terça-feira, 25 de dezembro de 2018

EXCERTOS DO TRATADO DAS ENÉADAS, de PLOTINO








EXCERTOS DO TRATADO DAS ENÉADAS, de PLOTINO

Os títulos entre parênteses são os originais de cada enéada.

Sobre a morte
(Sobre o primeiro Bem e os outros bens)

Se até a nossa vida – que está mesclada de mal – é um bem, por que a morte não é um mal? Um mal para quem? É preciso haver um sujeito passível de sofrer o mal; então, se tal sujeito [o corpo] não está mais entre os seres e está privado de vida, não há mal algum para ele, como não há mal algum para uma pedra. Mas se a vida e a Alma existem após a morte, então a morte é um bem para a Alma, uma vez que, sem o corpo, ela tem mais liberdade para exercer o ato que lhe é próprio. Se ela passa a participar da Alma universal, que mal pode atingi-la ali? Assim como os deuses possuem o bem isento de qualquer mal, o mesmo corre com a Alma que preserva sua pureza. Se não a preserva, não é a morte que é um mal para ela, mas sim a vida; e se ela é punida no Hades por não ser pura, mesmo lá o mal é a [continuidade] da vida – e não a morte. Aliás, se a vida é a união de uma alma e um corpo, e a morte é sua separação, então a Alma se sentirá em casa tanto na vida como na morte. No entanto, no caso de uma vida virtuosa, como a morte pode não ser um mal? Neste caso, a vida é um bem: porém, não pelo fato de ser a união de uma alma e um corpo, mas por repelir o mal mediante a virtude – e então a morte é um bem ainda maior. Ou seja, a vida no corpo é em si mesma um mal, mas a Alma participa do Bem pela virtude: não vivendo uma vida composta [com a do corpo], mas mantendo-se apartada dele, mesmo aqui.

(PLOTINO, 2000, p. 41)


Dialética
(Sobre a Dialética)

Mas então a filosofia não é a mais preciosa entre as ciências? A filosofia e a dialética são a mesma coisa? A dialética é a parte mais nobre da filosofia. Não se deve pensar que ela seja apenas uma ferramenta empregada pelo filósofo, que seja apenas um conjunto de teorias e regras. Ela diz respeito a realidades, e sua matéria são os seres. Ela se aproxima deles metodicamente e apreende as teorias e as realidades. Ela só conhece a falsidade e o sofisma acidentalmente: não por sua própria natureza, mas como algo produzido exteriormente a ela, algo que reconhece como estranho à verdade que ela contém: conhece o erro quando uma afirmação contrária à regra do verdadeiro lhe é apresentada. Ela ignora a teoria das proposições, que para ela não passa de um amontoado de palavras; mas conhece a verdade e, nesse conhecimento, conhece o que as escolas chamam de proposições. Conhece acima de tudo a operação da alma, e, devido a esse conhecimento, também conhece: a proposição afirmativa e a negativa; a regra: se se nega [o consequente], coloca-se [o contrário do antecedente] e outras regras análogas; ela sabe se os termos são diferentes ou idênticos; mas tem todos esses conhecimentos de maneira tão imediata quanto aquela em que os sentidos percebem as coisas, mas deixa os detalhes de linguagem para outra disciplina que encontra satisfação neles.

(PLOTINO, 2000, p. 50)


Inteligência
(Sobre a descida da Alma nos corpos)

