Trecho de um dos livros da
coleção Mozart, de Christian Jacq, no qual o Barão Karl von Hund é visitado por
Thamos, “Conde de Tebas” e Superior Incógnito, personagem criado pelo autor. O objetivo
do visitante: preparar a franco-maçonaria para no futuro acolher o jovem Mozart.
Por
Christian Jacq
Kittlitz, dezembro de 1764
Com cinqüenta anos recém-completados,
o barão Charles de Hund, senhor por hereditariedade de Lipse, na Alta Lusácia,
via concretizar-se o seu sonho mais ardente. Em Kittlitz, a uns sessenta
quilômetros de Dresden, ele fundava a Loja-Mãe*, dando origem a um novo rito
que prometia um futuro excepcional.
A grande aventura tomara
forma em 24 de junho de 1751, quando o barão e alguns Irmãos se reuniram num
laboratório alquímico montado no fundo de uma gruta, perto de Naumburg.
Essa nova Ordem abrangia os
verdadeiros graus superiores e se fundamentava numa tradição esotérica. Nascida
no Egito, a iniciação havia sido transmitida aos primeiros cristãos pelos
essênios, depois compilada pelos clérigos do Santo Sepulcro instalados em
Jerusalém. Desejando restabelecer a antiga Ordem, eles criaram a Ordem dos
Templários, conferindo a iniciação suprema a alguns cavaleiros.
Confiantes demais em seu
poder temporal, os Templários não suspeitaram da avidez do rei da França,
Filipe, o Belo, nem da covardia do papa Clemente V. Antes de ser executado, o
Grão-Mestre Jacques de Molay entregou ao sobrinho, conde de Beaujeu, os
tesouros da Ordem, a coroa dos reis de Jerusalém, o candelabro de ouro com sete
braços, as relíquias, os anais e os rituais iniciáticos.
Conseguindo escapar dos
assassinos de Filipe, o Belo, Beaujeu uniu o seu sangue ao de nove cavaleiros
elevados ao grau de “Arquitetos Perfeitos” e ordenou que seguissem o caminho do
exílio para transmitir os segredos da Ordem. Eles se refugiaram na Escócia e
ali criaram Lojas nas quais só eram aceitos alguns raros iniciados,
cuidadosamente escolhidos. Esses cavaleiros praticavam ritos que abordavam os
mistérios do Templo de Jerusalém e os hieróglifos gravados nos santuários
antigos.
Charles de Hund queria
devolver a vida e o poder a essa tradição, criando um sistema de altos graus
que se estenderia a toda franco-maçonaria européia. Caberia à Alemanha
restaurar a Ordem do Templo e fazer com que fosse reconhecida pelas
autoridades.
O novo sistema maçônico
receberia o nome de Estrita Observância Templária, e a data simbólica do seu
nascimento ficou estabelecida em 11 de março de 1314, dia da morte de Jacques de
Molay. Evidentemente, foi preciso adquirir propriedades, abrir escolas e pagar
salários aos dirigentes para que cuidassem com entusiasmo da formação da Ordem.
Durante mais de quatro anos,
o barão havia consagrado seu tempo e fortuna na elaboração dos estatutos e dos
rituais, junto com Irmãos convictos. Mas a horrível Guerra dos Sete Anos,
desencadeada em 1756, havia posto um fim nessa primeira arrancada. Quase todos
os oficiais, os novos Templários, haviam partido para o campo de batalha. Com
as suas terras devastadas, ameaçado pelos prussianos, o barão de Hund havia se
refugiado na Boêmia.
Depois da proclamação da paz
em Hubertsburg, o barão recomeçou a trabalhar na obra e, em 1764, vários
franco-maçons queriam aderir à Estrita Observância Templária.
De Hund não transigia em
relação aos princípios e à disciplina. Qualquer Irmão que desejasse se “retificar”
em relação à maçonaria convencional deveria assinar um ato de submissão e
jurar obediência aos Superiores Desconhecidos, dos quais o barão admitia não fazer
parte**.
