Discurso
de Embaixador sensibiliza participantes do curso Mundo Islâmico
Por FAMBRAS ·
published 3 de dezembro de 2014 · updated 6 de abril de 2015
Na solenidade de abertura da
2ª edição do curso Mundo Islâmico – Sociedade | Cultura | Estado, realizado no
Instituto Rio Branco, em Brasília, o embaixador Gonçalo Mourão, diretor do
Instituto, uma das mais importantes escolas de diplomacia do mundo, saudou
os participantes com um discurso que queremos compartilhar com toda a
comunidade muçulmana.
Veja abaixo, o texto
completo das palavras do embaixador.
Senhor Subsecretário
Político, Embaixador Paulo Cordeiro, Dr. Mohamed El Zoghbi, Presidente da
FAMBRAS, Senhor Diretor do Departamento do Oriente Médio, Embaixador Carlos
Ceglia, Professor Hussein Ali Kalout, coordenador do Curso, Embaixadores,
Colegas, Senhoras e Senhores
Ao iniciarmos este segundo
Curso sobre o Mundo Islâmico, quero, em minha qualidade de Diretor do Instituto
Rio Branco, dizer algumas palavras a respeito de porque este Instituto, mais
uma vez, contribui para sua realização, apoiando esta iniciativa da Federação
das Associações Muçulmanas do Brasil e da Subsecretaria-Geral Política para o
Oriente Médio e a África, do Ministério das Relações Exteriores.
Há pouco mais de cinco
meses, o Papa Francisco reuniu no Vaticano o Presidente de Israel e o
Presidente da Palestina, para rezarem os três juntos pela paz. Pode
parecer extraordinário, à primeira vista, que ambos tenham aceito o convite, já
que estão engajados, quando não em ações de guerra, em conversações tensas de
uma pretensa paz. Se as armas e as negociações que se repetem não
levam à paz, por que haveriam de levar à paz algumas orações?
O Papa não possui mais
legiões, como disse no passado algum outro chefe de estado condutor da guerra;
e não tem mandato reconhecido por ninguém para intermediar conversações de
paz. O que tem, então, o Papa, que o fez promover aquele encontro
no Vaticano?
Creio que talvez tenha duas
coisas: uma delas, ele sabe que tem e da outra, acredito que tenha tido
uma intuição.
O que ele sabe que tem, é
algo que ele sabe que os dois Presidentes também têm e que é o que talvez os
tenha feito aceitarem o inusitado convite: e isso é Deus. O
Papa sabe que o Deus de Abraão é o Deus dos cristãos e é também o Deus dos
muçulmanos. O Deus é o mesmo; nós é que em nossas divisões não
somos os mesmos. Nós, cristãos, judeus e muçulmanos, é que saímos
de junto de Deus, cada um para o seu lado e não sabemos mais como voltar,
juntos, para Ele.
Esta foi a primeira grande
novidade daquele convite do Papa. Um convite religioso, sem dúvida,
mas que se quer, também, civilizacional. Se ao longo de toda a
história os nossos esforços de conciliação, esforços conduzidos por nós mesmos,
homens, foram vãos, é porque – e isto é o que nos diz o Papa – é
porque não procuramos com afinco a ajuda de Deus. Vamos rezar
juntos, ou seja, vamos nos voltar juntos para Deus – nos diz o Papa
– esse nosso único e mesmo Deus – e talvez Ele possa suprir esta
nossa milenar incapacidade de nos reconhecermos irmãos.
O Papa não pretendeu fazer
diplomacia entre Estados ou entre Governos mas, sim, uma espécie de diplomacia
de civilização.
E é talvez por isso que o
seu gesto inaudito traz, também, a sombra de uma novidade conceitual, para as
teorias das relações internacionais e para a consideração de todos os que se
ocupam daquelas teorias, sejam eles tementes a Deus ou não, sejam eles politeístas
ou ateus. E é a ideia, talvez ingênua mas por isso mesmo
provocativa e generosa, de um novo e diferente conceito de humanidade, expresso
através de um novo e mais amplo conceito de ocidente. O que temos
aqui é uma proposta para que consideremos um novo conceito de civilização
ocidental, que engloba a história das três religiões em seu seio. O que o
Papa parece querer dizer é que nossa civilização não é puramente a cristã, que
a civilização deles não é puramente a moura e que a dos outros não é tampouco
puramente a judia mas que vivemos, os três, no seio de uma mesma trajetória
histórica e humana e jungidos a um mesmo destino que reza ao mesmo
Deus. A um Deus que em todas as três religiões tem amor por todos
nós e que, se nós nos reconhecermos nesse mesmo Deus, teremos todos também amor
e respeito por todos nós, nos reconhecendo parte comum de uma mesma aventura
humana.
