A publicação a seguir é a compilação de dois
textos do autor sobre o mesmo tema, um publicado em revista impressa em 2002 e
outro publicado na internet em 2009. Como já frisamos em publicações
anteriores, neste blog apresentamos textos baseados na história oficial e na
hiero-história, o que não significa dizer que acreditamos em todos os dados desta
última, porém estes devem ser divulgados para conhecimento do pesquisador
sincero, o qual, certamente, fará o pertinente esforço para distinguir o que é
lenda do que é realidade. Boa leitura!
Por Adílio
Jorge Marques*
“Non
Nobis, Domine, Non Nobis, Sed Nomine Tuo da Gloriam”
A VIDA
Dante Alighieri nasceu em
Florença, Itália, em maio ou 5 junho de 1265, filho de Dona Bella e de
Aldighiero Alighieri, vindo a falecer em 13 ou 14 de setembro de 1321, em
Ravena. É considerado um dos expoentes da literatura, ao nível de Shakespeare.
De família nobre, dedicou-se desde cedo aos estudos, sendo que Brunetto Latini
foi um dos seus mestres. Estudou letras e ciências, desenho, música e, mais
tarde, teologia.
Desde moço participou da
vida política da sua cidade. Engajou-se na cavalaria republicana na batalha de
Campaldino ocorrida em 11 de junho de 1289 contra os Gibelinos. Desejava seguir
carreira política, e como era necessário pertencer a uma corporação para
conseguir cargos públicos, Dante se inscreveu na dos médicos e farmacêuticos.
Sua atuação na vida pública foi brilhante e marcante. Conforme diz Boccaccio,
em Florença não se tomava nenhuma deliberação sem que ele desse a sua opinião.
Várias vezes foi embaixador da República, pertencente do Conselho do Estado e,
em 1300, obteve o cargo de “Priore” ou Prior, que era a suprema magistratura
política florentina. Segundo ele mesmo disse em uma de suas cartas, contudo, aí
começaram suas “desgraças”.
A guerra em Florença entre
Guelfos e Gibelinos (os primeiros pertencentes à Aristocracia local e pró-Papal,
e os segundos ligados aos interesses populares apoiados secretamente pelos
Templários) era muito violenta. Dante era originalmente um Guelfo, inclusive
por ser de família nobre. Os Guelfos, porém, se dividiram em duas facções:
Brancos e Pretos. Como os Pretos causavam muitos conflitos na cidade, os
Priores (e entre eles Dante), resolveram exilar alguns dos líderes. Estes eram
pertencentes a ilustres famílias de Florença e, por vingança, os Pretos
convenceram Carlos de Valois, irmão de Felipe, o Belo, que passava por
Florença, e ao Papa Bonifácio VIII, de que os Brancos (e quem os ajudasse, como
Dante) eram inimigos da França e de Roma. Felipe IV, o Rei causador da
perseguição aos Cavaleiros Templários pouco tempo depois (1307).
Apesar de enviarem ao Papa
embaixadores, entre eles Dante, para desmentir o que foi dito e para que
Florença não fosse entregue oficialmente aos Pretos, os Brancos não conseguiram
o efeito desejado. Enquanto Bonifácio VIII mantinha os embaixadores na
expectativa de ser favorável a eles, Carlos de Valois empossou os Pretos no
comando da cidade. Esta entrou em um verdadeiro período de caos. Ao retornar,
Dante ficou sabendo que seus inimigos o acusavam de ser Gibelino e de ter se
aproveitado de dinheiro público. Foi condenado a pagar uma pesada multa, sendo
exilado e tendo suas possessões depredadas. Mudou frequentemente de cidade,
servindo a vários senhores. Assim viveu os últimos anos de sua vida, morrendo
aos 56 anos, em Ravena.
