sábado, 30 de maio de 2015

ISAAC LORIA






Por Fernando Pessoa

Em nós o fogo reina, que primeiro
É desejo, e depois, ardendo mais,
Desse mesmo desejo se purifica.
Consume aquilo de que se alimenta,
Os diversos desejos queima iguais,
E quer ser fogo universal e inteiro,
Chama sem lume, de si mesma rica.

Ah, mas depois que tudo é consumado
Que o fogo, por ser fogo, pode arder;
Depois que é em si mesmo sublimado,
Com tal ardência exacerbado dura
Que a si mesmo se queima e faz não ser,
Seu ardor por dentro vira ansiado,
E a chama pura torna-se luz pura.

Assim tornado o ser que sou comigo,
Vi que quando cercara o que eu quisera
—Altar ou vara, livro e templo—
Nunca fora de mim estivera,
Só por julgá-lo tal fora inimigo.

E então vi que essa Cruz em que converso
Jazia o altar outrora meu
Era, em Cruz de Luz, todo o Universo
E que essa Cruz era quem fora eu.
Sobre ela a Luz Perfeita em mim erguida
Caíra, numa inteira identidade,
Pois essa Pedra Cúbica partida
E a minha alma em luz pura resolvida
Eram a mesma coisa, era a Verdade.


1933?

segunda-feira, 25 de maio de 2015

INICIAÇÃO




Por Fernando Pessoa

Não dormes sob os ciprestes, 
Pois não há sono no mundo.

O corpo é a sombra das vestes
Que encobrem teu ser profundo.

Vem a noite, que é a morte,
E a sombra acabou sem ser.
Vais na noite só recorte,
Igual a ti sem querer.

Mas na Estalagem do Assombro
Tiram-te os Anjos a capa.
Segues sem capa no ombro,
Com o pouco que te tapa.

Então Arcanjos da Estrada 
Despem-te e deixam-te nu.
Não tens vestes, não tens nada:
Tens só teu corpo, que és tu.

Por fim, na funda caverna,
Os Deuses despem-te mais:
Teu corpo cessa, alma externa,
Mas vês que são teus iguais.

A sombra das tuas vestes 
Ficou entre nós na Sorte.
Não 'stás morto, entre ciprestes.

Neófito, não há morte.

Maio de 1932.