Um autocarro, 30 imãs (um deles o português
David Munir), seis cidades numa semana, e uma mensagem: “Não em nosso nome”.
Por Maria
João Guimarães
14
de Julho de 2017, 8:46
Hassen
Chalghoumi em oração em Bruxelas com o ministro belda do Interior, Jan Jambon,
e o escritor judeu Marek Halte FRANÇOIS LENOIR/REUTERS
Um grupo de imãs europeus –
incluindo o português xeque David Munir – viajou por uma série de cidades
europeias com uma mensagem clara. “Não podemos associar o islão a estes
bárbaros e a estes assassinos” responsáveis por atentados terroristas, disse um
dos organizadores da iniciativa, Hassen Chalghoumi, no arranque da Marcha
dos Muçulmanos contra o Terrorismo, que começou em Paris, nos Campos Elísios,
há uma semana, e termina em Nice esta sexta-feira.
Os cerca de 30 imãs de
diferentes países europeus – França, Alemanha, Itália, Bélgica –, e ainda
outras três dezenas de pessoas de outras organizações, percorreram de autocarro
alguns locais em que houve atentados terroristas. Os líderes religiosos
muçulmanos querem com este périplo dizer: “Não em nosso nome”.
“É a primeira vez na Europa
que se faz uma iniciativa destas, é muito importante”, diz ao Público, por
telenone, o xeque David Munir, da Mesquita Central de Lisboa.
O imã português
sublinha que muita gente diz aos muçulmanos sobre os atentados: “Condenam, mas
não fazem nada”. Aqui está a sua resposta. “Uma coisa é haver marchas de
muçulmanos contra os atentados, outra é ter os líderes das mesquitas – tem
muito mais impacto”, defende. Se vai haver repetição ainda não sabe. “Vamos ver
como corre.”
Religião
refém
“Quando a nossa religião é
tomada pelo ISIS [Daesh] como refém, temos de reagir”, disse Hassen Chalghoumi
no sábado na berlinense Breitscheidplatz, onde ocorreu um atentado no mercado
de Natal no ano passado, sob protecção policial e perante um grupo formado
sobretudo por turistas, segundo o jornal alemão Tagesspiegel.
Depois de arrancar de Paris
para Berlim, os imãs estiveram em Bruxelas, atingida por vários atentados em
2016 e 2017, na cidade francesa de Saint-Etienne-du-Rouvray, onde no ano
passado um padre foi assassinado por elementos do Daesh, em Toulouse, onde foi
atacada uma escola judaica, e fecham a iniciativa em Nice, quando se assinala o
primeiro aniversário do ataque no Dia da Bastilha.
A marcha foi iniciada
por Chalghoumi e pelo escritor judeu Marek Halter. Chalghoumi, antigo imã da
cidade de Drancy, a Norte de Paris, é uma figura controversa em França pela sua
proximidade à comunidade judaica e pelas suas opiniões liberais. A sua oposição
ao véu integral (niqab), que cobre a cara só deixando uma faixa aberta para os
olhos, por exemplo, foi muito criticada. Há quem diga que ainda que a
comunidade tivesse espaço para um líder religioso liberal, Chalghoumi é tão
liberal que muitos não se identificam com ele.
A Marcha dos Muçulmanos não
contou com o apoio do Conselho Francês do Culto Muçulmano, segundo o jornal
francês Le Figaro. O Conselho denuncia “todas as ligações entre islão e
terrorismo” e afirma que “a religião não pode esconder qualquer tipo de
violência”, mas condena acções de “autoflagelação” da comunidade.
Os organizadores da marcha
desvalorizam as críticas e não querem entrar em polémica. David Munir explica
que todos partem da mesma premissa – “o islão é contra o terrorismo”. Mas
há quem não participe por temer represálias dos radicais – a participação numa
acção destas pode trazer consequências para alguns líderes religiosos. “Se for
a uma marcha, a minha mesquita pode ser alvo. Os muçulmanos também sofrem com
isto”, sublinha Munir.
Para o debate dentro da
comunidade, Munir deixou outra questão, que não se aplica aos muçulmanos em
Portugal, mas sim em França, Alemanha ou Bélgica. “Para alguns muçulmanos a
identidade está em crise”, diz. “Alguns muçulmanos em França e na Alemanha, têm
problemas em identificar-se como europeus. Dizem que são, por exemplo,
muçulmanos magrebinos – mas vivem na Europa”. A estes fiéis, o líder religioso
lembra que “ser europeu não quer dizer ser exactamente igual”. E que é
importante pertencer ao colectivo nacional.
Na marcha, em cada cidade
foram visitados locais de atentados – em Paris, foram ao supermercado judaico
“onde um maliano matou pessoas e outro maliano salvou-as escondendo-as num
frigorífico”, lembra Munir, e ao Bataclan. Em todos os locais, foi feita uma
oração ecuménica, com muçulmanos, cristãos e judeus lado a lado.
REFERÊNCIA:
GUIMARÃES,
Maria João. Marcha dos imãs contra o
terrorismo termina em Nice no aniversário do atentado. Disponível em: <https://www.publico.pt/2017/07/14/mundo/noticia/imas-terminam-hoje-em-nice-marcha-contra-o-terrorismo-1778943
>. Acesso em: 15 jul. 2017.
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