O uno é todas as coisas e não é nenhuma delas. Ele é o princípio (arché) de todas as coisas; e, se não é nenhuma delas, no entanto é todas as coisas de um modo transcendente, pois, de certo modo, elas estão no Uno. Ou melhor, nem todas estão nele, mas estarão. Então, como todas as coisas provêm do Uno, que é simples e não tem em si multiplicidade alguma e nem mesmo dualidade alguma? É pelo fato de nada haver nele que todas as coisas provêm dele. Pra que o Ser possa existir, o Uno não é Ser, mas sim o gerador do ser. Podemos dizer que este é o primeiro ato da geração: nada possuindo e nada buscando em sua perfeição, o Uno transbordou e sua superabundância produziu algo diverso dele mesmo. O que foi produzido voltou-se de novo para a sua origem e, contemplando-a e sendo por ela preenchido, tornou-se a Inteligência. O ato de ter-se detido e voltado para o Uno deu origem ao Ser; o ato de ter contemplado o uno deu origem à Inteligência. O ato de ter-se detido e se voltado para o Uno a fim de contemplá-lo tornou-o simultaneamente Ser e Inteligência. Desse modo, tornando-se semelhante ao Uno por contemplá-lo, repetiu o ato do Uno e emitiu um grande poder.
Esse segundo transbordamento, o da essência da Inteligência, é a Alma, que veio assim à existência, mas a Inteligência permaneceu inalterada. A Alma surgiu como uma ideia e um ato da Inteligência imóvel – que também proveio de uma origem [o Uno] que permaneceu imóvel e inalterada –, mas a operação da Alma não é imóvel, pois ela gera a sua própria imagem [ou hipóstase] pelo movimento: a contemplação do que lhe deu origem e preenche e, empreendendo um movimento no sentido contrário [descendente], ela gera a sua imagem [ou hipóstase]. Essa imagem da Alma são os sentidos e o princípio vegetativo.
No entanto, nada se separa completamente do que o antecede. Portanto, a Alma mais elevada parece chegar até o princípio (arché) vegetativo – o que, de certo modo, de fato ocorre, pois a vida vegetativa está em seu âmbito, mas ela [a Alma mais elevada] não está totalmente presente ali. Em sua descida, quando ela chega ao princípio vegetativo – por sua exteriorização e sua tendência ao bem menor –, produz outra hipóstase ou modo de ser, do mesmo modo que a Alma superior é produzida pela Inteligência, que permanece imperturbável em si mesma.

(PLOTINO, 2000, p. 63-64)


Nous
(Sobre a descida da Alma nos corpos)

O Mundo Arquetípico é a verdadeira Idade de Ouro, Idade de Kronos, o deus que é a abundância e o princípio Intelectual (nous). Pois ele [Kronos] contém tudo o que é imortal: todas as inteligências, todos os deuses, todas as almas. Nele, todas as coisas permanecem imutáveis para sempre, pois por que buscariam mudança se ali tudo está bem? Aonde buscariam ir, se têm tudo em si mesmas? Que crescimento buscariam, se são perfeitas? Todas as coisas nele são perfeitas para que ele possa ser totalmente perfeito (teleios), nada havendo nele que não seja divino, nada que não seja intelectivo. Ele alcança o seu conhecimento não como alguém que busca, mas como alguém que possui; sua bem-aventurança não é adquirida, mas inerente: todas as coisas pertencem a ele eternamente, pois nele está a verdadeira eternidade, que é copiada pelo tempo, circulando ao redor da Alma e fazendo com que algumas coisas venham [ao tempo] e outras permaneçam [no Mundo Arquetípico].

(PLOTINO, 2000, p. 74-75)


Experiência pessoal
(Sobre a descida da Alma nos corpos)

Muitas vezes ocorreu-me ser retirado de meu corpo e conduzido a mim mesmo; ser retirado das coisas externas e introduzido em mim mesmo; e então ver uma Beleza maravilhosa, tornando-se ainda maior a certeza de que pertenço à ordem superior dos seres por ter realizado em ato a mais nobre forma de vida; ter-me identificado com a divindade; ter-me estabelecido nela; ter vivido o seu ato e me situado acima de tudo quanto é inteligível, exceto o Supremo. No entanto, depois dessa estadia na região divina, quando desço da Inteligência ao raciocínio, pergunto-me perplexo como é possível a minha Alma estar neste corpo, sendo ela, mesmo estando no corpo, essa coisa elevada que se revelou a mim?

(PLOTINO, 2000, p. 81)


Esta é a única passagem das Enéadas onde Plotino fala de sua própria experiência. Descreve-a mais em detalhe na parte final do tratado Sobre o Bem ou o Uno (p. 134-135), mas sem dizer que está falando da sua própria vivência. Segundo Porfírio, ao longo de sua vida Plotino teve quatro experiências extáticas: por quatro vezes saiu de si e ascendeu a Deus, ao Uno.

SOMMERMAN, Américo. Nota 1 da Enéada Sobre a descida da Alma nos corpos. In: PLOTINO. Tratado das Enéadas. Américo Sommerman (tradução, apresentação, introdução e notas). São Paulo: Polar Editorial, 2000, p. 81.


