Salão Rosacruz. Uma das questões mais contundentes da visão elitista que Péladan
tinha da atividade Rosacruz pode ser encontrada na seguinte declaração: “A Arte, este rito iniciático ao qual deveriam
ser admitidos apenas os predestinados, está se tornando banal para agradar a multidão”.
Esta atitude está demonstrada
nas expectativas e críticas complexas de Péladan aos artistas e trabalhos que seriam
exibidos dentro do Salão Rosacruz. As leis inflexíveis do Salão eram reforçadas
e desencorajavam alguns artistas a se manterem envolvidos. Entretanto, outros artistas
eram inspirados. Jean Delville organizou exposições sobre Arte Simbolista e sobre
o trabalho de Péladan na Bélgica.
A visão de Péladan para a arte
do Salão Rosacruz pode ser resumida na seguinte máxima: “A obra de arte é uma fuga: a natureza fornece os motivos; a alma do artista
cria o resto”: Em muitos aspectos, essa declaração poderia ser o pensamento
orientador para o desenvolvimento de muitos aspectos do modernismo do século XX.
De fato, muitos artistas que poderiam mais tarde desempenhar papéis no desenvolvimento
do modernismo exibiram suas obras em um ou mais desses seis Salões. Georges Roualt
se tornou um dos grandes pintores independentes do Fauvismo; Émile Bernard, uma
luz dos Nabis; Émile-Antoine Bourdelle, um escultor de expressão romântica; e Ferdinand
Hodler desenvolveu o Expressionismo. Jan Toorop se tornou um pintor de liderança
da Art Nouveau enquanto que Felix Vallotton criou sua versão do realismo objetivo.
Os
Simbolistas
O Simbolismo começou como um
movimento literário nos romances Là-Bas
[Lá Embaixo] e A Rebours [Ao Revés] de J.
K. Huysmans com os temas da decadência, o dandismo e o ocultismo. Isso deveria ser
contrastado com o romance simbolista de Péladan O Vício Supremo. O herói desse romance é um Mago místico que usa suas
habilidades a serviço dos mais altos ideais. O poeta Jean Maréas formalizou o movimento
Simbolista num manifesto no Le Figaro
em 1886. Albert Aurier definiu-o como a pintura de ideias para simbolizar o intangível
e o invisível. O Simbolismo era uma reação contra os excessos do Romantismo e ao
materialismo do Realismo e do Impressionismo.
Os pintores simbolistas Gustave
Moreau e Odilon Redon foram convidados a fazer parte do Salão Rosacruz. Ambos se
recusaram dando preferência aos seus modos reclusos. As pinturas simbolistas de
Moreau, inspiradas pelo mito e por acontecimentos bíblicos, representaram o astral
de “fim de século” do final do século XIX na França. Em suas pinturas Salomé e A Voz da Tardinha, visões adornadas de joias tomam conta do observador
com o poder evocativo do símbolo ao mesmo tempo em que apontam para uma realidade
velada. O ensinamento e a arte de Moreau inspiraram artistas como Gauguin e Matisse
a alcançarem uma nova síntese em suas artes.
O grande muralista Pierre Puvis
de Chavannes não estava interessado em imitar a natureza. Ele captou um astral simbólico
universal em cada trabalho, pintando um acontecimento específico. Através de cenas
estáticas de grande escala de serenos esquemas de cores decorativas cuidadosamente
esmaecidas, ele criou pinturas de força monumental. Um estudo gigantesco para um
mural desses – Saint Genevieve Provisioning
Paris under Siege [Santa Genoveva Assistindo Paris Durante o Cerco] (1897-98)
– pode ser visto na Galeria Nacional de Vitória, em Melbourne. Vemos na pintura
O Pobre Pescador (1881) o astral contemplativo
evocado pelas cores sutis, pela estranha composição diagonal e pelo estado de
súplica do pescador. Tudo isso leva o observador a um estado de identificação com
a espiritualidade da cena. O silêncio metafísico encontrado na arte de Puvis de
Chavannes silenciosamente lhe conquistou tanto o respeito quanto a influência de
todos os pintores interessados em evocar o espiritual em sua arte. A força daquele
silêncio só seria encontrada nas pinturas metafísicas do pioneiro italiano do Surrealismo,
Giorgio de Chirico.