Temos, assim, lançada no
meio das teorias de relações internacionais, a provocação criativa destes dois
novos conceitos, a partir daquele convite, inusitado, para rezar junto com os
dois Presidentes: o conceito religioso do Deus comum que a todos ouça e o
conceito político de uma civilização ocidental comum a que pertencemos todos.
Mas se aquele desafio se
referiu, em um primeiro momento, ao diálogo entre as três religiões do mesmo
Deus e à proposta conceitual de um novo ocidente, a provocação vai mais além e
nos convoca a pensar aquele desafio como abrangendo a humanidade
inteira. Assim, se somos cristãos e batemos três vezes na madeira
para evitar o azar, é que ainda trazemos dentro de nós algo do animista que
talvez fomos um dia; se somos muçulmanos e buscamos uma forma de democracia, é
porque reconhecemos valores de civilização criados séculos atrás por
politeístas; se somos judeus e estudamos Platão, é porque reconhecemos
uma sabedoria humana externa à da Bíblia; se para nós São Jorge é também
Ogum, nós também somos os dois; se somos budistas e vamos admirar o
Nascimento de Vênus do Botticelli em Florença, é porque reconhecemos valores
humanos diferentes dos que fundamentaram nossa concepção de mundo; e,
talvez, se choramos nossos mortos, seja porque trazemos dentro de nós uma certa
desconfiança de que não exista Deus. Assim, se hoje somos cristãos,
podemos amanhã nos converter ao islamismo ou, se somos judeus, ao cristianismo,
ou podemos nos tornar ateus ou umbandistas e isso não mudará em nada nossa
natureza humana, continuaremos sendo iguais àqueles a quem éramos iguais antes.
Essa identidade comum, que
se sobrepõe às diferenças, é que é convocada para fazer parte das teorias de
relações internacionais, dentro de uma perspectiva positiva e
criadora. É verdade que os chamados encontros de civilizações
causaram guerras, destruições e desentendimentos. Mas não causaram
só isso e nem principalmente só isso; e cabe aos que acreditam no entendimento
entre os homens desenvolver as teorias de relações internacionais que expliquem
e valorizem os aspectos de inovação e engrandecimento, que aqueles encontros de
civilização sem dúvida promoveram e continuam a promover.
Desenvolver as teorias que nos mostrem que somos mais iguais que diferentes,
ou, até mesmo, que porque somos diferentes é que somos iguais.
Muitos dirão que o mundo em
seus detalhes é muito mais complexo do que isso. Outros dirão até
que o mundo não é nada disso, que isso tudo não passa de uma ingenuidade
irreal. Mas se o mundo foi o que nós fizemos dele, o mundo será,
também, o que pensarmos dele. E se, fazendo o que fizemos, até
hoje, não foi suficiente para encontrarmos um caminho de paz, talvez devamos
pensar de outra maneira sobre o mundo e assim, quiçá, oxalá faremos dele uma
outra coisa.
Em última análise, o convite
com que somos provocados é para pensarmos um outro mundo, é para pensarmos as
relações internacionais de outra maneira, partirmos do zero e formular novas
teorias de relações internacionais que privilegiem a paz como norma e como
vocação humana na história. Teorias que privilegiem o entendimento
e a diversidade entre os homens como um patrimônio comum a ser cultivado;
teorias que vejam os desentendimentos apenas como caminhos para o entendimento
e não como razão para antagonismos insuperáveis ou como um determinismo fatal
na longa e penosa história desta nossa frágil raça humana. Enfim, é
preciso formular teorias de relações internacionais que possam privilegiar a
razão de nossa existência não como uma busca constante e interminável do poder
sobre os outros mas como a busca da convivência em torno de um destino humano
comum.
Tudo isso, talvez, seja o
que explique o por que da realização deste segundo curso sobre o mundo islâmico
aqui, na Academia Diplomática brasileira, aqui, no Instituto Rio Branco.
Desejo, portanto, um bom
curso e passo a palavra ao Embaixador Paulo Cordeiro, para que nos diga algumas
coisas talvez um pouco mais sensatas.
Muito obrigado.
REFERÊNCIA:
FAMBRAS.
Discurso de Embaixador sensibiliza
participantes do curso Mundo Islâmico. Disponível em: <http://www.fambras.org.br/blog_port/?p=385>.
Acesso em: 21 dez. 2017.
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