O homem, caído
(Sobre a descida da Alma nos corpos)

Diz [Platão] que a Alma “está acorrentada” e “sepultada” nele [no corpo], qualificando como uma grande verdade a doutrina exposta nos mistérios de que aqui a Alma “está numa prisão”. Ademais, a meu ver, a “caverna” para ele, assim como o “antro” para Empédocles, significam este mundo [sensível], pois Platão interpreta “a libertação das cadeias e a subida para fora da  caverna” como a jornada da Alma em direção ao Mundo Inteligível. No Fedro ele atribui à queda das asas sua descida a este mundo. Além disso, para ele há “períodos cíclicos” nos quais a Alma que ascendeu tem de voltar aqui para baixo, enquanto outras são trazidas para cá devido a julgamentos, a azares, a fatalidades e a necessidades.
(PLOTINO, 2000, p. 82-83; colchetes nossos)


Alma escrava
(Sobre a descida da Alma nos corpos)

Nada disso ocorreria [a alma ocupar-se de prazeres, apetites e sofrimentos e descurar dos intelectivos da Alma] se as almas não entrassem profundamente nos corpos; se não fossem escravas e sim soberanas deles, de maneira a não terem necessidades, a não terem deficiência alguma, a não se encherem de apetites e nem de temores. Desse modo, não haveria razão alguma para a Alma temer o comércio com um corpo, pois não haveria ocupação alguma que desviasse sua atenção para baixo e a distraísse de sua sublime e bem-aventurada contemplação, mas estaria sempre voltada para o Supremo e governaria este mundo com uma força serena.

(PLOTINO, 2000, p. 86; colchetes nossos)


Inferioridade
(As três hipóstases iniciais)

Admirar e buscar uma coisa significa inferioridade em relação a ela. Portanto, quem se considera inferior às coisas que nascem e morrem, e mais vil e mortal do que as coisas que admira, não pode ter ideia alguma a respeito da natureza e do poder de Deus.
Aqueles que querem seguir o caminho contrário, que querem retornar à sua origem – isto é, ao Supremo e ao Uno –, devem considerar duas coisas. E quais são elas? Devem primeiro considerar o quanto as coisas que a Alma agora precisa são desprovidas de valor. [...] A segunda coisa que devem considerar é a origem e a dignidade da Alma. E esta consideração é mais importante do que a primeira, pois quando é exposta com clareza, faz com que a primeira se torne óbvia.

(PLOTINO, 2000, p. 70)


Por que a alma encarna?
(Sobre a descida da Alma nos corpos)

Portanto, é possível conciliar estas contradições aparentes: a semeadura das almas no mundo do devir para o aperfeiçoamento do Universo concilia-se com o castigo e a caverna; a necessidade, com a livre escolha; a descida voluntária, com a involuntária. Na verdade, a necessidade da encarnação num corpo inclui a escolha. A doutrina de Empédocles sobre a descida das almas como um afastamento de Deus, como uma punição do pecado, pode ser conciliada com a doutrina de Heráclito de que a Alma “mudando [de lugar] descansa”.
Todo aquele que desce a algo inferior faz isto involuntariamente; porém, se desce devido a uma vontade própria, a submissão ao inferior pode ser qualificada como um castigo por seus atos. Por outro lado, quando tais atos e experiências são determinados por uma lei eterna da natureza: a de abandonar o que está acima a fim de auxiliar alguma coisa [que está a baixo], não há inconsistência em dizer que foi Deus quem enviou a Alma pra baixo. Os resultados finais sempre têm de ser relacionados com o ponto de partida, mesmo que tenha havido muitas etapas intermediárias.
Além disso, há dois tipos de punição: um pela própria descida da Alma; outro, pelo mal que ela faz estando aqui embaixo. O primeiro é o próprio sofrimento que a Alma sente pela descida. O segundo, por sua vez, também se divide em dois tipos: a menor punição é entrar sucessivamente em outros corpos logo em seguida ao julgamento de suas ações (e a palavra “julgamento” indica que isso ocorre por decreto divino); já as grandes maldades levam a punições proporcionalmente maiores, que são infligidas pelos demônios punidores.