Compositores como Erik Satie
e Claude Debussy estiveram envolvidos num empreendimento simbolista paralelo para
criar uma música mais espiritual. Satie compôs uma fanfarra de harpas e trombetas,
Les Sonneries de La Rose-Croix, para a
cerimônia de abertura do Salão da primeira exposição da primavera de 1892. Entretanto,
suas obras mais bem conhecidas são Trois Gymnopedies
e Gnossiennes. A influência de Erik Satie
continua ainda hoje na obra de compositores “minimalistas” modernos como Philip
Glass e Michael Nyman.
As gravuras, pinturas e desenhos
de Odilon Redon encontram sua inspiração nas imagens de sonhos e do inconsciente.
Em seu trabalho, assim como na maioria da arte e da poesia simbólicas, o envolvimento
do observador no processo de interpretação e intuição do significado de cada obra
é o elemento mais importante. Dessa forma, o observador também entra na experiência
mística e visionária.
Muitas vezes Redon
acrescentaria um título que é como um poema acompanhando o impacto visual. A
impressão litográfica O Olho Flutua para
o Infinito como um Balão Estranho (1882) dá testemunho dessa experiência visionária.
Para sua pintura Silêncio (1911), Redon
representa Harpócrates, o deus do silêncio místico, com o dedo indicador pressionado
contra os lábios, tão familiar aos místicos Rosacruzes. Ele nos lembra que, em
última instância, o maior mistério não pode ser dito. Ele está além do intelecto
e de toda representação simbólica.
Os
Nabis
Após 1898, os Nabis (Nabis é
a palavra hebraica para “profetas”) se tornaram os proponentes principais do simbolismo
à medida que o Salão Rosacruz começou a entrar para a história. Os artistas de
vanguarda do Nabis eram Émile Bernard, Maurice Denis, Paul Serusier, Pierre Bonnard,
Eduard Vuillard e Paul Ranson. Era um grupo de artistas com diversos estilos e crenças
unidos por seu interesse em criar uma nova arte espiritualizada moderna. Eles se
reuniam vestindo trajes característicos em suas casas e estúdios para compartilhar
refeições e discutir arte, filosofia, religião e misticismo. Consideravam a quintessência
do ato criativo como espiritualmente elevatório para si mesmos e para todos que
observassem sua arte. As teorias e artes criadas pelos Nabis usando a geometria
sagrada e a abstração da realidade percebida de fato os tornava profetas da explosão
do modernismo no século XX. Entretanto, Robert Pincus-Witten destaca que: “Ecos do Salão ainda podiam ser ouvidos. Em 1899,
depois que a exposição dos Nabis Homenagem a Odilon Redon provou ser um sucesso no Durand-Ruel, Maurice
Denis escreveu a Gauguin no Tahiti pedindo a ele que participasse de uma exposição
de ‘Pintores Simbolistas, Pontilhistas e Rosacruzes’ a ser realizada no ano seguinte”.
Infelizmente, naquela época muitos artistas tinham seguido em frente com seus estilos
e associações com outros negociantes de arte em Paris. A exposição nunca aconteceu.
Os Nabis se reuniram ao redor de Gauguin como o maior representante de seus ideais.
O
Simbolismo de Gauguin
No corpo de trabalho que revela
o gênio de Paul Gauguin está sua grande obra-prima D’Ou Vennons-Nous? Qui Sommes-Nous? Ou allons-Nous? (1897), que retrata
com maior precisão sua compreensão mística da condição humana. Conhecida em português
como “De onde Viemos? Quem somos? Para onde
vamos?”, ele tirou essa inspiração da visão pura do povo nativo do Tahiti. Nessa
pintura, Gauguin queria que os observadores sentissem “primeiro emoção e depois
compreensão!” Ele representa o ciclo da encarnação desde o nascimento até a morte.
Todo o espectro da atividade, aspirações, prazeres e temores humanos estão representados
desde o bebê recém-nascido, à direita, até a aflição da velha que medita sobre o
passado, à esquerda. Uma estátua simbolizando a presença de Deus encara o observador
enquanto que uma figura andrógina – talvez simbolizando a alma – tenta alcançar
o fruto experimentado do conhecimento e da sabedoria. Ela faz a pergunta básica
sobre a origem e o propósito de todos os povos, culturas e de si mesma.
A vida de cada observador vai
informar sua profunda apreciação dessa pintura e dar significado a ela. Gauguin
evoca associações de significados em vez de simplesmente querer explicar ou ilustrar.
