Por René Le Forestier
A sociedade secreta organizada por Pasqually instituiu em
proveito dos Êmulos um clero oculto e forneceu uma explicação definitiva do
segredo maçônico.
O tratado da Reintegração [dos Seres], por sua exegese
particular dos textos bíblicos, estabeleceu que o “verdadeiro culto divino”
tinha por finalidade e por justificativa produzir “frutos espirituais
provenientes de operações espirituais temporais”, ou seja, fazer aparecer “o
Espírito que o Sábio (o iniciado) sujeitaria por força de sua operação”. Esse
culto havia sido transmitido por uma tradição secreta, ignorada pelas tradições
públicas, e cujos confidentes tinham sido Abel, Set e seu filho Enos, Enoch, os
sete Menores Eleitos da posteridade de Noé, Jacó e Moisés entre os israelitas,
depois os Sábios anônimos dos quais Pasqually era o herdeiro. (Pasqually
incluiu, entre os Menores Eleitos, todas as personagens da Bíblia às quais
Jeová tinha se manifestado por sua Palavra, ou por intermédio de seus anjos. Os
fenômenos táteis, auditivos ou visuais que se produziam nas câmaras de Operação
eram uma forma diluída das manifestações divinas afiançadas pela Bíblia).
Os Êmulos que recebiam seu ensinamento, e praticavam o
culto divino segundo suas indicações, eram os verdadeiros sacerdotes. O nome de
Elus Cohens, dado à sua sociedade, já indicava sua dignidade. (Cohens é uma
adaptação da palavra hebraica Cohanim que designava a classe sacerdotal mais
elevada, constituída em Jerusalém para assegurar o serviço divino no Templo. Os
Cohanim, que tinham os levitas sob as suas ordens, passavam por descendentes de
Aarão em linha direta e por terem entrado, em seguida, na posse das verdades
secretas, reveladas pelo Eterno a Moisés e comunicadas oralmente por este ao seu
irmão).
Além disso, cada um deles, para usufruir das Operações,
deveria ter recebido uma “ordenação”. Essa consagração sacramental conferia-lhe
uma virtude mística especial que fazia dele um “Mestre Mui Poderoso”. Esse
caráter era considerado pelos Êmulos como indelével, fosse qual fosse a conduta
posterior e os atos daquele que o havia recebido. Quando um deles deixou a
sociedade, escreveu a um confrade que permanecera fiel à seita: “Estaremos
sempre ligados como Cohens e iniciados”.
[...]
A solidariedade que estabelecia entre os Cohens “regularmente
ordenados” como sacramento secreto manifestava-se particularmente no exercício
de suas funções sacerdotais. As Operações solenes deviam ser efetuadas
exatamente na mesma hora por todos os Cohens ordenados. As Câmaras de Operação
onde eles oficiavam podiam estar situadas a grande distância umas das outras,
por exemplo, em Lyon, Paris e Bordeaux, mas um sincronismo perfeito era absolutamente
necessário para que pudesse atuar aquilo que se chamaria, no sentido
etimológico do termo, a cooperação simpática que, através do espaço, levaria a
cada um dos oficiantes o auxílio espiritual de todos os seus confrades. Para
materializar seu concurso, um dos círculos continha, em cada Câmara de
Operação, velas em número igual ao dos Mui Poderosos Mestres, corporalmente
ausentes mas presentes em intenção.
Quando cumpriam seu ministério, os Elus Cohen vestiam uma
roupa especial: veste, calças e meias negras, sobre os quais eles colocavam uma
túnica branca com uma barra da cor do fogo na parte de baixo, com cerca de um
pé de altura; as mangas largas também tinham o mesmo barrado só que a altura
era de meio pé; a gola tinha um enfeite parecido, com a largura de três dedos.
Sobre a túnica eles usavam um cordão azul, e em volta do pescoço um cordão
negro, que ia do ombro direito até o quadril esquerdo, uma echarpe, verde-água
em diagonal no peito, e finalmente uma echarpe vermelha formando um cinto
abaixo do ventre. Quando entravam na Câmara de Operações, eles não podiam usar
qualquer objeto de metal, “nem mesmo um alfinete”, e usavam sapatos tipo “pantufa”,
para poder tirá-los rapidamente antes de colocar o pé dentro dos círculos.
