Por
Hermann Hesse
[das recordações de sua viagem ao Sudeste
Asiático, em 1911]
Não conheço as modernas teorias acerca do mais remoto habitat dos seres
humanos; para mim, a floresta tropical continua sendo, pelo menos do ponto de
vista simbólico, a origem da vida, o elementar e primitivo cadinho onde são fabricadas,
com sol e terra úmida, todas as formas vivas. No meio da floresta, nós, que
vivemos em países cujos recursos naturais já foram totalmente explorados ou
pelo menos descobertos e mensurados, com nosso raciocínio condicionado a cifras
e medidas, nos sentimos no berço da vida; lá, percebemos que a Terra não é uma
estrela resfriada, em seus últimos estertores, mas uma antiga massa que ainda
procria. Para pessoas habituadas a campos rigorosamente delimitados, bosques
cuidadosamente plantados e reservas de caça regulamentadas, um passeio fluvial
no meio de crocodilos, garças, águias e grandes felinos e um amanhecer na
selva, quando nos galhos ensolarados da pujante vegetação grandes bandos de
macacos saúdam aos gritos o raiar de um novo dia, são experiências fantásticas
e impressionantes. Além disso, quem penetra na mata úmida e abafada em busca de
pássaros ou borboletas percebe, também, o cheiro do perigo, a sensação da
inutilidade do indivíduo, os segredos, as possíveis ameaças e, a cada metro
quadrado, a exuberância da vegetação e a opulência da vida animal. Tudo isso, é
claro, sob o antigo e na Europa mil vezes esquecido domínio do sol! O simples
anoitecer, que tudo transforma, o calor do súbito amanhecer, que traz a vida de
volta, as violentas chuvas e as trovoadas que vêm e vão com incrível rapidez e
o odor da terra fértil molhada, cálido e levemente animalesco, são para nós um
misterioso e instrutivo retorno às origens da vida.
REFERÊNCIA:
HESSE,
Hermann. A unidade por trás das contradições: religiões e mitos.
Tradução: Roberto Rodrigues. 1. ed. Rio de Janeiro: Record, 2022. E-book.
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