“O Colégio Invisível da Fraternidade dos
Rosacruzes”, apresentado por Daniel Mogling (Theophilus Schweighardt), em
seu livro Speculum Sophicum
Rhodo-stauroticum (“The Mirror of the
Wisdom of the Rosy Cross”). Gravura
de Mathieu Merian. Note que o autor do texto fala em 1604, porém há referência
à publicação da obra em 1618, que por sinal, é o ano contido na gravura.
Por
Peter Bindon, FRC*
Muitos
dos leitores já ouviram falar do ilustrador britânico, William Heath-Robinson
(1872-1944), que desenhava projetos de máquinas inacreditáveis com eixos,
rodas, botões e alavancas e de outras que pressupostamente fariam limpeza e
muitas outras tarefas. A ilustração aqui apresentada poderia ser tomada como
sendo uma das invenções de Heath-Robinson. Ela aparece com o título Colégio da Fraternidade numa publicação
de Daniel Mogling, também chamado Theophilus Schweighardt, intitulada Speculum Sophicum Rhodo-stauroticum. Ela
foi desenhada, e talvez mesmo publicada, por volta de 1604, dez anos antes do Fama Fraterniatis, normalmente
considerado como o primeiro livro anunciador da presença dos Rosacruzes. Este manifesto
também é citado como a primeira publicação indubitavelmente rosacruz. Todavia,
ele não surgiu subitamente do nada. As ideias que nele encontramos são fundadas
em bases sólidas. Os escritos de Mogling mostram claramente sua convicção
rosacruz.
Além
de seus escritos, encontramos indícios visuais suficientes e evidentes em nossa
ilustração para mostrar sues laços com o Rosacrucianismo. Trata-se em
particular da rosa e da cruz que se encontram dos lados da porta desse castelo
móvel. Schweighart aconselha aqueles que buscam a senda rosacruz dizendo que
sejam pacientes e que perseverem, como as pombas de Noé, que vemos alçando voo
da arca, à esquerda no fundo da imagem, e que coloquem suas esperanças em Deus
e em suas preces. Para começar, vejamos o simbolismo do castelo, antes de nos
dedicarmos a certos elementos que o rodeiam nessa ilustração.
Os castelos
são o símbolo quase universal do refúgio interior – de um local onde a alma se
comunica intimamente com Deus, com o Absoluto ou, segundo os rosacruzes, com o
Cósmico. Ao lado de seus túmulos piramidais, os faraós ordenavam a construção
de templos funerários a que chamavam de “palácios para milhões de anos”. Assim como
os túmulos reais, eles eram destinados a durar eternamente, a fim de ligar o
destino da obra humana à dos Deuses. Nestes “palácios”, os pais do rei finado
podiam cultuá-lo e comemorar eternamente sua existência, comungando com todos
os deuses necessários e fazendo-lhes oferendas. Nos Salmos da Bíblia, um castelo,
ou cidade fortificada, é utilizado como metáfora da própria Divindade. Isso leva
a metáfora a outro plano. Ao invés de ser simplesmente um lugar onde é possível
comungar com a Divindade, o castelo torna-se efetivamente o próprio Deus. O
Mestre Eckhart diz, em um de seus sermões “Existe na alma um castelo no qual
nem o próprio olhar de Deus pode penetrar”.
E ele prossegue explicando que isto se deve ao fato de que se trata do
castelo da pura Unidade. Nos pensamentos judaico e cristão, e ainda em outros
mais, o castelo representava a calma imóvel no cerne da natureza humana. No tratado
taoista O Mistério da Flor de Ouro, é
dito que devemos fortificar e defender o Castelo Primitivo que é a casa de Hsing, ou seja, do Espírito.
Os
castelos são habitualmente construídos como lugares fortificados no cume de
colinas, onde eram mais eficientemente protegidos. Assim como as casas, eles
evocam um sentimento muito forte de proteção e de segurança. No entanto, seu
posicionamenteo os torna isolados e longínquos, o que, dada a sua
inacessibilidade, os torna ainda mais atraentes. De fato, parece que uma parte
da natureza humana consiste em desejar aquilo que é inatingível. Nas pinturas,
a Jerusalém Celeste é representada como um castelo com torres e ameias
localizado no alto de um pico de uma montanha. Ainda que de difícil acesso, uma
vez tendo-o alcançado, o peregrino lá encontra segurança e proteção. O Rosacrucianismo,
simbolizado pelo colégio fraternal, ensina, entre outras coisas, como entrar em
comunhão com as influências cósmicas. Essa parte interior de si, a qual é
acessada durante a meditação e a contemplação e que conduz à comunhão com o
Cósmico, também é remota e de difícil acesso. Porém, uma vez alcançada, todas
as contingências exteriores se desvanecem e pode-se então repousar
conscientemente na proteção do Cósmico até o retorno ao estado que precedia a
mediação.