SUAS OBRAS
A obra poética de Dante se
prende, na sua maior parte, ao seu amor puramente espiritual, um amor ao melhor
estilo do ágape grego, por Beatriz de Folco Portinari. Ele a conheceu quando
tinha nove anos e ela apenas oito. Tornou a vê-la depois de mais nove anos e,
após, mais algumas poucas vezes, pois Beatriz casou-se com Simon de Bardi,
vindo a morrer em 1290. Embora Dante também se casasse em 1291 com Gemma Donati
e com ela tivesse três filhos, o amor por Beatriz continuou a inspirá-lo e às
suas obras pelo resto de sua vida.
De algumas de suas obras
mais importantes e marcantes podemos tecer as seguintes considerações:
A maior parte das canções,
dos sonetos e das baladas que constituem o “Canzoniere”
dantesco são dedicados à sua eterna amada Beatriz, e foram escritos numa época
em que Dante esteve envolvido com os trovadores líricos medievais, tais como os
“Fiéis de Amor”.
A “Ode Nova” – 1239 é uma
história do seu diáfono amor por Beatriz, composto de vários sonetos dedicados
a ela.
Dante escreveu também a “Vita
Nova”, uma história dos seus amores com uma Beatriz divinizada, texto que
inspira os Templários de todos os tempos, já que o amor espiritual de Dante por
uma Dama era um pretexto ou exemplo do amor cavaleiresco por Nossa Senhora.
A “Divina Comédia” (iniciada
entre 1307 e 1314 e terminada pouco antes de sua morte em 1321) é uma das
maiores obras literárias da humanidade, sendo a obra mais conhecida do
personagem deste texto. Prende-se também ao seu amor por Beatriz, sendo
influenciada pelos acontecimentos de sua vida. Para muitos mitólogos e
Cavaleiros de ontem e de hoje, a “Divina Comédia” é uma alegoria metafísica
onde se retratam as provas iniciáticas dos Templários em relação à humanidade e
mesmo em relação à própria caminhada espiritual de cada ser. Talvez uma das
provas disso esteja já no Canto I do primeiro livro (Inferno), verso I, no qual
Dante diz: “A meio do caminho desta vida…”. Ou seja, na metade da vida humana,
provavelmente a idade de 35 anos. Segundo historiadores, estudiosos da cronologia,
a experiência que assim dá origem ao poema situa-se por volta do ano 1300, além
de ser o ano em que Dante assume o priorado é, segundo muitos, o ano em que ele
próprio foi iniciado na Ordem do Templo, mais precisamente em Florença no mês
de maio.
Outro detalhes curioso, e
que talvez corrobore ou indique esta filiação com os Templários, é o fato da
Divina Comédia, ter sido iniciada entre 1307 e 1314, pois foi justamente nesta
época, 1307, que começaram as perseguições à Ordem, deflagradas por Felipe, o
Belo, rei da França, com a conivência do Papa Clemente V. Além disso, 1314 é o
ano em que o último Grão-Mestre Templário, Jacques de Molay, juntamente com
mais um Preceptor da Ordem, são queimados vivos em praça pública pela Santa Inquisição,
à frente da Catedral de Notre Dame. Assim, 1314 é considerado o ano da extinção
definitiva da Ordem do Templo na França, abolida através de uma bula papal. Porém,
como se sabe com toda a certeza, a Ordem continuou a existir por muito tempo em
outros países, e com outros nomes. Para ilustrar, temos a Ordem de Cristo em
Portugal, participante das grandes descobertas marítimas posteriores, através
de sua influência na Escola de Sagres. A cruz das caravelas portuguesas,
inclusive as que aportaram no Brasil traziam a cruz vermelha desta Ordem
Iniciática, inspirada na antiga cruz templária de mesma cor, porém com outra
forma. Assim aconteceu na Alemanha Inglaterra e até na própria França, pois
muitos cavaleiros templários simplesmente entraram em outras ordens monásticas
durante e após a perseguição.