(PLOTINO, 2000, p. 90)


Parte da alma fica na região sensível
(Sobre a descida da Alma nos corpos)

E, se é preciso ter a ousadia de expressar mais claramente uma convicção contrária à opinião da maioria, tenho de dizer que nem mesmo a nossa Alma humana entra inteiramente no corpo, mas há algo nela que sempre permanece na região inteligível. Porém, se quem domina é a parte da alma que está na região sensível e aquela outra se deixa dominar e perturbar, tornamo-nos cegos ao que contempla a parte superior da alma, pois o que é por ela interligado [ou contemplado] só pode chegar a nós se desce até a nossa consciência. Nem tudo o que ocorre em qualquer parte da Alma é logo conhecido por nós, pois para que tal conhecimento se dê, a coisa tem de estar presente para a Alma inteira: um apetite limitado à faculdade apetitiva permanece desconhecido para nós, a menos que seja apreendido pela faculdade do sentido interior, pela razão discursiva (dianoia) ou por ambas. Pois toda Alma possui um elemento de sua parte inferior voltado para o corpo e um elemento de sua parte superior voltado para o Mundo Inteligível. Assim, a Alma universal governa o Mundo [Sensível] com a parte dela que está voltada para o corpo, sem deixar de permanecer em repouso, pois não o governa com a razão, como nós, mas com um ato puramente intelectual, como o da criação artística, de modo que apenas sua parte inferior age sobre o Mundo [Sensível], mantendo-o belo e em ordem.

(PLOTINO, 2000, p. 94-95)


Apeiron
(Sobre o Bem ou o Uno)

Portanto, devemos considerá-lo [o Uno] como infinito (apeiron): não em sua incomensurável extensão ou inumerável quantidade mas na dimensão inconcebível do seu poder. Pois, se penas nele como Inteligência ou como Deus, ele é mais. E, ademais, se em teu pensamente pensas n’ele como Uno, também nesse caso, por mais Uno que o tenhas imaginado, ele é mais que isso. Pois ele é em si mesmo, sem que nenhum predicado lhe possa ser atribuído. Com efeito, essa auto-suficiência é a essência de sua Unidade. É necessário que haja uma realidade que seja entre todas a mais independente, a mais auto-suficiente, a mais desprovida de necessidade. Pois tudo o que é múltiplo, tudo que está abaixo da Unidade está na necessidade: como o múltiplo é constituído de partes, sua natureza aspira sempre à Unidade. Quanto ao Uno, ele não pode ter necessidade de si, pois já é uma Unidade perfeita. Por sua vez, o que é múltiplo depende te doas as suas partes. Além disso, todas as partes que estão contidas nele estão ligadas umas às outras e não apenas consigo mesmas: por isso, elas têm necessidade umas das outras. Assim, esse ser está na necessidade tanto em suas partes como em seu conjunto.
Portanto, se é verdade que é preciso que haja algo que seja totalmente auto-suficiente, tem de ser o Uno, posto que ele é o único a ter uma natureza tal que é desprovida de necessidade tanto em relação a ele mesmo como em relação aos outros. Pois ele não busca algo para ser, nem para estar bem, nem para encontrar apoio. Sendo causa para todas as outras realidades, não é delas que provém a sua.
Quanto ao “estar bem”, que bem-estar teria fora de si mesmo? Por isso, o bem-estar não é acrescentado a ele como um predicado, pois o seu bem-estar é ele mesmo.

(PLOTINO, 2000, p. 132-133; colchetes nossos)


O Princípio não depende de nada
(Sobre o Bem ou o Uno)

Um princípio (arché) não tem necessidade das coisas que vêm depois dele. Portanto, o Princípio de todas as coisas não tem necessidade alguma de todas as coisas, pois o que está na necessidade está nela por desejar o Princípio. Então, se o Uno tivesse necessidade de algo, buscaria, é claro, deixar de ser Uno, de modo que teria necessidade daquilo que o destruiria. Porém, tudo o que está na necessidade, tem necessidade do bem-estar, e daquilo que o mantém. De modo que, para o Uno, não há bem, nem vontade de algo: Ele está além do Bem, e não é o Bem para si mesmo, mas para os outros, se algo for capaz de participar d’ele.
E para ele não há pensamento, para que não haja n’ele alteridade nem movimento. De fato, se ele é anterior ao movimento e ao pensamento, no que ele poderia pensar?

(PLOTINO, 2000, p. 133)


Contemplação
(Sobre o Bem ou o Uno)

E se, por ele não ser nenhuma dessas coisas [existentes no mundo sensível], teu pensamento cai num estado de indeterminação, mantém-te nesse estado e, a partir dele, contempla! Mas contempla sem projetar teu pensamento para o exterior! Pois ele não está em algum lugar, deixando os outros lugares privados d’ele, mas está sempre presente para quem pode alcançá-lo, e ausente para quem é incapaz de fazê-lo.

