Por João Florindo B. Segundo
O presente artigo visa analisar as impressões
vividas pelo indivíduo quando submetido a um ritual de iniciação. Busca
descobrir o que é realmente o despertar de uma nova consciência e o que é um
mero surto psicótico.
DEFINIÇÃO DE INICIAÇÃO
Antes de detalhar o fenômeno enantiodrômico é
imprescindível ao entendimento deste trabalho, discorrer sobre o que é
iniciação.
No livro “Nascimentos Místicos” (2004), eis o
que diz Mircea Eliade (1907-1986) sobre a iniciação:
Compreende-se geralmente por iniciação
um conjunto de ritos e de ensinamentos orais que persegue a modificação radical
do estatuto religioso e social do sujeito a iniciar. Filosoficamente falando, a
iniciação equivale a uma mutação ontológica do regime existencial. Ao fim de
suas provas, o neófito goza de outra existência que a anterior à iniciação:
tornou-se um outro.
E adiante, afirma ainda que:
A iniciação introduz o neófito na
comunidade humana e no mundo dos valores espirituais. Aprende comportamentos,
técnicas e instituições de adultos, como também mitos e tradições sagradas da
tribo, nomes dos deuses e a história de suas obras: aprende, sobretudo, as
relações místicas entre a tribo e os Seres sobrenaturais, assim como foram estabelecidos
na origem dos tempos.
Eliade entende que “De uma importância
capital nas sociedades tradicionais, a iniciação é praticamente inexistente na
sociedade ocidental de nossos dias.” e assevera ainda que:
A originalidade do homem moderno, sua
novidade em relação às sociedades tradicionais, é precisamente sua vontade de
se considerar um ser unicamente histórico, seu desejo de viver num Cosmos
radicalmente dessacralizado.
DEFINIÇÃO DE ENANTIODROMIA
Pois bem, no que concerne à iniciação real (autêntica,
verdadeira), quando ocorre, a experiência marca definitivamente por quem cruzou
o umbral, vez que ser iniciado é passar a uma oitava superior, todavia, sem a
perda da consciência.
Quando ocorre o desligamento da realidade, aí sim tem-se
a enantiodromia, uma profunda vivência
emocional, geralmente após um ritual específico, que muda a polaridade do
indivíduo subjetivamente. Há inclusive no seio do moderno movimento hermetista
um ramo conhecido por incoerismo,
uma atitude libertária e axiocrática que busca analisar o fenômeno.
O conceito de enantiodromia remonta a obras
de Heráclito (535 a.C. - 475 a.C.) e Platão (428/427 a.C. – 348/347 a.C.). Em “Fédon”,
Platão alega que “Tudo surge desse modo, opostos criando opostos.”
No século XX, finalmente, Carl Gustav Jung
(1875-1961) cunharia o termo, identificando o fenômeno como “o princípio que governa todos os ciclos
da vida natural, desde o menor até o maior”.
O homem que consegue se separar do inconsciente
consegue se libertar da enantiodromia. Caso não consiga, ficará sempre na
dependência de um mecanismo autorregulador, causando debilitação do controle do
ego.
Para exemplificar, no que tange à distinção
de gêneros, só se pode se entender o conceito de feminilidade caso consiga
identificar o masculino também como seu oposto. Assim, de acordo com Jung, quando
um indivíduo se identifica conscientemente como extremamente masculino, em seu
inconsciente se forma um conceito de extremamente feminino que se oporá ao seu
eu masculino. À guisa de exemplo também o conflito entre um eu consciente
extremamente bondoso e um eu inconsciente extremamente maligno, tão comum em
casos de neuroses agudas.
A amplitude de referências ao fenômeno indica que
Jung o entendia como uma realidade na vida coletiva, que tanto pode conduzir o
indivíduo a um invariável entusiasmo, como, ao contrário à ânsia pelo pior. Vez
que inevitável, o psicólogo entendia que a essência da consciência seria fruto
do seu enfrentamento.