Ainda sobre a “Divina
Comédia”, importante notar que foi escrita no formato de “três linhas”, chamado
terza rima pelo próprio Dante. Entendemos
que nesta obra Dante prega um novo casamento entre a cruz (fé) e a águia
(justiça), como única solução possível para a salvação do mundo e da
humanidade. Vemoss, assim que esta é uma obra de absoluto simbolismo e de rara
profundidade, até mesmo em relação a seus trabalhos anteriores e posteriores. Analisado
à luz da moderna psicologia, muitos dizem que os três atos da Divina Comédia
(Inferno, Purgatório e Paraíso) podem corresponder ao subconsciente, consciente
e supraconsciente do homem.
Já o livro “Convite” é um
compêndio da filosofia de seu tempo, exposta eloqüentemente sob a forma de
comento a três das suas canções.
O “De Monarquia”, 1313, é um
tratado político, escrito em latim, e que comenta a solução de Dante para um
mundo unido e em paz entre Igreja e Estado, numa relação direta com este mesmo
aspecto, anteriormente citado, a fé e a justiça, da Divina Comédia.
O “De Vulgari Eloquentia”, também escrito em latim, é um estudo
pioneiro de estilos e lingüística, ou seja, é um tratado filológico, em que
através da literatura da época e combinando dialetos italianos Dante tentou criar
uma nova língua nacional. Esta obra foi deixada incompleta.
Existem também outros
textos, importantes para a literatura mundial: “Epístolas”, “Questio de Aqua et Terrae”, “Convívio”.
A PRESENÇA DOS “FIÉIS DO AMOR”
É um fato que Beatriz, a sua
guia no texto do Paraíso da “Divina Comédia”, não é apenas a imagem ideal da
Cavalaria Medieval, mas também a provável representação das ligações de Dante
com as confrarias místicas de seu tempo, tais como a “Fede Santa” (mais tarde
transformada em uma das ramificações da Rosacruz), e principalmente os
trovadores “Fedeli d’Amore” (“Fiéis
do Amor”). Estes tinham como ideal feminino não a mulher física, mas a mulher
idealizada espiritualmente, a Grande Mãe, no sentido de ser um meio nobre (ou
representação) para que se tornarem “os eleitos”.
Uma outra prova disso é uma
curiosa medalha existente no Museu de Viena representando o poeta, onde pode-se
ler as seguintes letras: F.S.K.I.P.F.T. e que dizem “Fidei Sanctae Kadosh, Imperialis Principatus Frater Templatus”. A associação
com a Fede Santa ou Fidei Sanctae é confirmada como a Ordem
Templária, além disso, temos a expressão hebraica kadosh, que significa santificado ou sagrado, e que é
característica das Ordens Cavalheirescas [sic], estando até hoje em voga esta expressão
em ordens que, historicamente, seguiram os passos dos Templários, como as
Ordens Maçônicas.
Divulgavam o mito do
comportamento heróico-solar do Cristo, simbolismo que os levaria ao
inevitavelmente ao “Castelo da Sabedoria”, isto é, de volta ao seio de Deus. O
caminho passaria pelo amor pleno, logo, através das suas amadas, como acontece
na “Divina Comédia” entre Dante e Beatriz.
Dante Alighieri enfrenta
vários perigos no Inferno, é Iniciado no Purgatório, para finalmente encontrar
sua adorada Beatriz no Paraíso, sendo ela o símbolo da inteligência, da
sabedoria e da Doutrina Templária. A Grande Dama representa nada mais, nada
menos, do que meta e guia das aspirações místicas de todos os tempos. Segundo
Paul Le Cour essa doutrina de cunho Templário era diferente da doutrina da
igreja romana institucionalizada por ser a primeira de caráter joanita, ou
seja, seguindo os ensinamentos esotéricos de São João Apóstolo e de São João
Batista (e não Pedro). O primeiro, discípulo preferido de Jesus Cristo, como
seu Mestre fora o veiculador da doutrina do Amor espiritual entre todos os
homens.
Assim, o nome do grupo,
“Fiéis do Amor”, ao qual Dante parece ter-se ligado, nos remete à seguinte
relação: AMOR = DEUS = ESPÍRITO SANTO ou PARÁCLITO (no esoterismo cristão).