Os Elus Cohens deviam observar uma “regra de vida”
especial: era-lhes interdito consumir sangue, gordura e os rins de qualquer
animal, e comer a carne de pombos domésticos. Não deviam se entregar aos
prazeres dos sentidos a não ser com grande moderação, e eram obrigados a
observar duas vezes por ano um longo período de jejum severo. Abstinham-se de
todo alimento durante as onze horas que precediam uma Operação.
[...]
Toda operação se iniciava no minuto exato: o Mui Poderoso
Mestre que desejava “tudo fazer dentro da regra” trazia para a Câmara de
Operação sementes de sobreiro (cortiça) para se proteger dos fluidos nocivos
que pudessem emanar do solo; as velas e o incensário deviam ser acesos com “fogo
novo”. A Ordenação começava com um “holocausto de expiação” [...] Além disso, a
astrologia desempenhava um papel preponderante nas Operações. O momento em que
estas deviam ser iniciadas era de primordial importância, porque, sendo
calculadas com exatidão, trazia ao oficiante o auxílio de um influxo astral
favorável. Caso contrário, porque “os círculos planetários eram habitados por
seres espirituais malignos, que se opõem aos poderes benignos e combatem a ação
dos bons influxos que os seres planetários bons são encarregados de espalhar
pelo mundo inteiro”, os trabalhos do Operador “não davam frutos”. Por isso toda
Operação só podia acontecer durante os quatorze dias após a lua nova, e a
grande Operação anual, para a qual colaboravam todos os Mui Poderosos Mestres e
que, em teoria, era a mais eficaz, era marcada para o equinócio da primavera,
no momento em que o Sol, reflexo do “fogo divino”, retoma o seu vigor. A do
outono, embora menos poderosa, contudo, era superior aos outros “Trabalhos de
três dias”.
[...] As “Obrigações espirituais” ou exercícios de
devoção prescritos aos Elus Cohens [...] eram os mesmos praticados pelos fiéis
da Igreja Católica. Os Êmulos recebiam a ordem de ler diariamente o ofício do
Espírito Santo no “Breviário do Cristão, na prática do servidor de Deus ou da
Igreja”; eles deviam recitar, antes de ir dormir, o Miserere Mei e o De Profondis;
durante as três noites de Operação o Mui, Poderoso Mestre iniciava seu trabalho
recitando os sete salmos e as litanias dos santos. Para tornar bem claro que o
ministério dos Elus Cohens era ao mesmo tempo teúrgico e cristão, Pasqually
tinha dado aos Êmulos admitidos ao grau supremo o título de “Réaux-Croix”, o
primeiro termo lembrando, ao que se pode crer, o nome místico de Adão antes de
sua queda, quando comandava os Espíritos; o segundo ( a cruz) sendo tirado do
emblema venerado pelos cristãos de todas os credos.
[...] Uma operação é, portanto, em última análise, menos
um ato de fé, adoração ou propiciação, que uma experiência no sentido
científico do termo. O Elu Cohen procede como um professor de química ou física
estabelecendo a existência de uma lei natural pelo resultado previsto, repetido
e constante, de uma manipulação feita em determinadas condições. Essa
demonstração tangível de um fato transcendente é duplamente preciosa aos olhos
do operador; não só ele aprende que pertence à classe dos Menores espirituais
e que acaba de receber a chancela da salvação, como ainda sua convicção se
apóia no testemunho irrecusável de seu próprio sistema nervoso, de seus ouvidos
ou de seus olhos.
[...]
Mas o Menor Espiritual não podia contar unicamente com a
devoção mais sincera, com os exercícios piedosos mais assíduos e com as preces
mais fervorosas, para obter essa promessa de salvação. Era-lhe necessário
meditar através de “penosos trabalhos do corpo e do espírito” ao proceder às “Operações”.
