Por Jean-Philippe Deterville, FRC.**
Por definição, a Iluminação é a tomada
de consciência e a expressão da nossa natureza crísitca, do Mestre Interior, da
Divindade encarnada em cada um de nós. Esse deus interior é o Sol, a estrela
para a qual se encaminha sem descanso o iniciado, em busca da luz maior. Para o
alquimista rosacruz do século XVII, a Pedra Filosofal não representava
tão-somente o meio de transmutar os metais em ouro, o elixir da longevidade,
mas simbolizava também o acesso à Sabedoria Universal, a realização do Cristo
Interior, a descoberta do Eu. Encontrar a Pedra Filosofal é então conhecer a
Iluminação e reencontrar o estado de Rosacruz.
Mas, como alcançar um objetivo tão
elevado? O que é que pode contribuir eficazmente para a nossa busca da verdade?
Será que a iluminação depende de nós?
Até hoje, quatro manifestos rosacruzes
expressaram o ponto de vista da Ordem sobre o estado da humanidade e a
necessidade de uma Reforma baseada na regeneração individual e coletiva do
gênero humano. Desde sua origem, a doutrina dos rosacruzes se apresenta então
como uma verdadeira ciência da Regneração. Não obstante, se o Iluminado é um
homem regenerado, um renatus, isto é, aquele que renasceu, qual é o
papel desempenhado pela Tradição Rosacruz e a Fraternidade Rosacruz nesse
processo iniciático?
Em primeiro lugar, devemos notar que a
maior parte, se não a totalidade dos Mestres iluminados, pode ser associada a
uma vida espiritual ou a uma tradição mística particular. De fato, cada ser
humano, qualquer que seja o nível que tenha alcançado no transcorrer das
encarnações anteriores, deve receber uma educação apropriada para manifestar e
ultrapassar o nível antes atingido. Assim, a Tradição esotérica que nos
manifesta a AMORC contém todos os elementos necessários ao nosso crescimento
interior. Em outras palavras, ela nos proporciona o alimento espiritual
indispensável à assimilação e à integração das grandes verdades eternas. Neste
sentido, a função de toda escola de sabedoria autêntica é contribuir para o
despertar e o desabrochar do nosso potencial interior, a fim de que a lagarta
possa um dia ceder lugar à borboleta, o bruto ao homem regenerado.
Se, segundo a Confessio
Fraternitatis, os rosacruzes possuem a ciência da regeneração, isto se deve
a que o rosacrucianismo é ao mesmo tempo uma ciência, uma arte e uma síntese
viva e atuante do Conhecimento esotérico, Humanista e espiritualista por
excelência, ele encarna a filosofia prática, a ciência da vida, a teosofia que
leva progressivamente o Homem de Desejo à Sabedoria Universal.
A luz da Rosa-Cruz, assim como a força
e o valor da nossa fraternidade, reside em seu ensinamento secular, mas também
na eficácia de sua técnica iniciática e no poder de sua egrégora. Dessa
egrégora que é vivificada pelo trabalho da Hierarquia e cuja essência procede
da cooperação consciente dos rosacruzes com o Plano Divino. Deste ponto de
vista, nunca estamos sós, e cada rosacruz, na medida em que seja honesto e
sincero em sua busca da verdade, pode se beneficiar permanentemente do influxo
espiritual que emana da Alma coletiva dos rosacruzes. Segundo a concepção da
Tradição Primordial, a Sabedoria se manifestou à humanidade através de uma
sucessão de Mestres espirituais e instrutores que se empenharam em ser os
agentes da Inteligência Universal. Segundo o exemplo de nossos Mestres do
Passado, que consiste em só considerarmos o Verdadeiro, o Belo e o Bem em todas
as coisas e em todo ser, podemos nos beneficiar de sua luz e de sua sabedoria.
Assim era que a Imitação do Cristo representava, para os
rosacruzes do século XVII, um princípio fundamental para a reforma coletiva do
gênero humano.
Dado que nossa futura Iluminação
depende de nossa aptidão para nos harmonizarmos com a Sabedoria Primordial
manifesta pela Tradição Rosacruz, é importante comungarmos como o Sanctum
Celestial, principalmente mediante uma meditação diária, contatos com o Sanctum
Celestial e o Auxílio Espiritual. Com efeito, o Sanctum Celestial, que
representa o mais alto grau de consciência que nos é acessível aqui e agora,
permite-nos vivificar e atualizar a soma de sabedoria e conhecimento veiculada
pela nossa Ordem, a preciosa herança que cada Iniciado Rosacruz se empenha em
enriquecer com seu trabalho e suas experiências espirituais.