(PLOTINO, 2000, p. 134; colchetes nossos)


A dança
(Sobre o Bem ou o Uno)

Com efeito, sempre circulamos ao seu redor, porém nem sempre olhamos para ele. É como um coral desarmonioso dançando em roda: embora circulando ao redor do maestro, às vezes dirige seu olhar para o exterior; mas, se volta a olhar para ele, torna a cantar bem e a circular ao seu redor. Do mesmo modo, nós também circulamos sempre ao seu redor; do contrário, seria a nossa destruição completa, e deixaríamos de existir. No entanto, nem sempre estamos voltados para ele; mas, quando olhamos para ele, encontramos a nossa meta e o repouso, e, inspirados por Deus, dançamos ao seu redor em completa harmonia.

(PLOTINO, 2000, p. 138)


A dança
(Sobre o Bem ou o Uno)

E isso [repousar no Uno] é para ela [a Alma] o princípio e o fim. O seu princípio (arché) porque ela veio de lá; o seu fim (telos), porque é lá que o Bem está. E quando chega até lá, torna a ser ela mesma e volta a ser o que foi. Pois, neste Mundo Sensível, ela está em queda, em exílio e perdeu suas asas.

(PLOTINO, 2000, p. 140; colchetes nossos)


Aqueles que ainda não viveram essa experiência podem fazer uma analogia dela com os amores daqui debaixo: pensem naquilo que amam mais do que tudo neste mundo. Então, pensem que esses amores pelas criaturas são mortais e caducos, que têm por objeto apenas reflexos da realidade, pois não são o nosso verdadeiro amor, nem o nosso bem, nem o que buscamos. O nosso verdadeiro Amado está lá no alto. A ele podemos nos unir verdadeiramente, participando d’ele, possuindo-o realmente, e não apenas o envolvendo exteriormente com a nossa carne.

(PLOTINO, 2000, p. 140-141)


Como alcançar o supremo Bem
(Sobre o Bem ou o Uno)

Aquele que se vê nesse estado [cuja Alma está no Ser] torna-se semelhante ao Supremo; sai de si, passa da imagem ao seu arquétipo, e chega ao fim de sua jornada. Todavia, mesmo quando decai de tal contemplação, pode despertar de novo tal virtude meditando na ordem e na beleza interior; e, mediante essas virtudes, recupera a leveza, torna a alcançar a Inteligência e a Sabedoria, e, mediante a Sabedoria, o supremo Bem.
Esta é a vida dos deuses e dos homens divinos e bem-aventurados: ser livre em relação às coisas deste mundo: viver sem se deleitar nas coisas terrenas; fugir, na solidão, ao Solitário.

(PLOTINO, 2000, p. 145; colchetes nossos)


O Universo nada sente
(Sobre o nosso daimôn)

Com a parte superior deste, permanecemos no alto; enquanto que, com a parte inferior [do Mundo Inteligível], somos destinados às coisas daqui debaixo, difundindo neste mundo uma espécie de emanação, um ato proveniente da parte inferior do inteligível, mas sem prejuízo algum para a parte superior.
Esse ato proveniente da parte inferior do inteligível permanece no corpo para sempre? Não, se nos voltarmos para o alto, ela retornará conosco.
E a Alma do Mundo? Se ela se voltar para o alto, sua parte inferior também retornará para lá? Na verdade, a Alma do Mundo nunca tendeu para este mundo [sensível] com a sua parte inferior, mas permaneceu sempre imóvel; e é o corpo deste mundo que, aderindo a ela e ajustando-se a ela, é por ela iluminado, sem a perturbar ou criar-lhe dificuldades.

(PLOTINO, 2000, p. 154)


Troca de daimôn
(Sobre o nosso daimôn)

Lemos que, depois de ter conduzido a Alma ao Hades, o daimôn deixa de ser o seu guardião, a menos que a Alma escolha de novo o mesmo tipo de vida.
[Pergunta:] Mas o que ocorre com ela antes disso?
[Resposta:] Ela é julgada, o que significa que após a morte ela vê o daimôn da mesma maneira que o viu antes da encarnação e então, antes de começar uma nova fida, ela permanece por um período diante dele sendo punida antes de começar uma nova vida, período esse que não é propriamente uma vida, mas uma expiação.

(PLOTINO, 2000, p. 157)


REFERÊNCIA:

PLOTINO. Tratado das Enéadas. Américo Sommerman (tradução, apresentação, introdução e notas). São Paulo: Polar Editorial, 2000.

Nenhum comentário:

Postar um comentário