Por Tobias Churton
O
barão Von Hund afirmava ter sido iniciado em uma linhagem única da Maçonaria,
estimulado por Charles Edward, pretendente Stuart ao trono britânico.
Certamente, era de interesse dos jacobitas fazer oposição à Maçonaria
anti-Stuart dominada pelos liberais hanoverianos da Grande Loja de Londres e
imaginar um ramo superior do oficio.
A
mitologia envolvida para estabelecer esse pretexto provinha de duas fontes
principais. A primeira, a crença do maçom jacobita Andrew Michael “Chevalier”
Ramsay, emitida pela primeira vez em 1736, de que a Maçonaria renascera na
Europa por ordens cavaleirescas durante o período das cruzadas e, depois, o
persistente mito das origens patriarcais antediluvianas da Maçonaria, aliado à
dinâmica “rosa-cruz” dos mistérios sagrados, trazidos do Oriente pelos
cavaleiros-peregrinos. Desse modo, pensava-se que a “Maçonaria” pura
desempenhava um papel na restauração da unidade primitiva da humanidade. Essa
ideia elevada tinha ressonância com a noção de reconciliação e restauração da
perfeição adâmica do homem, preconizada por Pasqually.
Em
sintonia com a natureza exaltada da missão maçônica “superior”, Von Hund criou
o Rito da “Estrita Observância”. A virtude da Estrita Observância era a de ser
a continuação de uma ordem secreta de Cavaleiros Templários, que, por alguma
razão, sobrevivera à supressão papal em 13 de abril de 1312.
É
provável que a Escócia tenha oferecido abrigo aos cavaleiros sobreviventes, e
seus segredos estavam agora astuciosamente guardados em Lojas Maçônicas e
alimentados pelas virtudes cavalheirescas dos aristocratas e monarcas
escoceses. Desse modo, a Grande Loja de Londres – e a Maçonaria exportada dali
à Alemanha e à França – não tinha os verdadeiros
segredos. Havia uma mistura intrigante entre a necessidade de segredos com
as fantasias sobreviventes da fraternidade oculta rosa-cruz, dando à Estrita
Observância e semelhantes ordens posteriores sua peculiar matriz de “Maçonaria
Cavalheiresca” com pitadas de devoção mística cristã “rose-croix” mais profunda
e gnóstica. Era uma bebida rica e inebriante, servida como antídoto aos rigores
bastante tediosos da chamada Era da Razão.
Como
sempre se observou, uma falsa ideia é um fato real. Para o crente, acreditar na
mentira pode não torná-la real. A crença em um vínculo com os antigos
Templários criou o fato dos novos Templários. Suas crenças tornaram-se uma
força motivadora de fato que não pode ser descartada, simplesmente por causa de
uma divergência de perspectiva histórica. Existem muitos que gostam de
considerar-se Templários maçônicos no conhecimento de que representam algo
como um ressurgimento em vez de uma continuidade de uma ordem desaparecida.
Como observou o historiador maçônico francês Pierre Mollier, o Neotemplarismo
atrai os homens que se sentem como estranhos em um mundo que se tornou profano
demais.
Em
1774, a Estrita Observância foi estabelecida na “província” neotemplária da “Borgonha”,
ou seja, em Estrasburgo, depois, em Lyon (“Auvergne”) e em Montpellier (“Septimania”).
Trabalhavam-se dois graus além dos três graus do ofício de Aprendiz Aceito,
Companheiro e Mestre Maçom. O primeiro era de Noviço, o segundo era de
Cavaleiro Templário, no qual era revelado o segredo de que a Maçonaria era, na
realidade, uma sobrevivência da Ordem do Templo, convocada a uma missão secreta
pela qual seus membros há muito sofreram.
Na
Alemanha, a Loja regular de Braunschweig, Zu
den drei Weltkugeln [ Aos Três Globos], adotou a Estrita Observância e,
posteriormente, tornar-se-ia um centro nervoso dos Gold und Rosenkreuzers. O duque Fernando de Braunschweig tornou-se “Magnus”
da ordem de Von Hund. É interessante ver que os descendentes das antigas famílias
solidárias ao movimento do século XVII tornaram-se patronos dos novos
movimentos templários, rosa-cruzes e maçônicos (o landgrave de Hesse-Kassel
também estava envolvido).
Em
1775, Braunschweig foi o local escolhido pela Ordem da Estrita Observância
para reunir 26 nobres alemães a fim de discutir seus negócios e seu futuro; de
Estrita Observância tinha bem pouco. Um ano após o congresso, os membros
dirigentes da ordem viajaram até Wiesbaden, a convite do barão Von Gugomos, que
se dizia emissário dos “Verdadeiros Superiores” da ordem. Seu quartel-general
era no Oriente, em Chipre (famoso na história como fortaleza dos Cavaleiros
Hospitalários de São João). Ele esperava tomar o controle da ordem e, depois
que as perguntas se aprofundaram, declarou que retornaria a Chipre para obter
valiosos textos secretos para demonstrar a “genuína” linhagem da ordem e seu
propósito elevado. Gugomos foi exposto; seus títulos e patentes eram
falsificados. Não foi a última vez na história que falsificações levariam a uma
quebra de confiança na ordem.