Evidentemente, não se poderia
considerar a Iluminação sem integrá-la numa visão espiritualista que implica na
crença, depois a fé, na existência de uma Causa inicial, transcendente e
imanente, que não é senão o Deus de nosso Coração e da nossa Compreensão. Isto
está claramente expresso no Fama Fraternitatis, onde se diz, à
guisa de conclusão: “À sombra de tuas asas, Jeová”. Esta invocação do primeiro
manifesto rosacruz não é ambígua e nos convida a colaborar com o Plano Divino,
a fim de nos tornarmos agentes a serviço do Bem universal. Por conseguinte, uma
das qualidades indispensáveis a cultivarmos na senda da Iniciação é a fé
mística em relação Àquele que todo místico venera ao mesmo tempo em seu coração
e na esfera universal. Essa fé mística se expressa muito especialmente na
confiança e na escuta que dedicamos ao Mestre Interior que é o nosso verdadeiro
Iniciador na via cardíaca.
Vejamos agora qual é a nossa parte de
responsabilidade individual no processo de regeneração e iluminação.
Seguramente, a evolução de todo místico
sincero resulta de seu engajamento e de seu trabalho pessoal. Os seja, o estudo
e a aplicação dos ensinamentos é que determinam o progresso na senda do
Conhecimento. A propósito disto, a Tradição e a Ontologia Rosacruz nos ensinam
que o ser humano é o artífice do seu devir, e que nem Deus nem um Mestre
Invisível farão oposição ao livre-arbítrio. Segundo esta linha de pensamento,
Deus criou leis universais que regem a Criação em seu todo. Dentre as leis
espirituais que cumprem um papel fundamental na evolução humana, a lei de
compensação e o livre-arbítrio estão plenamente justificados. Por outro lado,
o Fama Fraternitatis informa que os rosacruzes estudam o Liber
M, ou seja, o Liber Mundi, o Livro do Homem, da Natureza e do Universo. Ainda
no Fama, está inscrito na tumba de CRC: “A.C.R.-C. Em vida, eu me dei para túmulo
este resumo do Universo”. Em outras palavras, o corpo do ser humano é uma
síntese das leis universais. Tudo isso não tem nada de espantoso, visto que o
microcosmo é a imagem do macrocosmo, segundo o adágio hermético: “O que existe
no alto é como o que existe em baixo, e inversamente”. Como o misticismo é o
estudo das relações entre o Ser Humano, a Natureza e Deus, é pela harmonização
com as leis universais que o Iniciado aprende a se conhecer, mas também a
canalizar as forças positivas e construtivas do Cósmico, aproximando-se do Deus
do seu coração.
O rosacruz é por natureza um buscador
da verdade que segue um caminho de conhecimento e experiência. Tudo o que pode
ajudá-lo a desabrochar e a despertar sua verdadeira natureza é apresentado a
ele sob a forma de princípios místicos cuja veracidade deve sempre ser testada
e validada pela experimentação. Todos sabemos que o ponto de interrogação vivo
que somos tem o dever de transformar o saber em conhecimento, no cadinho da
experiência alimentada pelo fogo da paciência e da perseverança. Com certeza a
paciência é uma das chaves da iluminação, pois, como é claramente estabelecido
neste trecho do tratado alquímico intitulado A Turba dos Filósofos:
“Não podeis alcançar vossa meta sem iluminação e sem terdes a coragem de
esperar, pois, quem não tiver paciência, não entrará na Arte”. De fato, é
graças à paciência a toda prova que o Iniciado pode assimilar progressivamente
o sentido das experiências da vida. Nisso ele se esforça constantemente para
estar à escuta do Real e para aprender a lição ensinada por cada prova, sem
jamais perder de vista que um místico tem por objetivo o reformar-se e se
aprimorar incessantemente. Essa vontade de se aperfeiçoar o leva a rejeitar
tanto a culpabilidade como a complacência, no que concerne às suas imperfeições
do momento. É assim que todo buscador da verdade dá todo valor ao velho adágio,
“ajuda-te, e o céu te ajudará”, e se esforça para manifestar a força da
vontade e a doçura do amor.
Para receber e expressar plenamente a
luz, o iniciado deve seguir um processo de purificação e preparação que leve à
progressiva regeneração do seu ser tríplice, a saber, seu veículo físico, seu
corpo psíquico e sua alma. Com efeito, assim como a Paz Profunda associa a Paz
do corpo à do coração e da alma, a luz maior precisa, para se manifestar, de um
canal purificado e preparado.
Dado que a regeneração é o alfa e o
ômega da iluminação, examinemos brevemente como podemos trabalhar em favor da
nossa regeneração física, emocional e espiritual.