Logo, os “Fiéis do Amor” seriam discípulos diretos do Espírito Santo, divinos.
Não apenas eles seguiram os ensinamentos místicos joaninos, mas também os
cátaros, os albigenses, os pedreiros construtores das catedrais medievais, os
Rosacruzes, etc..
Os “Fiéis Do Amor”
expressavam tal conhecimento e o ideal feminino enquanto trovadores e poetas
(comuns na época), sempre em forma de canções, porém de maneira velada, por
causa da opressão da igreja católica. Também usavam estes recursos para
retratar fatos aos quais eram contra as atitudes da mesma igreja. Dante acabou
por ligar-se às milícias iniciáticas dos Ghibellini, que também estavam ligadas
às Antigas Tradições medievais e aos Cavaleiros do Templo, como já mencionado.
Os Templários lhe inspiraram a apoiar os movimentos populares na luta contra os
Guelfos, mudando sua forma de ver a vida e também influenciando diretamente na
composição da “Divina Comédia” como obra de cunho iniciático.
UMA CURIOSIDADE
Um sonho salvou os treze
últimos cantos da Divina Comédia que estavam perdidos após a morte do poeta. Já
se haviam passado oito meses de procura quando Jacobo, o mais velho dos três
filhos de Dante, viu em sonho o pai vestido de branco. Jacobo perguntou-lhe se
vivia ainda “Sim” respondeu-lhe o poeta “mas a verdadeira vida, não a vossa”. O
filho indagou sobre os treze cantos que estavam perdidos e teve a impressão de
seu pai o conduzir ao quarto onde tinha por hábito dormir. Tocando em certo
lugar da parede, lhe disse: “Aqui se encontram os versos que vindes procurando
com tanto empenho.”
O filho acordou e após
contar correndo o sonho a um amigo do poeta (Pietro Giardino), foram à antiga
casa de Dante. No local indicado arrancou da parede um remendo de esteira de
palha e descobriram um nicho contendo um rolo de papéis. Entre outros escritos
lá estavam os cantos perdidos. Boccaccio, contemporâneo de Dante, incluiu o
fato na sua obra “A Vida de Dante Alighieri”, após ouvir o caso diretamente de
Pietro. Nunca se soube por que Dante escondeu os treze últimos cantos de sua
mais importante herança literária.
BIBLIOGRAFIA
–
Colangelo, Adriano; Os 3 Atos Da Divina Comédia; Planeta No 85, 1979.
–
Jornal de Planeta; Um Sonho Salvou A Divina Comédia; Planeta No 30, 1975.
– The
New Grolier Multimedia Encyclopedia (verbete Dante Alighieri).
–
Alighieri, Dante; A Divina Comédia; Biblioteca Clássica; Vol. XLI; Atena
Editora; São Paulo.
– Great Books Of The Western World; The Divine Comedy
Of Dante Alighieri; Encyclopaedia Britannica Inc., 1952.
–
Alighieri, Dante; A Divina Comédia; Editora Itatiaia, 1989.
– Cour,
Paul Le; O Evangelho Esotérico de São João; Ed. Pensamento, 1980.
–
Guénon, René; O Esoterismo de Dante; Ed. Veja, 1978.
*Adílio Jorge Marques é professor de Física e
História da Ciência da rede pública e particular de ensino do Rio de Janeiro.
Pesquisador em História da Ciência luso-brasileira e história das Tradições.
FONTE:
MARQUES,
Adílio Jorge. Dante Alighieri. In AMORC-Cultural, 2. Trimestre 2002. Curitiba:
AMORC-GLP, 2002. p. 24-31.
MARQUES,
Adílio Jorge. Dante Alighieri e os Templários. Publicado em 21 set. 2009. Disponível
em: <http://www.debatesculturais.com.br/dante-aliguieri-e-os-templarios/>.
Acesso em: 31 jan. 2016.