segunda-feira, 28 de novembro de 2022

HERMANN HESSE, SOBRE A FLORESTA TROPICAL

 

 

Por Hermann Hesse
 
[das recordações de sua viagem ao Sudeste Asiático, em 1911]

 

Não conheço as modernas teorias acerca do mais remoto habitat dos seres humanos; para mim, a floresta tropical continua sendo, pelo menos do ponto de vista simbólico, a origem da vida, o elementar e primitivo cadinho onde são fabricadas, com sol e terra úmida, todas as formas vivas. No meio da floresta, nós, que vivemos em países cujos recursos naturais já foram totalmente explorados ou pelo menos descobertos e mensurados, com nosso raciocínio condicionado a cifras e medidas, nos sentimos no berço da vida; lá, percebemos que a Terra não é uma estrela resfriada, em seus últimos estertores, mas uma antiga massa que ainda procria. Para pessoas habituadas a campos rigorosamente delimitados, bosques cuidadosamente plantados e reservas de caça regulamentadas, um passeio fluvial no meio de crocodilos, garças, águias e grandes felinos e um amanhecer na selva, quando nos galhos ensolarados da pujante vegetação grandes bandos de macacos saúdam aos gritos o raiar de um novo dia, são experiências fantásticas e impressionantes. Além disso, quem penetra na mata úmida e abafada em busca de pássaros ou borboletas percebe, também, o cheiro do perigo, a sensação da inutilidade do indivíduo, os segredos, as possíveis ameaças e, a cada metro quadrado, a exuberância da vegetação e a opulência da vida animal. Tudo isso, é claro, sob o antigo e na Europa mil vezes esquecido domínio do sol! O simples anoitecer, que tudo transforma, o calor do súbito amanhecer, que traz a vida de volta, as violentas chuvas e as trovoadas que vêm e vão com incrível rapidez e o odor da terra fértil molhada, cálido e levemente animalesco, são para nós um misterioso e instrutivo retorno às origens da vida.
 
REFERÊNCIA:
 
HESSE, Hermann. A unidade por trás das contradições: religiões e mitos. Tradução: Roberto Rodrigues. 1. ed. Rio de Janeiro: Record, 2022. E-book.

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