POR QUE HÁ INICIADOS DESEQUILIBRADOS?
Eliade (2004) informa ainda que:
(...) é preciso igualmente ter em conta o caráter
metacultural da inciação: encontram-se os mesmos motivos iniciáticos nos sonhos
e na vida imaginária tanto do homem moderno quanto do primitivo. Para repetir, trata-se
de uma experiência existencial constitutiva da condição humana. Eis por que é
sempre possível reanimar esquemas arcaicos de iniciação nas sociedades
altamente evoluídas.
Em reportagem de revista de grande circulação
nacional, em 2009, Antônio Carlos Jorge, então presidente da Sociedade
Teosófica de São Paulo, adverte que: “Pessoas despreparadas para este
aprendizado mais profundo podem enlouquecer” (apud RABELO, 2009), vez que as
práticas não se destinam à mera satisfação de um desejo pessoal.
Já para o pesquisador Sérgio Pereira Couto, o interesse
pelas sociedades secretas não é fomentado por segredos milenares, mas pela possibilidade
de convívio social com algo exclusivo. “É um desejo de fazer parte de um
pequeno clube secreto e obter um conhecimento hermético, reservado a alguns
membros”, diz. “Os códigos de cumprimento e reconhecimento acessíveis a poucos
também exercem fascínio”, afirma na referida matéria.
Por sua vez a professora de antropologia da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Eliane Gouveia, alega
que além do desejo de reconhecimento pelas hierarquias internas das
organizações iniciáticas – o que nem sempre ocorre na vida real – os neófitos buscam
saberes que preencham sua necessidade de subjetividade, algo compreensível numa
era de individualismo e de crise de valores.
Então, onde e quando ocorre o problema (a enantiodromia)?
Quando há permanência prolongada do ego despreparado no self; aí o indivíduo precisa lidar com o mundo das formas. Logo, ao
tempo em que o verdadeiro iniciado evitará a vaidade, o enantiodrômico buscará
sempre mecanismos para alcançar fama e poder.
E para completar,
caso a polarização em um aspecto do psiquismo se prolongue demais e o ego se julgar mais forte que antes, o
indivíduo pode entrar em colapso de personalidade e crer que já alcançou o summum bonum, que já é um mestre
plenamente realizado. Em verdade, são comuns hoje em dia tais mestres, mas a
verdade reside nas
sábias e atemporais palavras de Louis-Claude de Saint-Martin (TOM, 2012):
Parece que eu podia aprender; e não,
ensinar. Que eu estava em condições de ser discípulo; e não, mestre. Mas,
excetuando-se o meu primeiro educador, Martinez de Pasqually e meu segundo
educador, Jacob Boehme, eu só encontrei na terra pessoas que queriam ser
mestres e que não estavam nem mesmo em condições de serem discípulos.
Fica claro então que a enantiodromia é fase
preparatória à iniciação real, mas muitos estudantes despreparados – seja pela
inépcia de seus mestres, seja pela perfídia de suas intenções – creem que a
superaram e a superestimam, num processo que pode levar à perda da consciência
(e não é de desmaio que aqui se fala).
OS ARQUÉTIPOS DE INDIVÍDUOS: PUER AETERNUS E SENEX
Em todas as escolas iniciáticas, sempre que um
postulante pede ingresso nos portais do templo, mister se faz analisar seu
caráter e intenções, pois como disse o Cristo “não jogueis pérolas aos porcos”,
sob o risco de um curioso cruzar o umbral para plantar a discórdia.
Uma vez ingressando, o indivíduo poderá ter
sucesso, fracassou ou sair da escola (o que é mais danoso ao psiquismo...). De
qualquer maneira, ele nunca mais será o mesmo. E é considerando a séria
possibilidade de danos à psique, que escolas autênticas ministram seu ensino de
maneira propedêutica, para a segurança de seu membro.
Como saber se o indivíduo estará preparado para o
que lhe será revelado?