A regeneração física decorre da
aplicação dos princípios de sabedoria relacionados com uma boa higiene de vida.
Uma virtude preciosa ajuda o rosacruz nesse empenho, qual seja, a temperança.
Esta de fato o incita a viver em conformidade com o caminho do meio razoável,
usando de moderação e discernimento em suas atividades físicas. Isto é tão
verdadeiro no campo da alimentação, do exercício físico, como em tudo que
concerne aos apetites físicos. No plano alimentar, nossa Ordem deixa que seus
membros se alimentem como acharem melhor. É não obstante verdadeiro que, com o
passar do tempo, tomamos cada vez mais consciência da necessidade de comer de
maneira sadia e equilibrada, a fim de atender às autênticas necessidades do
corpo. Não vou insistir nos malefícios dos estimulantes e dos abusos de toda
espécie. É evidente, também que todo místico equilibrado conhece a importância
dos períodos de repouso e descontração. Enfim, praticar regularmente uma
atividade física razoável, mesmo a simples caminhada, contribui para um bom
estado de saúde geral.
No âmbito rosacruz, há muitos
princípios que atuam de maneira notável sobre o nosso veículo físico, que, não
esqueçamos, é o veículo e o templo da personalidade-alma. Assim, uma das
técnicas fundamentais propostas por nossa Ordem é a da respiração profunda, que
acarreta uma boa circulação da força vital. Além disso, ela permite atuar sobre
as emoções e é então muito útil, tanto para dominar o estresse como para
aprender a meditar.
O processo regenerador inclui também o
aspecto psíquico e emocional. É aqui que a alquimia espiritual dos rosacruzes
manifesta todo o seu potencial. Todos sabemos que a matéria-prima com a qual
trabalha o alquimista rosacruz é o pensamento. Aperfeiçoando sem cessar a
qualidade de suas emoções e de seus sentimentos, o iniciado da nossa Ordem
desperta suas faculdades latentes e regenera seu corpo psíquico.
Definida de maneira simples, à luz dos
nossos ensinamentos, a alquimia espiritual é a arte de transmutarmos nossos
defeitos em sua qualidade oposta, vale dizer, em virtudes nobres e elevadas. Em
outras palavras, para eliminarmos o medo, basta desenvolvermos a coragem; para
dissiparmos o ódio, precisamos nutrir pensamentos de amor, assim como, para
eliminarmos as trevas da ignorância, basta manifestarmos a luz do conhecimento.
É inútil pensar que podemos ter acesso a um alto grau de desenvolvimento
psíquico e espiritual sem pormos em prática as virtudes essências, como o amor,
a generosidade, a coragem, a paciência, a sinceridade, a simplicidade, o
desapego e o bom humor. Ou seja, a prática das virtudes participa diretamente
na busca espiritual e constitui um elemento essencial da busca do conhece-te
a ti mesmo. Por exemplo, o nutrirmos ódio por um só ser fecha-nos
irremediavelmente o acesso aos planos elevados da Consciência Cósmica. É então
primordial cuidarmos regularmente de purificar nossa mente de todas as escórias
e todos os pensamentos negativos que a podem obscurecer. Desse modo, o espelho
da nossa consciência poderá refletir a Perfeita Luz.
Após termos considerado a regeneração
física e emocional, consideremos agora a regeneração espiritual. Esta assenta
no modo como vivemos a espiritualidade e o misticismo. Muito frequentemente, o
profano ou o neófito ignora a importância da ética em todo caminho espiritual.
No entanto, sem uma verdadeira ciência do comportamento, é vão aspirar à
espiritualidade e ter pretensão à Iluminação. Por conseguinte, nunca devemos
esquecer que a espiritualidade é um estado de ser e que a ética e, portanto,
nosso comportamento no cotidiano, cumprem um papel fundamental no processo da
Iluminação. Além disso, a filosofia mística tem por objetivo permitir uma
verdadeira conscientização e individuação, que faz do adepto um ser livre e
responsável. Daí emergem duas qualidades preciosas, a saber, a simplicidade e a
sinceridade. Com efeito, sem elas, é impossível alcançar as esferas mais
elevadas que estão em ressonância com os Mestres Invisíveis. Além disso, a
regeneração espiritual se apoia em duas técnicas essenciais que nos foram legadas
pela Tradição. Trata-se da prece e da meditação, e
não deveria se passar um só dia sem que um rosacruz recorresse a elas para o seu
bem e para o bem de outrem.
Trata-se, na realidade, das técnicas de
harmonização com o Cósmico e a Inteligência Universal. Um terceiro princípio
pode ser acrescentado a essas duas técnicas, pilares da espiritualidade, qual
seja, a visualização. Esta, associada à arte da criação mental,
utiliza, ordena e canaliza o pensamento positivo, desencadeando-o graças ao
poder da emoção.