– Vossa Graça – avisou o
secretário –, o conde de Tebas, deseja vê-lo.
O barão desejava recrutar o
máximo de aristocratas ricos, pois a colaboração financeira seria indispensável
para a reconstrução da Ordem.
Corpulento, empertigado,
rosto oval e queixo grande, De Hund não era uma pessoa fácil e, em geral,
exercia imediata ascendência sobre as pessoas.
Thamos foi o primeiro nobre
a impressioná-lo. Sozinho, o visitante encheu a grande sala com a sua presença
e impôs uma atmosfera solene.
– O que deseja, senhor
conde?
– Subi os sete degraus do
átrio e vi as nove estrelas, os nove fundadores da Ordem do Templo. As três
portas da Loja são a continência, a pobreza e a obediência. Se nela
encontrarmos as ferramentas, como o esquadro, o compasso, o martelo e a colher
de pedreiro, é porque os cavaleiros precisaram exercer um ofício artesanal
para sobreviver.
Sem sombra de dúvida, o
conde de Tebas havia sido iniciado numa Loja que, aos rituais clássicos,
acrescentava noções específicas do Rito Templário! No entanto, o barão de Hund
não estava preparado para a declaração que ele fez em seguida:
– As etapas que acabei de
citar, no seu modo de ver, não passam de uma preparação para dois altos graus.
O primeiro é o de noviço, quando o iniciado bebe uma taça amarga para se
lembrar das desgraças da Ordem do Templo, cujas origens lhe são reveladas. O
segundo é essencial. Só ele dá acesso à Ordem Interna, quando o cavaleiro
recebe um nome latino.
O barão de Hund hesitou:
– Como... como sabe? Só as
pessoas que me são próximas trabalham na redação desse grau!
– Pense bem – recomendou Thamos.
– Você... você é um dos
Superiores Desconhecidos?
– Eu vim do Egito para
cumprir uma missão vital: permitir que o Grande Mago brilhe e ofereça a sua Luz
ao mundo. Todavia é preciso que ele possa contar com os apoios indispensáveis,
sob pena de pregar no deserto e de ser invadido pela desesperança.
– Eu sou... um desses
apoios?
– Seu projeto não consiste
em restaurar uma franco-maçonaria templária que dará um sentido a toda a
Europa?
– Não existe outra solução
para impedir que as sociedades se tornem escravas do materialismo – sentenciou
De Hund.
– Não corre o risco de
entrar em choque com as autoridades?
– Elas compreenderão a
necessidade da Ordem... Essa Ordem não fará oposição aos reis nem aos
príncipes. Ao contrário, vai ajudá-los a governar melhor.
– Precisará de tempo, de
paciência e da adesão de muitas Lojas.
– Nada vai me faltar. Nem
mesmo a Guerra dos Sete Anos me desencorajou. E, hoje, você está aqui! Isso não
é uma prova da legitimidade do meu procedimento?
– Tenha perseverança, barão.
A estrada promete ser longa e difícil.
– Nenhum obstáculo me
assusta. Esta é a sua primeira e última visita ou vamos nos rever?
– O destino decidirá.
O barão de Hund não ousou
perguntar o nome do Grande Mago. Poucos dos franco-maçons podiam vangloriar-se
de ter encontrado um dos nove Superiores Desconhecidos que venciam o tempo e as
provas da humanidade para dar, no momento oportuno, força e vigor à iniciação.
Esse aparecimento inesperado
provava ao fundador da Estrita Observância Templária que ele estava no caminho
certo.
* As Três Colunas.
** As oito províncias da Ordem reproduziam as
divisões administrativas dos Templários e cobriam todo o continente europeu,
mais a Rússia.
REFERÊNCIA:
JACQ,
Christian. Mozart. v. 1. O grande mago. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009.
p. 59-63.
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