domingo, 28 de abril de 2019

BARÃO KARL GOTTHELF VON HUND (1722-1776)





Por Tobias Churton

O barão Von Hund afirmava ter sido iniciado em uma linhagem única da Maçonaria, estimulado por Charles Edward, pretendente Stuart ao trono britânico. Certamente, era de interesse dos jacobitas fazer opo­sição à Maçonaria anti-Stuart dominada pelos liberais hanoverianos da Grande Loja de Londres e imaginar um ramo superior do oficio.

A mitologia envolvida para estabelecer esse pretexto provinha de duas fontes principais. A primeira, a crença do maçom jacobita Andrew Michael “Chevalier” Ramsay, emitida pela primeira vez em 1736, de que a Maçonaria renascera na Europa por ordens cavalei­rescas durante o período das cruzadas e, depois, o persistente mito das origens patriarcais antediluvianas da Maçonaria, aliado à dinâmica “rosa-cruz” dos mistérios sagrados, trazidos do Oriente pelos cavaleiros-peregrinos. Desse modo, pensava-se que a “Maçonaria” pura desempenhava um papel na restauração da unidade primitiva da humanidade. Essa ideia elevada tinha ressonância com a noção de reconciliação e restauração da perfeição adâmica do homem, preconizada por Pasqually.

Em sintonia com a natureza exaltada da missão maçônica “superior”, Von Hund criou o Rito da “Estrita Observância”. A virtude da Estrita Observância era a de ser a continuação de uma ordem secreta de Cavaleiros Templários, que, por alguma razão, sobrevivera à supressão papal em 13 de abril de 1312.

É provável que a Escócia tenha oferecido abrigo aos cavaleiros sobreviventes, e seus segredos estavam agora astuciosamente guar­dados em Lojas Maçônicas e alimentados pelas virtudes cavalhei­rescas dos aristocratas e monarcas escoceses. Desse modo, a Grande Loja de Londres – e a Maçonaria exportada dali à Alemanha e à Fran­ça – não tinha os verdadeiros segredos. Havia uma mistura intrigante entre a necessidade de segredos com as fantasias sobreviventes da fra­ternidade oculta rosa-cruz, dando à Estrita Observância e semelhantes ordens posteriores sua peculiar matriz de “Maçonaria Cavalheiresca” com pitadas de devoção mística cristã “rose-croix” mais profunda e gnóstica. Era uma bebida rica e inebriante, servida como antídoto aos rigores bastante tediosos da chamada Era da Razão.

Como sempre se observou, uma falsa ideia é um fato real. Para o crente, acreditar na mentira pode não torná-la real. A crença em um vínculo com os antigos Templários criou o fato dos novos Tem­plários. Suas crenças tornaram-se uma força motivadora de fato que não pode ser descartada, simplesmente por causa de uma divergência de perspectiva histórica. Existem muitos que gostam de considerar­-se Templários maçônicos no conhecimento de que representam algo como um ressurgimento em vez de uma continuidade de uma ordem desaparecida. Como observou o historiador maçônico francês Pierre Mollier, o Neotemplarismo atrai os homens que se sentem como estranhos em um mundo que se tornou profano demais.

Em 1774, a Estrita Observância foi estabelecida na “província” neotemplária da “Borgonha”, ou seja, em Estrasburgo, depois, em Lyon (“Auvergne”) e em Montpellier (“Septimania”). Trabalhavam-­se dois graus além dos três graus do ofício de Aprendiz Aceito, Com­panheiro e Mestre Maçom. O primeiro era de Noviço, o segundo era de Cavaleiro Templário, no qual era revelado o segredo de que a Maçonaria era, na realidade, uma sobrevivência da Ordem do Templo, convocada a uma missão secreta pela qual seus membros há muito sofreram.

Na Alemanha, a Loja regular de Braunschweig, Zu den drei Weltkugeln [ Aos Três Globos], adotou a Estrita Observância e, poste­riormente, tornar-se-ia um centro nervoso dos Gold und Rosenkreuzers. O duque Fernando de Braunschweig tornou-se “Magnus” da ordem de Von Hund. É interessante ver que os descendentes das antigas famílias solidárias ao movimento do século XVII tornaram-se patro­nos dos novos movimentos templários, rosa-cruzes e maçônicos (o landgrave de Hesse-Kassel também estava envolvido).

