sexta-feira, 10 de outubro de 2014

DO CONTRATO SOCIAL





Por João Florindo Batista Segundo


“Do Contrato Social”(1762) é a obra mais popular do filósofo político suíço Jean Jacques Rousseau (1712-1778), a qual deve ser lida como fruto do contexto social da época. Neste viés, é sabido que embora Rousseau fosse iluminista, assim como os pensadores de sua época, ele não compartilhava de uma visão otimista da história e do iluminismo, o que ele deixa claro logo no início do “Contrato”, quando diz não saber a origem das injustiças que afligem os menos favorecidos socialmente. Outrossim, ele entendia muito bem o que era exclusão social, já que os pais vinham das camadas mais pobres, pelo que, muito embora tenha granjeado fama ainda em vida, Rousseau sempre se esquivou dos salões onde a maioria dos pensadores da época flertavam com a nobreza egoísta.

No “Contrato”, dividido em quatro livros, a grande pergunta sobre a qual o nosso pensador se debruça é como encontrar uma associação de homens que defenda com toda a forçaa pessoa e o patrimônio de todos os seus membros, sem tirar-lhes a autonomia. Denota-se,ab initio, que do contrato previsto por Rousseau estão excluídos a escravidão e o individualismo, pois a vontade individual deve submeter-se à vontade da maioria: dá-se aí a distinção entre vontade de todos e vontade geral, vez que a primeira concerne ao interesse privado e a segunda ao interesse comum.

No Livro I, composto de nove capítulos, Rousseau se propõe a investigar a existência de uma ordem civil, legítima e segura, capaz de tornar os homens mais felizes, ao tempo em que apresenta a passagem do homem natural ao civil, aborda a liberdade natural do ser humano, como ele a perdeu e como ele poderia recuperá-la, estes últimos tempos discorridos em mais detalhes no pequeno ensaio Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens (1755). O ineditismo de seu pensamento reside ainda em declarar que o soberano é o povo e o governo deve estar sujeito ao povo, que é quem compete escolher seus representantes e a melhor forma de governo. Além da defesa da coletividade, a passagem do estado natural para o civil é consequência da necessidade de uma liberdade moral.

No Livro II, Rousseau discorre em doze capítulos sobre os aspectos jurídicos do estado civil. Para ele, o “soberano” (que é o povo) deve agir de acordo com a “vontade geral” do povo, o que é o limite do poder do governante. Assim, para que o contrato social seja válido, o povo deve ser criador das leis e também submisso a elas, ou seja, cidadão na primeira situação e súdito na segunda.

Já no Livro III, o autor explana sobre a democracia, a aristocracia e monarquia, com destaque para o fato de que, para ele, o que institui um bom governo é o sinal de conservação e prosperidade dos que dele fazem parte, demonstrada pelo povoamento do território: onde o povo diminui e enfraquece há um mal governo. Explica ainda que a democracia é adequada para cidades pequenas, a aristocracia para Estados de médias dimensões e a monarquia para Estados grandes.

No Livro IV, Rousseau defende a liberdade de crença, ao afirmar que seria útil ao Estado que fosse tolerante com todas as religiões e que essas fossem tolerantes umas com as outras. Tal liberdade, todavia, seria parcial, pois, para ele, o governo deveria usar a lei para banir qualquer religião prejudicial ao corpo social, de maneira que as doutrinas deveriam se coadunar aos ideais governamentais.

Dentre as características essenciais do pacto, ou contrato social previsto por Rousseau, deve-se ter em mente que:
·        Realiza-se no interior de um Estado vigente, todavia ilegítimo, que só seria legítimo quando oriundo da vontade de todos os indivíduos.
·        Decorre do contrato que o indivíduo adquire a liberdade civil ou cidadania, a despeito da liberdade natural que perdera antes.
·        O contrato consiste essencialmente da distribuição equânime das obrigações e participação na vida política.
·        O contrato só se efetiva quando há garantia de preservação dos bens materiais e da vida.

Outro ponto pertinente é quando traça as características do estado civil ilegítimo, que se dá quando os homens em sociedade ilegítima estão submetidos à exploração econômica por outros homens mais poderosos, que são os proprietários, responsáveis por empregar coerções que obstaculam ou anulam a liberdade individual dos não proprietários. Já o estado civil legítimo funda-se na vontade geral do próprio povo e tem como função garantir o bem estar social.

Quanto às formas de governo, para Rousseau, na república, o corpo político quando ativo é chamado de soberano, quando passivo é chamado de Estado e quando comparado a seus semelhantes é chamado de poder ou potência. Já o povo quando ativo é chamado de cidadão, pois participa da elaboração de leis civis nas assembleias e quando passivo é chamado de súdito, pois se submete às leis do Estado que foram criadas por eles enquanto cidadãos. No que tange à república é todo Estado regido por leis, de maneira que mesmo a monarquia pode ser uma república; decorre daí também que o povo submetido às leis deve ser o autor delas, porém quando o povo não sabe criar leis, é preciso que escolha um legislador, o que o autor admite que é uma tarefa difícil. Outro ponto pertinente é que os governantes, ou magistrados, não devem ser numerosos, para não se enfraquecer, pois quanto mais atua sobre si mesmo, menos influência tem sobre o todo.

Oportuno também demonstrar a distinção que Rousseau tece entre Estado e governo. O primeiro é o corpo político, detentor de papel primário, no qual o povo é o soberano e escolhe os membros do governo.  Já o segundo é o corpo administrativo, detentor de lugar secundário, constituído pelos funcionários do soberano.

Outra distinção esclarecedora do genebrino é a que ocorre entre o público e o privado. O público, para ele é condição objetiva, na qual o indivíduo é cidadão ou súdito, pautando-se pelo interesse comum, referindo-se ao coletivo e à vontade geral. Já no privado se dá condição subjetiva, por conta do egoísmo do indivíduo, que se pauta no interesse de todos, referente ao todo e à vontade de todos de apenas zelar por acumular para si próprio.

Diferentemente de Hobbes, para Rousseau o governo não é estabelecido para coibir a guerra de todos contra todos, mas, sim, um corpo intermediário estabelecido para correspondência mútua entre governados e governantes.

Tamanha foi a influência política das ideias do cidadão de Genebra na obra de cunha teórico-político de 1762, que alguns denominam o livro de “a Bíblia da Revolução Francesa”, pois foi inspiração para o conceito de soberania popular, onde a vontade geral do povo é superior à vontade singular do príncipe. Seu pensamento teve influência decisiva no Ocidente e em seguida por todo o orbe, no que tange à reforma do Estado, pelo que ainda hoje é debatida nas academias, no âmbito do direito, filosofia, ciência política, ciências sociais e outras áreas.

Diante de tudo o exposto, claro está que “Do Contrato Social” pela relevância de suas transformadoras ideias, marcou época e modificou para sempre o pensamento da humanidade: pertinente, por exemplo, recordar também que ele influenciou até mesmo a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), vez que no início do “Contrato”, Rousseau declara que “os homens nascem livres e iguais”, bem como nesta obra pela primeira vez se fez menção explícita à expressão “direitos do homem”.


REFERÊNCIA
ROUSSEAU. Jean-Jacques. O Contrato Social: princípios do direito público. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.