“Padre, lhe perguntei, que são estes grossos
volumes que ocupam todo este lado da biblioteca? – São os intérpretes da
Escritura. – Há um grande número deles, continuei; a Escritura devia ser bem
obscura outrora e bem clara hoje. Permanecem ainda algumas dúvidas? Pode haver
ainda pontos contestados? – Se os há, bom Deus! Se os há! Há tantos quantas são
as linhas, respondeu. – Sim? retorqui. E que fizeram todos esses autores? – Esses
autores, continuou ele, não procuraram na Escritura o que se deve crer, mas
aquilo que eles próprios acreditam; não a consideraram como um livro no qual
estavam contidos os dogmas que deviam acatar, mas como uma obra que poderia
conferir autoridade a suas próprias idéias; é por isso que corromperam todo o
sentido dela e deram outra leitura a todas as suas passagens. É um país onde os
homens de todas as seitas fazem incursões e vão à pilhagem; é um campo de
batalha onde as nações inimigas que se encontram se entregam decididamente a combates, nos quais se atacam, fazem escaramuças de todas as maneiras.”
De Paris, 23 da lua de Ramazan,
1719.
MONTESQUIEU. Cartas Persas. v. II. Tradução de Antônio Geraldo da Silva. Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal, n. 47. São Paulo: Editora Escala, 2006. p. 313.
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