Após
os conventos maçônicos de Lyon (1778) e Wilhelmsbad (1782), a Ordem da Estrita
Observância morreu, mas suas ideias seriam substancialmente ressuscitadas
quase de imediato. A Estrita Observância transformou-se no Régime Écossais Rectifié de Willermoz: o Rito Escocês Retificado,
mais conhecido e reverenciado atualmente nos círculos maçônicos devotos pelo
acrônimo de C.B.C.S.: Chevaliers
Bienfaisants de la Cité Sainte, os Cavaleiros Benfeitores da Cidade Santa.
O
que Willermoz fez com a ideia da Ordem do Templo deve-se muito à força
transcendental da mente de Pasqually. O que fez mostrou ter um significado bem
mais abrangente com um impacto direto no mundo do Neorrosacrucianismo.
No
Rito Escocês Retificado de Willermoz, o que importa não é o cavaleiro templário
como tal, mas uma ordem
trans-histórica, cuja existência remonta, supostamente, ao início dos tempos. A
verdadeira “Ordem do Templo” denotava algo bem maior do que a ordem particular
da cavalaria sagrada dos séculos XII e XIII. A verdadeira ordem espiritual do
Templo do Universo poderia continuar, pois não dependia dos acidentes da
história ou de vastas propriedades pelo continente (ou da aprovação do papa ou
o que seja).
Desse
modo, qualquer coisa de natureza secreta e mística associada com os Templários
era simplesmente uma manifestação do contato entre membros dessa ordem (nem
todos precisavam saber isso) e que, depois, seria chamada “a Grande
Fraternidade Branca” (em que “branca” refere-se a “magia branca”,
suprarrealidades sagradas, santas, divinas, perfeitamente espirituais e
orientadas pela luz). Portanto, a afirmação em defesa das realidades da
história de que os Templários não tinham vínculos históricos com a “Grande Obra”
da redenção da humanidade podia ser rebatida com a acusação de que tal
conhecimento não era para todos nem tampouco discernível à inteligência de
todos: apenas aos que receberam o conhecimento revelado pela autêntica
iniciação. Esse discurso manifestamente oculto não se sustentaria no tribunal,
mas esses julgamentos seriam raros. Em certo sentido, estava dizendo, para usar
uma expressão vulgar à Era da Razão, “como ela poderia se safar”.
A
concepção de uma ordem trans-histórica pode ser descrita como o conceito
fundamental do Neorrosacrucianismo, e sua criação representava um
desenvolvimento simbólico na história dos Invisíveis. Não eram mais os
discípulos “rosa-cruzes” que eram invisíveis, mas seus mestres – o que não quer dizer que os próprios adeptos experientes
não poderiam, como a ocasião exigia, vestir o véu secreto da invisibilidade!
De
acordo com a teoria superior do Neorrosacrucianismo, toda iniciação “verdadeira”
provém da ordem transcendente. Portanto, qualquer
ordem iniciática aprovada podia ser declarada apenas uma manifestação terrestre
da ordem divina acima do espaço e do tempo. Assim que se admite essa concepção,
estabelece-se o fundamento lógico por meio do qual uma ordem pode afirmar estar
em “sucessão espiritual” com a Ordem Rosa-cruz, a Ordem do Templo, Jesus
Cristo, os essênios, João Batista, Pitágoras, os antigos egípcios, os cátaros,
os gnósticos, Apolônio de Tiana, Simão, o Mago, os maniqueístas – e por aí vai:
aí está a boa-fé alojada sobre um nível inacessível (racionalmente inegável).
Contra a corrosão da Era da Razão, uma dupla ou tripla demão de tinta.
Logicamente,
seria apenas uma questão de tempo começar-se a acreditar que os “Superiores
Incógnitos” habitassem no espaço exterior. Quanto mais esquisito se fosse,
mais esquisitos seriam seus Chefes Secretos. Contudo, embora algumas ordens se
divertissem com as fantasias de ficção científica, a maioria preferiu a
interpretação estritamente “espiritual”.
Ordens
aprovadas podem afirmar ter entrado em contato com habitantes angélicos da “Casa
Invisível”. O fato de a manifestação terrestre do sagrado Santuário ser
imperfeita não é importante ao argumento. Os Mestres conhecem bem as fraquezas
da humanidade, pois vieram para corrigi-las.