Em 1775, Braunschweig foi o local escolhido pela Ordem da Es­trita Observância para reunir 26 nobres alemães a fim de discutir seus negócios e seu futuro; de Estrita Observância tinha bem pouco. Um ano após o congresso, os membros dirigentes da ordem viajaram até Wiesbaden, a convite do barão Von Gugomos, que se dizia emissário dos “Verdadeiros Superiores” da ordem. Seu quartel-general era no Oriente, em Chipre (famoso na história como fortaleza dos Cavaleiros Hospitalários de São João). Ele esperava tomar o controle da ordem e, depois que as perguntas se aprofundaram, declarou que retornaria a Chipre para obter valiosos textos secretos para demonstrar a “genuína” linhagem da ordem e seu propósito elevado. Gugomos foi exposto; seus títulos e patentes eram falsificados. Não foi a última vez na história que falsificações levariam a uma quebra de confiança na ordem.

Após os conventos maçônicos de Lyon (1778) e Wilhelmsbad (1782), a Ordem da Estrita Observância morreu, mas suas ideias se­riam substancialmente ressuscitadas quase de imediato. A Estrita Observância transformou-se no Régime Écossais Rectifié de Willermoz: o Rito Escocês Retificado, mais conhecido e reverenciado atual­mente nos círculos maçônicos devotos pelo acrônimo de C.B.C.S.: Chevaliers Bienfaisants de la Cité Sainte, os Cavaleiros Benfeitores da Cidade Santa.

O que Willermoz fez com a ideia da Ordem do Templo deve-se muito à força transcendental da mente de Pasqually. O que fez mostrou ter um significado bem mais abrangente com um impacto direto no mundo do Neorrosacrucianismo.

No Rito Escocês Retificado de Willermoz, o que importa não é o cavaleiro templário como tal, mas uma ordem trans-histórica, cuja existência remonta, supostamente, ao início dos tempos. A verdadeira “Ordem do Templo” denotava algo bem maior do que a ordem parti­cular da cavalaria sagrada dos séculos XII e XIII. A verdadeira ordem espiritual do Templo do Universo poderia continuar, pois não depen­dia dos acidentes da história ou de vastas propriedades pelo continen­te (ou da aprovação do papa ou o que seja).

Desse modo, qualquer coisa de natureza secreta e mística as­sociada com os Templários era simplesmente uma manifestação do contato entre membros dessa ordem (nem todos precisavam saber isso) e que, depois, seria chamada “a Grande Fraternidade Branca” (em que “branca” refere-se a “magia branca”, suprarrealidades sagra­das, santas, divinas, perfeitamente espirituais e orientadas pela luz). Portanto, a afirmação em defesa das realidades da história de que os Templários não tinham vínculos históricos com a “Grande Obra” da redenção da humanidade podia ser rebatida com a acusação de que tal conhecimento não era para todos nem tampouco discernível à inteligência de todos: apenas aos que receberam o conhecimento revelado pela autêntica iniciação. Esse discurso manifestamente oculto não se sustentaria no tribunal, mas esses julgamentos seriam raros. Em certo sentido, estava dizendo, para usar uma expressão vulgar à Era da Ra­zão, “como ela poderia se safar”.

A concepção de uma ordem trans-histórica pode ser descrita como o conceito fundamental do Neorrosacrucianismo, e sua cria­ção representava um desenvolvimento simbólico na história dos Invisíveis. Não eram mais os discípulos “rosa-cruzes” que eram in­visíveis, mas seus mestres – o que não quer dizer que os próprios adeptos experientes não poderiam, como a ocasião exigia, vestir o véu secreto da invisibilidade!

De acordo com a teoria superior do Neorrosacrucianismo, toda iniciação “verdadeira” provém da ordem transcendente. Portanto, qualquer ordem iniciática aprovada podia ser declarada apenas uma manifestação terrestre da ordem divina acima do espaço e do tempo. Assim que se admite essa concepção, estabelece-se o fundamento lógico por meio do qual uma ordem pode afirmar estar em “sucessão espiritual” com a Ordem Rosa-cruz, a Ordem do Templo, Jesus Cristo, os essênios, João Batista, Pitágoras, os antigos egípcios, os cátaros, os gnósticos, Apolônio de Tiana, Simão, o Mago, os maniqueístas – e por aí vai: aí está a boa-fé alojada sobre um nível inacessível (racionalmente inegável). Contra a corrosão da Era da Razão, uma dupla ou tripla demão de tinta.

Logicamente, seria apenas uma questão de tempo começar-se a acreditar que os “Superiores Incógnitos” habitassem no espaço exte­rior. Quanto mais esquisito se fosse, mais esquisitos seriam seus Chefes Secretos. Contudo, embora algumas ordens se divertissem com as fantasias de ficção científica, a maioria preferiu a interpretação estri­tamente “espiritual”.

Ordens aprovadas podem afirmar ter entrado em contato com habitantes angélicos da “Casa Invisível”. O fato de a manifestação terrestre do sagrado Santuário ser imperfeita não é importante ao ar­gumento. Os Mestres conhecem bem as fraquezas da humanidade, pois vieram para corrigi-las.