Na ilustração
de Schweighart, observamos que esse castelo tem certo laços com a Divindade. A
palavra hebraica “Yahweh”, ou “Ieschouah”, está inscrita no céu,
indicada como o Leste, acima de nosso castelo, assim como os escudos dos quatro
defensores posicionados em cada uma das ameias dos quatro ângulos. Fato notável
é que esses defensores não estão armados com espadas, mas com folhas de palma,
que lembram a entrada do Cristo em Jerusalém, anunciadas pelas mesmas palmas.
Simbolicamente,
somos levados a compreender que a existência provém do Cósmico e que esse dom é
tão importante para cada um individualmente quando foi a entrada de Jesus na
Cidade Santa para a população cristã. A Cidade Modelo, símbolo dos ideais
utópicos, pode ser percebida pelas janelas do castelo, onde um irmão procura no
globo o lugar de sua última existência humana. Um braço que se projeta de um
dos ângulos com uma espada na mão indica que
toda luta para atingir a realização não se produz pela entrada no
castelo. Quando se progride na Senda, deve-se estar sempre em guarda, a fim de
se evitar cartas emboscadas. Ainda que essas armadilhas não sejam numeradas, é
claro que deve haver um elo com um “poço de falsa opinião”, pois a espada o
domina. Como é muito difícil ser sincero para consigo mesmo e para com seus
próprios ideais, é provavelmente isto que é sugerido aqui.
A inspiração
cósmica brilha sobre um peregrino, no canto inferior direito da ilustração. Sua
espada e seu chapéu repousam no solo, próximos à bolsa contendo seus paramentos
e seus sapatos. As inscrições em latim indicam que ele declara ser ignorante
mas que roga ao Pai que o ilumine. Mas por que ele traz uma âncora nas mãos, já
que não tem nenhum barco ou uma grande extensão d’água em vista? A âncora,
último recurso dos marinheiros num mar revolto, tornou-se mais ou menos o
símbolo da esperança. Como ela segura o barco, indica a firmeza e a fé
infalível. Ela simboliza a ideia de que é possível por fim a uma vida muito
turbulenta ancorando-se firmemente na fonte da vida: o Cósmico. Querer acelerar
o processo de vida e aprendizado é um erro, como mostra a figura que se
precipita da falésia acima de nosso peregrino. Esse buscador lançou-se
imprudentemente na Senda e não se apercebeu de que ela terminava num precipício.
Na vereda rumo ao cume pode-se ler em latim “festina lente”, ou seja, “aja sem
precipitação”, um adágio frequentemente ilustrado por um delfim enrolado em uma
âncora, que pode ser considerada então como um símbolo duplo, encorajando a
esperança e a prudência.
Um
objeto estranho semelhante a uma grua retira um buscador do “poço das
conjecturas”, à esquerda. Ele é removido das trevas que o rodeavam e trazido
para a luz do dia. Aqueles que já estão na fortaleza, escondidos da vista dos
outros, o ajudam a se elevar e lhe dão a oportunidade de descobrir a verdade no
interior do castelo. Com a ajuda do Colégio da Fraternidade, ele será então
capaz de distinguir as verdades universais das falsas superstições. Ele simboliza
o Conhecimento a ser obtido ao entrar no Colégio da Fraternidade e a expansão
da compreensão decorrentes do ingresso. Assim como lembra a mão de Deus que
vemos dos céus sustentar o castelo, esse Conhecimento, em última análise, vem
do Cósmico.
* O Frater Peter Bindon é
Grande Mestre Emérito da Jurisdicação de Língua Inglesa para a Ásia e a Oceania.
Tradução: Raul Passos, FRC
FONTE: O
Rosacruz, outono 2013. Curitiba: AMORC, 2013, p. 30-32.
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