Por esse nome, Pasqually entendia um conjunto de atos ritualísticos, cujos
detalhes eram minuciosamente determinados, pois o Êmulo era advertido de que,
ao buscar colocar-se em sintonia com o mundo sobrenatural, se expunha aos
maiores perigos. Não só a aproximação dos Espíritos favoráveis podia ter
consequências terríveis para a forma corporal do Menor, incapaz de suportar o
contato do fogo divino, do qual os Espíritos emprestavam o brilho para se
tornarem visíveis, precisando tomar, a esse respeito, as maiores precauções,
como ainda os Espíritos perversos tentavam incessantemente “abater” o
postulante, paralisando seus membros, ou pelo menos enganá-lo assumindo um
''falso corpo de glória”, sendo indispensável que se precavesse contra seus ataques
insidiosos ou brutais. Por conseguinte, a Operação tinha por objetivo expulsar
os Espíritos malignos e evocar com toda a segurança os Espíritos
reconciliadores.
Contra os primeiros, o Operador se servia de um “escudo”,
talismã de forma triangular cujas pontas ele voltava incessantemente na direção
do Sul, habitat dos demônios; ele se cercava com um ou vários círculos traçados
a giz no chão, onde escrevia os nomes e “hieróglifos” de patriarcas, profetas e
apóstolos “unidos ao trabalho, para melhor conter os Malvados”; pronunciava “exconjuras”
para “amarrar”, deter e anular em seus abismos de trevas, Satã, Belzebú, Baram
e Leviatã, “possantes demônios das quatro regiões do universo”, e suas legiões
diabólicas. Ao mesmo tempo, buscava atrair os bons espíritos com fumigações
balsâmicas, numerosas luzes, testemunhos de respeito e invocações
propiciatórias; passava por sobre os círculos uma caçarola contendo carvões
ardentes sobre os quais tinha jogado incenso; iluminava os caracteres traçados
nos círculos com “estrelas” (velas de cera); em seguida, com os pés descalços e
prosternado, pronunciava apelos dirigidos aos Espíritos cujos nomes havia
escolhido no repertório do ritual, inscrevendo seus símbolos em toda a volta do
“círculo da presença divina”; finalmente, refugiado no “círculo de recolhimento”,
esperava a manifestação solicitada. As operações deviam ser repetidas por três
noites seguidas, em diferentes épocas do ano.
[...]
O resultado (das Operações) era denominado “passe”. A
palavra indicava que a manifestação, por natureza, era extremamente breve e
fugidia; portanto, era necessária a máxima atenção para não deixá-la escapar.
Os Passes que revelavam a presença momentânea do Espírito reconciliador na
Câmara de Operação podiam afetar os sentidos do Êmulo de diversas formas. Ele
sentia “arrepios por todo o corpo” ou ouvia sons fugazes. Em geral, “a
manifestação se operava pela visão”, por meio da percepção de luzes e faíscas.
Para permitir que fossem percebidas, o Operador apagava as velas no final da cerimônia
e encobria a chama da única tocha que permanecia acesa. As luzes que apareciam
podiam ser de diversas cores: branco e azul, branco-vermelho claro, de cor
mista ou toda branca, “cor de vela branca”. Mas, fosse qual fosse seu aspecto,
as luzes eram consideradas o reflexo da “forma gloriosa” de um Espírito que
havia respondido, com a autorização da Divindade, à invocação de um Menor
Espiritual A forma que elas assumiam, ao “repetirem” um dos hieróglifos
traçados dentro dos círculos, permitia identificar o Espírito conciliador e
saber que lugar ocupava na hierarquia celeste; o favor concedido ao Êmulo, era
tanto precioso quanto mais elevado fosse esse lugar.
REFERÊNCIA:
LE FORESTIER, René. La Franc-maçonnerie occultiste au xviiie siècle: & l’ordre des Élus Coens. Paris: Arché Milano, 2010.
LE FORESTIER, René. La Franc-maçonnerie occultiste au xviiie siècle: & l’ordre des Élus Coens. Paris: Arché Milano, 2010.
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