“Boda
de camponeses” (Pieter Brueghel, o velho, c. 1568)
Sem
proselitismo ou rigor ideológico, vamos apresentar argumentos que a alguns
podem não soar muito bem. Desde tenra idade, fomos formados no "especioso" maniqueísmo de bem e mal, trevas e escuridão, esquerda e direita, convenções que
por vezes não refletem plenamente a realidade à nossa volta, pois nem tudo é
como aparenta ser e a verdade por vezes é obnubilada intencionalmente para
propósitos escusos.
Corroborando
com o texto em tela, importante lembrar que as primeiras universidades proporcionaram
o surgimento de uma nova nobreza, a “gentileza”, que ascendeu pela educação, a
despeito da tradicional, que o fez pela força das armas. E já àquela época havia bolsas
de estudo e até (alguns) jovens pobres podiam estudar.
A Idade
Média não foi de flores, mas também não foram as trevas contínuas que pintam em
nossos livros escolares. Não se pode discordar daquilo que não se conhece.
A SOCIEDADE EM GERAL E A SOCIEDADE MEDIEVAL
Por
Orlando Fedeli
A
Sociedade Medieval, sendo conseqüência da aplicação da doutrina cristã ensinada
pela Igreja, tinha que ser hierárquica e não igualitária. Estudamos as razões
desse anti-igualitarismo da sociedade católica em nosso trabalho Desigualdade
ou Igualdade de Direitos: considerações sobre um mito.
Como
toda sociedade retamente organizada, a sociedade medieval era formada por
Estados e não por castas como era de regra nas sociedades pagãs. Havia três
Estados na Sociedade Medieval: o Clero, a Nobreza e o Povo, sendo que este era
formado pela Burguesia, pelos Camponeses e Artesãos. Era o que formava a famosa
“pirâmide maldita” do linguajar marxista dos professores de cursinho.
Tais
professores se esquecem de dizer que, em todos as sociedades, em todos os
tempos, existiu sempre essa mesma estrutura. Toda sociedade é, portanto,
necessariamente piramidal, pois os sábios que dirigem serão sempre minoria. Não
há como fugir desse esquema. Uma sociedade horizontal – igualitária -- nunca
existiu e nunca poderá existir. E isso é assim pela própria natureza dos homens
e das coisas. Deus fez tudo com desigualdade, por isso toda sociedade é
necessariamente hierárquica.
Já Platão mostrara, no diálogo República, que,
para existir uma sociedade, é preciso em primeiro lugar, que existam pessoas
que produzam os bens necessários à vida. Tais bens são os alimentos e objetos
necessários para viver. Portanto, não pode haver sociedade se não houver camponeses
que produzam os alimentos, e artesãos que produzam utensílios, móveis, vestes,
etc.
Em primeiro lugar, há a necessidade do trabalho agrícola e artesanal.
Ora,
se camponeses e artesãos produzirem só o absolutamente necessário para a sua
manutenção e a de suas famílias, como eles não podem produzir tudo que
precisam, ver-se-ão sem possibilidade de adquirir bens que lhes sejam
necessários e dos quais têm falta. Daí, camponeses e artesão serem obrigados a
produzir mais do que necessitam, para poderem trocar sobras do que produziram
por objetos de que precisam. O comércio nasce dessa necessidade de troca de
bens. Portanto, além de camponeses e artesãos nasce quase imediatamente o grupo
dos comerciantes, que fazem circular e trocar os bens produzidos.
Porém, onde
há bens, surgem logo os que querem se apossar desses bens de modo injusto. Isso
exige, então, a proteção desses bens pela força armada. Daí, a existência de um
grupo armado para guardar os bens produzidos.
Surge o grupo social militar que
tem por fim a proteção dos bens e da propriedade particular. É assim que toda
sociedade tem sempre um tal grupo armado para fazer respeitar o direito e a
justiça. São os militares, ou nobres, porque devem dar a vida para proteger a
justiça e os direitos das pessoas.
Deixar no topo da sociedade a força com o
poder supremo, manter no ápice da sociedade os que detêm o uso da espada
equivale a colocar a força material acima de tudo, o que gerará abusos. É
preciso então colocar acima da força da espada, acima da força material um
grupo que controle a força física pela sabedoria. Por isso, mesmo nas
sociedades pagãs havia um grupo sacerdotal, considerado mais prudente e sábio
para controlar a mera força das armas.
Daí, toda sociedade ser
formada,esquematicamente,por:
a) produtores de bens
(camponeses e artesãos) e de encarregados de fazer circular os bens através do
comércio (comerciantes);
b) militares que guardam o
direito aos bens pelo emprego da força militar (guerreiros ou nobres);
c) supostos sábios, que
devem controlar o uso da força material, para evitar abusos.
Tanto
isso tem que ser assim, que até a sociedade soviética, que se pejava de ser
igualitária, foi obrigada a se render à natureza, mantendo essa estrutura, pois
lá também havia a famosa “pirâmide maldita”. Na URSS, havia:
a) O proletariado
(camponeses e operários) produtores de bens necessários à vida, e funcionários
encarregados da circulação dos bens, e mesmo um certo pequeno grupo de
comerciantes;
b) Os militares que
garantiam a “ordem” social;
c) Os “sábios” – Os membros
do Partido Comunista que dirigiam e controlavam a força em razão de seu
conhecimento ideológico supostamente sábio e verdadeiro.
Portanto,
nem na URSS havia, então, a igualdade.
