Por
Paulo Mendes Pinto*
Este
texto de Unamuno é isso mesmo: uma excelente forma de cada um de nós se levar
ao confronto consigo mesmo através de aspectos de identidade colectiva
“Os
portugueses, procedentes dessas classes cosmopolizadas das cidades, de Lisboa
ou do Porto, os que se formaram nos livros em voga da ciência fácil de
exportação, os que no fundo se envergonham da sua pátria, são esses que dizem e
repetem que aqui não há problemas de religião nem a ninguém interessam os
problemas religiosos. E, no entanto, acreditam nos milagres da ciência.”
Miguel
de Unamuno, Portugal. Povo de suicidas, Lisboa, Letra Livre, 2012, p. 62.
Comprado
há uns tempos na Ler Devagar, e colocado em poisio na mesa-de-cabeceira, foi
agora a vez de ser lida esta coletânea de conferências de Unamuno. Uns mais
cheios de referências a literatura do século XIX; uns mais recheados de
episódios políticos do fim da monarquia dos Bragança; outros, ainda, numa
mistura de ambos, mas todos eles com uma boa dose de subtileza, com boa dose
daquele humor que nos obriga a um riso leve porque é sobre nós próprios que
somos levados a rir.
E
este texto de Unamuno é isso mesmo: uma excelente forma de cada um de nós se
levar ao confronto consigo mesmo através de aspectos de identidade colectiva. E
a sua reflexão é, essencialmente feita em cima de conceitos relativos ao
colectivo, conteúdos que são trabalhados partindo-se, muitas vezes, dos autores
portugueses que começaram a tratar esses mesmos conceitos, como Oliveira
Martins.
A
chamada Geração de 70 está recheada de figuras iluminadas que, numa dor
existencial imensa, se deixam e se transfiguram em imagens de um desgosto de
morte, uma queda vocacional para o suicídio.
Falar
sobre as formas como a morte está plenamente presente numa cultura é uma tarefa
altamente complexa. Talvez o texto que mais me tenha cativado tenha sido “As
almas do purgatório em Portugal”, um texto que deambula por muitos aspectos,
mas centrado nas alminhas dos caminhos, naquelas pequenas capelinhas ou altares
que pululam pelos campos. É brilhante a reflexão, por parte de alguém que se
afirma não crente no purgatório, sobre o sentido de vida que o purgatório dá a
quem viu morrer um seu ente-querido.
Seja
nas tradicionais “alminhas”, que preenchem tantas encruzilhadas nos caminhos
rurais, seja nos altares com as almas em fogos eternos perante a redenção
perdida, seja, ainda, num rol imenso de orações, com especial peso para tudo o
que circula em torno de Fátima e do rosário, há um imaginário colectivo em
torno do purgatório, do sofrimento, não na morte, mas sim após a morte. A morte
é a primeira morte, à qual sucede a purga, e ainda o julgamento final, o
momento de uma possível morte definitiva para a salvação.
De
facto, o sofrimento torna-se norma e até desejo. Tanta é a poesia nascida nesta
estrita faixa de terra atlântica, que me é impossível fazer um elenco. Mas
parece que sempre aqui se clama pelo talhar das tábuas do “nosso” caixão!
E num sentido que poderia ser pessoano, se a morte é o centro das iniciações, a
metáfora, a imagem dos renascimentos, então Portugal está sempre em busca de
uma ressurreição.
* Coordenador da área de
Ciência das Religiões da Universidade Lusófona. Embaixador do Parlamento
Mundial das Religiões e fundador da European Academy of Religions. É
especializado em História das Religiões Antigas (mitologia e literaturas
comparadas), mas dedica parte dos seus trabalhos a questões relacionadas com a
relação entre o Estado e as religiões. Na área da Ciência das Religiões, é o
responsável por diversos projectos de investigação, especialmente na relação
entre as Religiões e a escola, assim como no desenvolvimento de uma cultura
sobre as religiões como componente de cidadania. É ainda investigador da
Cátedra de Estudos Sefarditas «Alberto Benveniste» da Universidade de Lisboa. É
Membro do Conselho Consultivo da Associação de Professores de História. É
director da Revista Lusófona de Ciência das Religiões. Recebeu a Medalha de
Ouro de Mérito Académico da Un. Lusófona em 2013.
REFERÊNCIA:
PINTO, Paulo Mendes. MORRER E RESSUSCITAR, OU O SUICÍDIO DOS
PORTUGUESES ATRAVÉS DE UNAMUNO. Disponível em: <http://visao.sapo.pt/opiniao/bolsa-de-especialistas/2018-06-26-Morrer-e-ressuscitar-ou-o-suicidio-dos-portugueses-atraves-de-Unamuno>.
Acesso em: 03 jul. 2018.