A
Casa “Invisível” tem, certamente, “Guardiões Invisíveis”, “Superiores
Incógnitos”, “Chefes Secretos”, cujo trabalho é de tamanha abrangência
multidimensional de complexidade extraordinária a ponto de, sinceramente, estar
além do entendimento da pobre humanidade ignorante. Nós, pobres almas não
regeneradas que somos, coitados que mal conseguimos ficar em pé em uma postura
que relembre o homo sapiens, só
podemos vislumbrar, ter flashes da
Grande Obra em andamento, a Grande Missão da alquimia cósmica da qual somos –
se tivermos sorte – meramente os instrumentos temporais, a serem descartados
após o uso, em bênção ou esquecimento, dependendo de nossa conformação, ou não,
aos ditames dos mestres.
Desse
modo, também é uma certeza lógica o fato de a seguinte passagem do
recém-descoberto Evangelho de Judas ser
empregada (se já não é) como exemplo da “Casa Invisível”, vislumbrada por
membros privilegiados do movimento gnóstico dos séculos II e III, e que os “ortodoxos”
não conseguiam, ou conseguem, ver:
Nenhuma pessoa de nascimento mortal é
merecedora de entrar na casa que viste, pois aquele lugar está reservado para o
sagrado. Nem o sol nem a lua lá regerão, nem o dia, mas o sagrado habitará para
sempre lá, no reino eterno com os anjos sagrados.
A
própria concepção apareceria (trans-historicamente?) na obra bastante influente
de Karl von Eckartshausen, Die Wolke über
dem Heiligthum [A Nuvem sobre o Santuário] (1802), sobre uma Igreja transcendente
de adeptos espirituais que guiam a evolução espiritual da humanidade. É a esse
organismo que Aleister Crowley buscou acesso definitivo quando se uniu à Ordem
Hermética da Golden Dawn*, em 1898, e é desse suposto organismo que muitos
hierofantes dos mistérios neorrosa-cruzes reivindicam sua autoridade, uma
suposta autoridade não de “meras patentes de papel”, mas do contato direto com
os anjos. Desse modo, o Anjo Mágico de John Dee sempre será de mais interesse a
essas pessoas do que os textos devocionais de Johann Valentin Andreae. Vale
notar, a esse respeito, que uma das mais recentes reimpressões da obra de
Eckartshausen foi feita pela Rozenkruis
Pers, editora da ordem rosa-cruz holandesa, o Lectorium Rosicrucianum.
A
teoria de Willermoz e Pasqually corrobora a maioria das ordens neorrosa-cruzes
e suas ramificações, e quase sempre o que derruba tais ordens é a descoberta de
serem falsas as supostas ligações com os Superiores Incógnitos. Assim, quando
Aleister Crowley, por exemplo, sugeriu as próprias propostas de fundar uma
ordem de magia branca, depois de 1900 (quando a Golden Dawn se fragmentou), ele
o fez não com base no fato de que o líder da Golden Dawn não tivesse contato algum
com os “Chefes Secretos” da ordem (isto é, que eles não existiam), mas sim que
o então líder da ordem, Samuel Mathers, “fracassara” nesses contatos e não
mais servia a seus propósitos. Com Mathers fora, Crowley achou que tinha
garantido o próprio contato com um “Chefe Secreto”, conforme o próprio relato,
em abril de 1904.
Com
a chegada da ordem trans-histórica (vinculada a várias outras linhagens
gnósticas, herméticas, bíblicas e cabalísticas), surgiu o Ser Adepto
trans-histórico, às vezes dignificado com o termo avatar, que parece um pouco mais impressionante e menos sentimental
do que “anjos”, aos ouvidos ocidentais.
Portanto,
não seria surpresa descobrir que o teosofista neorrosa-cruz e fundador da
Antroposofia, Rudolf Steiner** (1861-1925), acreditava não só que Christian Rosenkreuz
era uma pessoa real (embora um tanto peculiar), mas também que o nome “Christian
Rosenkreuz” era um criptônimo temporário para inúmeras encarnações assumidas
por um generoso guia espiritual trans-histórico. O ser que apareceu como “Christian
Rosenkreuz” manifestou-se posteriormente como conde de Saint-Germain (?-1784),
por exemplo. Seguidores sinceros de Steiner ainda poderiam apreciar encontros
espirituais com o exímio ser Christian Rosenkreuz, pois isso fora, tinha
certeza, concedido a ele.
*
N.E.: Sugerimos a leitura de O Essencial
da Golden Dawn – Introdução à Alta Magia, de Chic Cícero e Sandra Tabatha
Cícero, Madras Editora.
**
N.E.: Sugerimos também a leitura de Rudolf
Steiner, coletânea de Richard Seddon, editado por Wagner Veneziani Costa e
publicado pela Madras Editora.
REFERÊNCIA:
CHURTON, Tobias. A história da Rosacruz: os invisíveis. São
Paulo: Madras, 2009, pp. 367-372.
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