Pena que professores de cursinho,
profissionais da mídia e padres de passeata não sejam capazes de ver o
evidente.
Será que, no Brasil do PTBrás, no Brasil do mensalão, os canonizados
pela CNBB como “católicos à sua maneira”, estabelecerão realmente a igualdade
da utopia?
Frei Betto que guiou Lula até lá, conseguiu fazer a república
metalúrgica, que daria, a cada operário, direito a uma pizza e a uma cervejinha
por semana? Ou picanha com o vinho Romané-Conti ficou só para os privilegiados,
para os “sábios” da Granja do Torto? Direito à picanha só para os simpáticos do
Torto? Será isso igualdade? Será isso o fim da “pirâmide maldita”?
***
Esse
mesmo esquema era o da sociedade medieval.
Na sociedade medieval havia, sim, a
pirâmide social natural, na qual os mais sábios, os que tinham maiores
responsabilidades e virtudes — necessariamente os menos numerosos — dirigiam os
mais numerosos, e de funções menos importantes.
No alto da sociedade medieval
estava o Clero, única ordem social instituída diretamente por Cristo, para
guiar os homens na prática dos mandamentos — da lei natural — a fim de dar
glória a Deus e alcançar o céu.
O Clero era constituído, como até hoje o é, e
sempre o será, pelo Papa, Bispos e Padres. Cardeais, Arcebispos, Monsenhores
são apenas títulos honoríficos, e não graus da Sagrada Hierarquia estabelecida
por Cristo.
O Segundo Estado, ou Ordem, era a Nobreza feudal cujos componentes
eram o Imperador, os Reis, os Príncipes, os Duques, Condes e Barões.
O Terceiro
Estado era formado pelo Povo, e era constituído pelos Burgueses, Camponeses e
Artesãos.
A Burguesia era o grupo dos que exerciam trabalho não manual, e
habitava nas cidades, como, por exemplo, os comerciantes, os advogados, os
médicos, os professores, etc. Abaixo deles, estavam os que exerciam trabalhos
manuais. Os Artesãos faziam os instrumentos e objetos necessários para a vida
social, enquanto os camponeses cultivavam a terra e criavam o gado.
Os artesãos
também possuíam uma hierarquia interna, dividindo-se em Mestres, Companheiros e
Aprendizes.
Esquematicamente, a escala social medieval poderia ser assim
representada:
·
Clero
·
Nobreza
·
Povo: Burguesia, Camponeses e Artesãos (Mestres
– Companheiros – Aprendizes)
Não
é aqui o momento de justificar essa organização social, expondo suas funções,
sacrifícios, virtudes e direitos. Faremos isso, noutro trabalho. Agora,
importa-nos apenas registrar essa organização social medieval, para explicar
como se deu a sua destruição. Todavia, um ponto que convém desde agora
salientar é que essa organização social não era de castas, como eram as
sociedades pagãs.
Na
sociedade medieval, qualquer pessoa podia mudar de grupo social. Assim,
qualquer camponês poderia se tornar sacerdote, e passaria para a primeira
camada da sociedade. E, entrando no clero, tendo valor, esse camponês poderia
alcançar altas dignidades, e até mesmo chegar a ser Papa, como, aliás,
aconteceu por diversas vezes, na Idade Média. São Gregório VII, por exemplo, foi
o Papa mais importante da Idade Média e tinha origem camponesa, sendo filho de
um cabreiro (Régine PERNOUD, 1981, p.101). O Abade Suger era filho de servo da
gleba, e, mesmo assim se tornou Abade de São Denis, e foi Regente da França. O
Arcebispo de Paris, Maurice de Sully, que ordenou a construção da famosa
catedral de Notre-Dame de Paris, era de família pobre. O Papa Urbano VI era
filho de um sapateiro.
O Clero foi o grande instrumento de ascensão e promoção
social na Idade Média.
O camponês também poderia ascender à nobreza, pela
pratica de um heroísmo. Santa Joana d’Arc foi enobrecida por sua proeza
militar.
Por outro lado, qualquer pessoa de Estado mais elevado poderia ser
rebaixada: um clérigo podia ser reduzido ao estado leigo como punição de certos
crimes. Um nobre poderia perder seu título e seus privilégios por causa de
crimes, ou, por vezes, por exercer o comércio, visto que a Nobreza consiste em
usar todas as qualidades próprias em proveito de outrem, enquanto o comerciante
usa de todas as suas qualidades para obter lucro para si. Mas, em Repúblicas
que viviam do comércio — como Genova e Veneza — o comércio era obrigatório para
os nobres, pois seu esforço redundaria em proveito geral daquela sociedade e
daquela República.
Portanto,
não havia castas na Idade Média. Esse foi um dos grandes bens que a Igreja
proporcionou à civilização na Idade Média: acabar com as castas.
A sociedade
medieval tinha, pois, como pilares de sua estrutura, em primeiro lugar, o Papa,
aceito como autoridade suprema, pois era o Vigário de Cristo na Terra; e, em
segundo lugar, o princípio da desigualdade de direitos, já que se admitia, com
o Evangelho e com São Tomás de Aquino, que Deus não fez e não quer os homens
iguais, mas semelhantes.
Portanto, para destruir a sociedade medieval, era
preciso derrubar esses dois pilares: o Papa e a desigualdade de direitos. E foi
o que fizeram aqueles que desejavam destruir a Cidade de Deus, e fazer triunfar
a Cidade do Homem.
Substituíram o Teocentrismo pelo Antropocentrismo. Colocaram
o Homem no lugar de Deus.
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