A Psicologia Analítica apresenta dois conceitos arquetípicos
legados por Jung que se encaixam com perfeição aos tipos de indivíduos que
pedem ingresso nas escolas iniciáticas:
- Puer
Aeternus: o arquétipo do menino
- Senex:
o arquétipo do velho
Por Puer Aeternus (do latim, “Eterno
Jovem”) entenda-se o arquétipo pueril, a exemplo da criança, do pré-adolescente
e do adolescente. Quando referente às mulheres, diz-se Puella Aeternus.
A analista junguiana Marie-Louise von Franz desenvolveu
esse conceito em “Um estudo psicológico do esforço adulto e o paraíso da infância”
e em “O problema do puer aeternus”, arquétipo
que inclui personagens como Peter Pan. Já na vida real, o Irmão Amadeus Mozart
(1756-1791), por exemplo, apresentava o aspecto padrão do arquétipo da
juventude eterna.
Os estudiosos da área defendem que o arquétipo
pueril pode causar problemas psicológicos, manifestados pelo narcisismo, imaturidade
e incapacidade de uma percepção adequada da vida adulta.
Senex, por sua vez é o arquétipo antitético, o oposto
enantiodrômico do Puer, típico das pessoas de aspecto mais sério.
É dotado do caráter de Puer Aeternus ou de Senex
que alguém bate às portas de uma ordem iniciática (quem dera, que o fosse
sempre de uma autêntica). O Ideal seria o equilíbrio dos dois.
Cientes da dificuldade de encontrar um candidato plenamente
equilibrado (até porque, se assim o fosse, não precisaria estudar os mistérios),
algumas escolas, em seus graus iniciais, realizam uma profilaxia destes dois
aspectos do psiquismo.
Nesse contexto, todavia, vários rituais ditos de
iniciação a determinado grau são ritos de passagem entre os dois arquétipos, o
que não é uma propriamente uma iniciação, mas uma enantiodromia.
A iniciação na arte real ou na arte sacerdotal ocorrerá
no futuro, se o neófito resistir aos
impulsos dos opostos. Neste sentido, Hélio de Moraes e Marques (2012) afirma
que:
A pessoa que passa por um ritual em
que lhe é revelado simbolicamente um novo conhecimento e que é instruída sobre
como aplicar esse conhecimento benéfico em si e em torno de si, não será
iniciada enquanto não aplicar o que lhe foi revelado. Se não o faz, não é um
iniciado, a despeito do número de cerimônias de que tenha participado.
É preocupante ver um Velho que não se renova e não
sabe mais sorrir como um Menino.
REFERÊNCIAS:
1 - Posts de Augusto Nascimento no tópico Loucura e iniciação... a encruzilhada do caminho. Comunidade Membros da Ordem Rosacruz - AMORC, do Orkut. Disponível em <http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs?cmm=204772&tid=5532670437135067780&na=3&npn=4&nid=204772-5532670437135067780-5533906069739092876> Acesso em 02 fev. 2010.
2 - Dicionário
Crítico de Análise Junguiana. Enantiodromia.
Disponível em < http://www.rubedo.psc.br/dicjung/verbetes/enantio.htm>
Acesso em 03 mar. 2013.
3 - MCINTOSH,
Christopher. Os mistérios da Rosacruz.
Coleção Gnose, n. 20. São Paulo: IBRASA, 1987.
4 – RABELO,
Carina. Por dentro das sociedades secretas - como funcionam no Brasil os grupos
centenários que atuam de forma reservada nos campos político, social e
espiritual. ISTOÉ. n. 2073. 05 ago. 2009.
Editora Três.
5 – TOM/
AMORC-GLP. Pensamentos esparsos de Saint
Martin. In CD Práticas
Martinistas. 2012.
6 – ELIADE, Mircea. Nascimentos místicos:
ensaio sobre alguns tipos de iniciação. Lisboa: Ésquilo, 2004.
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