A Casa “Invisível” tem, certamente, “Guardiões Invisíveis”, “Superiores Incógnitos”, “Chefes Secretos”, cujo trabalho é de tama­nha abrangência multidimensional de complexidade extraordinária a ponto de, sinceramente, estar além do entendimento da pobre huma­nidade ignorante. Nós, pobres almas não regeneradas que somos, coitados que mal conseguimos ficar em pé em uma postura que relembre o homo sapiens, só podemos vislumbrar, ter flashes da Grande Obra em andamento, a Grande Missão da alquimia cósmica da qual somos – se tivermos sorte – meramente os instrumentos temporais, a serem descartados após o uso, em bênção ou esquecimento, dependendo de nossa conformação, ou não, aos ditames dos mestres.

Desse modo, também é uma certeza lógica o fato de a seguin­te passagem do recém-descoberto Evangelho de Judas ser emprega­da (se já não é) como exemplo da “Casa Invisível”, vislumbrada por membros privilegiados do movimento gnóstico dos séculos II e III, e que os “ortodoxos” não conseguiam, ou conseguem, ver:


Nenhuma pessoa de nascimento mortal é merecedora de entrar na casa que viste, pois aquele lugar está reservado para o sagrado. Nem o sol nem a lua lá regerão, nem o dia, mas o sagrado habitará para sempre lá, no reino eterno com os anjos sagrados.


A própria concepção apareceria (trans-historicamente?) na obra bastante influente de Karl von Eckartshausen, Die Wolke über dem Heiligthum [A Nuvem sobre o Santuário] (1802), sobre uma Igreja transcendente de adeptos espirituais que guiam a evolução espiritual da humanidade. É a esse organismo que Aleister Crowley buscou acesso definitivo quando se uniu à Ordem Hermética da Golden Dawn*, em 1898, e é desse suposto organismo que muitos hierofantes dos misté­rios neorrosa-cruzes reivindicam sua autoridade, uma suposta autori­dade não de “meras patentes de papel”, mas do contato direto com os anjos. Desse modo, o Anjo Mágico de John Dee sempre será de mais interesse a essas pessoas do que os textos devocionais de Johann Va­lentin Andreae. Vale notar, a esse respeito, que uma das mais recentes reimpressões da obra de Eckartshausen foi feita pela Rozenkruis Pers, editora da ordem rosa-cruz holandesa, o Lectorium Rosicrucianum.

A teoria de Willermoz e Pasqually corrobora a maioria das ordens neorrosa-cruzes e suas ramificações, e quase sempre o que derruba tais ordens é a descoberta de serem falsas as supostas ligações com os Superiores Incógnitos. Assim, quando Aleister Crowley, por exemplo, sugeriu as próprias propostas de fundar uma ordem de magia branca, depois de 1900 (quando a Golden Dawn se fragmentou), ele o fez não com base no fato de que o líder da Golden Dawn não tivesse contato al­gum com os “Chefes Secretos” da ordem (isto é, que eles não existiam), mas sim que o então líder da ordem, Samuel Mathers, “fracassara” nesses contatos e não mais servia a seus propósitos. Com Mathers fora, Crowley achou que tinha garantido o próprio contato com um “Chefe Secreto”, conforme o próprio relato, em abril de 1904.

Com a chegada da ordem trans-histórica (vinculada a várias ou­tras linhagens gnósticas, herméticas, bíblicas e cabalísticas), surgiu o Ser Adepto trans-histórico, às vezes dignificado com o termo avatar, que parece um pouco mais impressionante e menos sentimental do que “anjos”, aos ouvidos ocidentais.

Portanto, não seria surpresa descobrir que o teosofista neorrosa-cruz e fundador da Antroposofia, Rudolf Steiner** (1861-1925), acredita­va não só que Christian Rosenkreuz era uma pessoa real (embora um tanto peculiar), mas também que o nome “Christian Rosenkreuz” era um criptônimo temporário para inúmeras encarnações assumidas por um generoso guia espiritual trans-histórico. O ser que apareceu como “Christian Rosenkreuz” manifestou-se posteriormente como conde de Saint-Germain (?-1784), por exemplo. Seguidores sinceros de Steiner ainda poderiam apreciar encontros espirituais com o exímio ser Christian Rosenkreuz, pois isso fora, tinha certeza, concedido a ele.


* N.E.: Sugerimos a leitura de O Essencial da Golden Dawn – Introdução à Alta Magia, de Chic Cícero e Sandra Tabatha Cícero, Madras Editora.
** N.E.: Sugerimos também a leitura de Rudolf Steiner, coletânea de Richard Seddon, editado por Wagner Veneziani Costa e publicado pela Madras Editora.


REFERÊNCIA:
CHURTON, Tobias. A história da Rosacruz: os invisíveis. São Paulo: Madras, 2009, pp. 367-372.

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