“Coloquei toda a minha energia nela mais uma
vez antes de morrer”, escreveu, “há uma
paixão tão dolorosa naquelas circunstâncias terríveis, uma visão tão nítida e precisa,
que não há qualquer traço de preciosismo, e a vida desabrocha a partir dela”;
Gauguin queria que seu trabalho fosse “comparável aos evangelhos”: Ele alcançou
o ideal dos Nabis – a total fusão de conteúdo e forma. Meditar sobre essa pintura
vai trazer um retorno multiplicado muitas vezes, pois, em seu trabalho, Gauguin
estava interpretando o grande mistério da vida.
O
legado do Salão Rosacruz
Voltando à vida de Josephin Péladan,
ele continuou a dar o melhor de si no sentido de convencer o público do valor de
uma arte simbólica misticamente orientada. Ainda usava seus trajes roxos e barba
e cabelos no estilo “assírio”: Essa escolha excêntrica de roupas, que ele fez de
acordo com a ciência da Kaloprosopie,
foi caricaturada por jornalistas. No entanto, no final do século XIX, muitos artistas,
especialmente os Nabis, adoravam usar roupas extravagantes para manifestar sua rejeição
à sociedade burguesa convencional. Até sua morte, em 1918, Péladan continuou sua
atividade esotérica e literária, que incluía 90 volumes constituídos por romances,
peças teatrais e estudos sobre arte ou esoterismo. A vida de Sâr Péladan foi uma
obra de arte. De fato, mais tarde no século XX, o misticismo de Péladan da “Ordem
Rosa-Cruz do Templo e do Graal” na Bélgica seria uma das conexões iniciáticas de
Émile Dantinne. Usando o nome místico de Sâr Hieronymous, Émile Dantinne desempenharia
um papel importante fortalecendo e unindo Rosacruzes como um dos três Imperators
da FUDOSI. Se você observar a arte moderna com cuidado, com olhos que veem, vai
perceber uma corrente mística que é o legado estético do Simbolismo e do Salão Rosacruz.
No século XXI, a tradição Rosacruz
de promover a música e as artes permanece através de apresentações e exposições
nos Centros Culturais da AMORC como, por exemplo, no Museu Egípcio Rosacruz em San
Jose e no Centro Cultural Rosacruz em Paris.
* Rick Cobban, há muitos anos, é membro da Loja
de Sidney, onde tem servido em várias funções, inclusive nas de Secretário e Tesoureiro.
Já serviu como Monitor Regional e Grande Conselheiro para NSW/ACT. Rick é professor
de Arte e tem uma apreciação bastante ampla de várias escolas artísticas, especialmente
do simbolismo na arte.
Referências: MACKINTOSH, Alastir. Symbolism and Art Nouveau ln Modern Art: Impressionism to Post-Modernism.
Britt, David (ed). London Thames and Hudson.1989; HOWE, Jeffrey W. The Symbolist Art of Fernand Khnopff. Ann
Arbor. UMI Research Press.1982; MCINTOSH, Christopher. The Rosicrucians: The History
and Mithology of an Occult Order. Wellingbourough Crucible.1987; PARSONS, Thomas
and Gale, Lain. Post-lmpressionism: The Rise
of Modem Art. London, Studio Editions. 1992, PINCUS-WITTEN, Robert. Occult Symbolism ln France: Josephin
Péladan and the Salon de la Rose-Croix. New York, Garland.1976; REBISSE, Christian.
Rosicrucian History and Mysteries. San
Jose, AMORC. 2005; WALTHER, lngo F. Gauguin
The Primitive Sophisticate. Koln. Taschen. 2006; WASSERMAN, James. Art and Symbols of the Occult. London. Tiger
Books lnternational PLC. 1993.
REFERÊNCIA:
COBBAN, Rick. Simbolismo, Esoterismo e o
Salão Rosacruz na arte francesa do final do século XIX. In O Rosacruz. Inverno 2011.
n. 277. Curitiba: AMORC-GLP, 2011. p. 44-51.
Josephin
Péladan
“Eu
tranco a porta para mim mesmo”, 1891, Fernand Khnopff
“A Ninfa”, 1897, Armand Point
Joris-Karl Huysmans
“O
Pobre Pescador”, 1881, Pierre Puvis de Chavannes
Silêncio, 1911, Odilon Redon
Paul
Gauguin
“De
onde viemos? Ouem somos? Para onde vamos?”, 1897, Paul Gauguin
“Retrato
de Josephin Péladan”, 1891, Alexandre Séon
Claude Debussy
Erik Satie
Maravilhoso.
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