JESUS
COM UMA ROMÃ. TRANSVERSALIDADES DE UM SÍMBOLO
Por
Paulo Mendes Pinto*
Quase no final do século XV,
Botticelli pintava esta linda cena. Na identificação, na legenda, que podemos
consultar nos Ufizzi, em Florença, é-nos dito que é a «Virgem da romã»;
contudo, é claro que Jesus também segura o referido fruto, como que o
recebendo.
A simbologia da romã é
imensa e o facto de aqui aparecer claramente associada a Jesus mereceria um sem
número de paralelos, ligações e análises.
Por um lado, é óbvia a
ligação deste fruto ao quadro solsticial em que a tradição colocou Jesus a
nascer; Não só este fruto é dos poucos que amadurece quando a natureza morre,
com este frio que leva a natureza como que a morrer, como a tradição nos leva a
comê-lo exactamente até aos Reis, colocando-o na centralidade dos rituais da
época.
Mas, por outro lado, a
ligação a esta natureza que parece desaparecer na exacta medida em que o Sol,
no seu momento mais alto, ao meio-dia, indicando o Sul, também faz o seu
caminho na linha mais baixa, com menos força, parecendo sucumbir a uma noite
cada vez maior, leva-nos para mitos antigos onde, obviamente, a figura de Jesus
se foi alimentar simbolicamente.
Este fruto é a melhor metáfora para, quer uma afirmação crística, quer uma justificação eclesial.
No segundo caso, o fruto é a
própria Igreja, "Una, Santa, Católica", indivisível na sua
multiplicidade, e universal. O fruto herdado da decoração do Templo de Salomão,
que é também recriado na simbologia do templo maçónico, é aqui a imagem do que
Jesus inaugura, seguindo uma estrita leitura da tradição católica.
No primeiro caso, a romã é,
naturalmente, todo o peso mental das mitologias de morte e ressurreição.
Primeiramente, esta imagem leva-nos para Perséfone e Deméter no mito em que a
primeira não consegue sair completamente livre do Mundo Inferior porque comeu,
nesse reino de Hades, um pedaço de uma romã. Por isso, eternamente ficaria ligada
a esse mundo da morte, vivendo apenas com a sua mãe durante o tempo de
frutificação e de pujança da natureza. Sendo neste quadro o fruto dado por
Maria, e recebido por Jesus, esta simbologia é ainda mais clara: é a mãe do
menino que abre caminho à afirmação salvífica, tal como com Ísis e Hórus, em
que o próprio significado do nome da deusa nos encaminha para o facto de ser
ela a dar a realeza (Veja-se o nosso texto: "IN
SEARCH OF THE LOST PHALLUS: ON THE NEED FOR ISIS TO MATE").
Ora, Jesus é exactamente
aquele que desce ao Inferno, usando a linguagem cristã, resgatando aqueles que
morreram. Neste sentido, o menino Jesus com a romã é um Alfa e um Ómega em
potencial. É o princípio através da criança acabada de nascer, e é o seu fim,
profeticamente marcado pelo fruto que tem na mão.
*Coordenador
da área de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona. Embaixador do
Parlamento Mundial das Religiões e fundador da European Academy of Religions. É
especializado em História das Religiões Antigas (mitologia e literaturas
comparadas), mas dedica parte dos seus trabalhos a questões relacionadas com a
relação entre o Estado e as religiões. Na área da Ciência das Religiões, é o
responsável por diversos projectos de investigação, especialmente na relação
entre as Religiões e a escola, assim como no desenvolvimento de uma cultura
sobre as religiões como componente de cidadania. É ainda investigador da
Cátedra de Estudos Sefarditas «Alberto Benveniste» da Universidade de Lisboa. É
Membro do Conselho Consultivo da Associação de Professores de História. É
director da Revista Lusófona de Ciência das Religiões. Recebeu a Medalha de
Ouro de Mérito Académico da Un. Lusófona em 2013.
REFERÊNCIA:
PINTO, Paulo Mendes. Jesus
com uma romã. Transversalidades de um símbolo. 26 dez. 2017. Disponível em:
< http://qeetempus.blogspot.com.br/2017/12/jesus-com-uma-roma-transversalidades-de.html>.
Acesso em: 29 dez. 2017.
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