Como nos lembra o Pequeno Príncipe, de
Saint-Éxupéry, “só se vê bem com o coração; o essencial é invisível para os
olhos”. O que dá força à nossa tradição é que ela nos convida a um trabalho
permanente de transmutação e regeneração, que leva a uma verdadeira
metamorfose. À semelhança do girassol, o rosacruz deve aprender a orientar seus
pensamentos para o sol espiritual, a luz de sua alma, a fim de fazer com que
suas palavras e suas ações sejam o reflexo vivo do seu ideal. Confiança na
Tradição Primordial, sinceridade e paciência no Trabalho, aliança do Amor e da
Vontade a serviço do Mestre Interior, tais são as condições para progredir na
Senda da Luz e do Conhecimento.
A exemplo dos iniciados das escolas de mistérios do Antigo Egito, a norma que
rege nossa existência deve ser a de Maat, a justiça, a verdade, a lei universal,
a ordem e a harmonia cósmica. A verdade a que aspiramos é a resposta para a
questão fundamental que se coloca a todo místico: “quem sou?”.
Indubitavelmente, a lei suprema dos
rosacruzes é a lei do amor, pois, é ela que aclara nosso caminho e reforça
nosso desejo, bem como nosso poder da vontade. É claro que, por amor, entendo a
energia, o princípio inicial e universal que se manifesta do microcosmo ao
macrocosmo. “Ama teu próximo como a ti mesmo”, ensinou-nos o Grande Instrutor.
Aprendermos a amar a nós mesmos é aprendermos a amar o nosso Eu Divino,
compreender que devemos nos tornar amigos do nosso Mestre Interior e, por isso
mesmo, associados aos Mestres da Grande Fraternidade Branca.
Não há dúvida de que a Cruz Rosacruz é
o emblema do nosso Ideal e do estado interior de plenitude que ela prefigura,
ou seja, a Realização do Eu. Neste sentido, cada rosacruz se esforça, por sua
ética e seu trabalho, para se aproximar um pouco, todos os dias, do cume da
montanha da Iluminação. Os princípios rosacruzes constituem um precioso auxílio
para todo buscador da verdade, e é na aplicação desses preceitos de sabedoria
que reside o segredo da Paz Profunda. Além disso, o terceiro manifesto rosacruz,
“O Casamento Alquímico de Christian Rosenkreuz”, lembra-nos que “a suprema
ciência consiste em nada saber”. “Tudo o que eu sei é que não sei”, já dizia
Sócrates. Por conseguinte, o iniciado deve aprender com a Lei Cósmica a se
harmonizar com sua natureza divina, a tornar-se o verdadeiro discípulo do
Mestre Interior, para “que assim seja” e que “Sua Vontade seja feita”.
A Luz Maior não deve ser procurada em
outro lugar que não o Santuário Interior, lá onde arde sobre o altar do nosso
coração a chama sagrada e divina, expressão da quintessência do Mestre
Interior. O Mestre Interior que é Luz, Vida e Amor, mas também Existência, Consciência
e Beatitude, Sabedoria, Força e Beleza. Esse Mestre Interior que o discípulo
reconheceu e aceitou tem como único lema “amar e servir”. Não é então por acaso
que a hierarquia da nossa Ordem se afirma como uma hierarquia de serviço. Com
efeito, servir é o dever sagrado de todo militante do Espírito. Se os
rosacruzes são conhecidos como os “cavaleiros da Harmonia”, é porque a busca
iluminadora assenta sobre uma harmonização com os aspectos mais elevados do ser
interior. Assim deve o homem exterior se aproximar progressivamente do Mestre
Interior, a fim de ter a experiência da Luz Maior. Só a aliança de um coração
amoroso e uma firme resolução na busca da Sabedoria pode transformar o
discípulo em um adepto. Então, o áureo alvorecer sobrevém e, com ele, a
Iluminação regeneradora, a experiência da Consciência Cósmica, a fusão com o
Todo, que não é outra coisa que o casamento alquímico, o advento da Consciência
Crística e o desabrochar da Rosa na Cruz.
* Resumo da mensagem apresentada na Convocação Ritualística da XIX
Convenção Nacional Rosacruz, em Curitiba, PR, 2002.
** Grande Mestre da Jurisdição de Língua Italiana da AMORC.
REFERÊNCIA:
DETERVILLE, Jean-Philippe. Iluminação e Regeneração. O Rosacruz, n. 242, 4º trimestre de 2002. Curitiba: AMORC, 2002. p. 11-17.
Nenhum comentário:
Postar um comentário